Aproveitando
o janeiro branco, tenho tentado abordar neste blog pessoas que tenham sofrido
problemas mentais e que muitas vezes em sua época não fora diagnosticado,
apenas rotulado como “louco”, termo hoje bastante controverso, pois a cada dia
tenta-se possibilitar novas reflexões sobre os novos conceitos de loucura .
Segundo
as pesquisadoras, Ana Paula Parise e Camilla Baldicera: “A psicanálise e a arte do século XX nasceram na mesma
época e consolidaram suas bases renovadoras em momentos
históricos semelhantes, os quais coincidem com processos de resistência e movimentos de inovação diante de uma
sociedade ditadora e repressora. Freud (1908) já se perguntava o que
estaria por trás da mente criadora e que mecanismos seriam responsáveis por despertar em nós os
sentimentos mais profundos e inesperados.
Assim, entende-se que a psicanálise sempre explanou
interesse e deslumbre pelas origens e segredos envolvidos no processo de criação. Freud, o
criador da psicanálise, sempre fez questão de congregar em sua teoria
criações artísticas, como é o caso do Édipo Rei, que fundamenta uma de suas
principais descobertas, o núcleo da neurose: o complexo de Édipo. Este autor ainda concebeu a arte como uma forma de reconciliar
os dois princípios de funcionamento mental: o princípio do prazer e o princípio
da realidade3
utilizando-se desse campo do saber para elucidar e repensar seus conceitos
teóricos (ZOSCHKE, 2006)” Vamos aproveitar e falar um pouco sobre Van Gogh.
Além
do famoso compositor, o pintor Vincent van Gogh também
bateu ponto em hospitais psiquiátricos. Surtos epiléticos e problemas mentais
fizeram do pintor holandês um dos mais célebres e geniais doentes psiquiátricos
da história da arte. Num surto de loucura, Van Gogh desentendeu-se seriamente
com o amigo Paul Gauguin e em seguida cortou a própria orelha com uma navalha.
Após a experiência dos ataques
repetidos, convém-me a humildade. Assim, pois, paciência. Sofrer sem se queixar
é a única lição que se deve aprender nesta vida. (Van Gogh)
Ele
nunca deu a impressão de que era um demente. Embora quase não comesse, bebia
sempre em excesso. Quando terminava sua jornada diária, depois de passar o dia
inteiro sob o sol abrasador e um calor tórrido, costumava se sentar na varanda
de um café, já que não tinha um verdadeiro lar. E os absintos e brandies
(bebidas) se sucediam rapidamente. Como seria possível resistir. Era o encanto
personificado. Amava a vida de forma apaixonada. Era uma pessoa ardente e boa.
(Paul Signac).
Existem teorias de que Van Gogh era
vítima de demência sifilítica ou que sofria de esquizofrenia. Mas, ultimamente,
tem sido reforçada a crença de que era vítima de psicose epileptoide de fundo
hereditário, agravada por circunstâncias pessoais, como a possível sífilis,
alcoolismo, desnutrição e esgotamento, o que o exime da loucura. Tanto Theo,
quanto a irmã Wilhelmina foram vítimas
da mesma doença. A saúde de Van Gogh era oscilante. Muitas vezes, ele se
mostrava muito bem, vibrante de alegria e entusiasmado com o trabalho, embora
tivesse uma alimentação escassa e pobre. Noutras, passava por profundas crises
de depressão. Para alguns também era tido como bipolar.
A vida de Van Gogh encheu-se de
entusiasmo durante a criação da famosa casa amarela.
Pretendia criar um espaço dedicado a um grupo de artistas, onde pudesse
discutir a arte, organizar um efetivo esquema de venda das obras produzidas,
compartilhar bens materiais e praticar a espiritualidade. Para dar início à
comunidade, contava entusiasmado com a chegada do pintor Gauguin, em quem
depositava toda a sua crença. Mas a falta de sensibilidade do pintor francês
começou a gerar uma enorme tensão entre ambos, principalmente pelas diferenças
de personalidade. Gauguin era altivo, prático e mundano, e muito mais
preocupado com a venda de suas obras de que com a comunidade. Van Gogh, por sua
vez, cultivava hábitos simples, era sensível, apaixonado, terno e totalmente
indefeso.
Com
o tempo, a convivência entre Van Gogh e Gauguin foi se tornando insuportável.
Mas, quando o pintor holandês percebeu que o amigo abandonaria aquele projeto,
que lhe era tão caro, e ao qual dispensou gastos e energia, ficou totalmente
fora de si. Tentou agredir Gauguin com uma lâmina de barbear e, naquela mesma
noite, decepou o lóbulo de sua orelha esquerda, enrolou-o num lenço e o
presenteou a uma amiga prostituta, pedindo-lhe que o guardasse com cuidado.
Deitou-se como se nada tivesse acontecido, sendo encontrado ensanguentado e sem
sentidos. Levado ao hospital, ali permaneceu 14 dias. Ao retornar, pintou o Autorretrato com a Orelha Cortada.
Com
a confusão entre os dois pintores, sendo Gauguin francês, foi gerada uma grande
polêmica entre os moradores de Arles, que se colocaram contra o pintor
holandês. De modo que um grupo pediu a internação de Van Gogh
num manicômio, alcunhando-o de “o doido ruivo”. A polícia fechou sua casa com
todos os quadros dentro. Rejeitado por Gauguin, por quem nutria grande amizade
e admiração, desprezado pelos moradores da cidade e com a certeza da derrocada
de seus planos em relação à casa amarela, o estado do pintor tornou-se cada vez
mais sério. O casamento do irmão Theo foi a gota d’água, pois ele passou a
temer pelo afastamento da única pessoa com quem podia contar, e por quem sentia
uma grande amizade. Passou por uma forte crise de insônias e alucinações,
dizendo-se perseguido por alguém que tentava envenená-lo. Mesmo assim, continuou trabalhando
incessantemente.
Houve um ciclo na vida do artista
holandês em que aconteceram crises, cansaços, recuperações, desânimos,
esgotamentos, trabalho árduo e momentos de êxtase. Só que, após o incidente, a
parte ruim do ciclo passou a ser uma constante em sua vida. Tanto é que Van
Gogh sentiu necessidade de se internar num manicômio e, por conta própria, fê-lo.
Ali permaneceu um ano, com altos e baixos. O que pode ser comprovado numa carta
enviada a Theo:
Tanto
na vida, como na pintura, posso muito bem ficar sem Deus; mas não posso, sem
sofrer, ficar sem algo que é maior do que eu, que significa a minha vida inteira:
a força de criar. No manicômio, Van Gogh
perdeu o medo da loucura, doença que ele mesmo admitia sofrer, demonstrando
grande ternura pelos internos. E assim se expressou sobre eles:
Antes,
esses seres me repugnavam e eram algo desolador para mim, pensar que tanta
gente de nosso ofício tinha terminado assim (…). Agora, penso em tudo sem
temor; isto é, não considero isso mais atroz do que se essas pessoas tivessem
sucumbido por outras razões, como tuberculose ou sífilis.
Já no final de sua vida, Van Gogh
aceitou a proposta de um amigo para ir morar em Auvers-sur-Oise, perto de
Paris, para ser tratado pelo Dr. Paulo Gachet. Aceitou-a, e se instalou na
hospedaria Ravoux. Mostrava-se animado e trabalhava intensamente, até que uma
carta de Theo, descrevendo as dificuldades pelas quais passava, assim como a
sua debilidade física e a da esposa, acabou com a sua tranquilidade. Mesmo
depois de visitar o irmão querido, ele não conseguiu se acalmar. Rompeu
relações com seu médico. Sozinho no campo, Van Gogh teve um
novo surto de depressão e atirou contra seu estômago, vindo a falecer, dois
dias depois, nos braços de Theo.
Após a morte do irmão, Theo ficou
inconsolável. Acalentava muitos projetos para os dois. Passou a sofrer de
depressão e ansiedade. Com a saúde cada vez mais frágil, foi levado para
a Holanda, onde veio a falecer de “demência paralítica” (neurossífilis), seis
meses após o irmão. Willemina, irmã de Van Gogh, era esquizofrênica, e viveu
durante 40 anos internada, e Cornelius, outro irmão, cometeu suicídio aos 33
anos de idade. Van Gogh e seu irmão Theo encontram-se enterrados lado a lado,
como sempre estiveram em vida.
Ao
acompanharmos a vida de Van Gogh,
percebemos que a arte foi-lhe de muita valia, para dar vazão à sua vida
emocionalmente turbulenta, que ia do arrebatamento à depressão, da
imobilidade aos ataques de loucura, inclusive, fez inúmeros auto-retratos com a
finalidade de encontrar em si a razão do próprio desespero. Contudo, a arte não
conseguiu impedir que, num ato de total desequilíbrio, ele desse fim à própria
vida, aos 37 anos, privando o mundo de um homem terno e compassivo e de um dos
maiores talentos da pintura.
Era um homem
honesto e um grande artista, e, para ele, só havia duas coisas: a compaixão e a
arte. A arte era para ele o mais importante de tudo e é nela que ele estará
vivo. (Dr. Gachet – seu médico em Auvers)
Por : Lu Dias
BH
Nota:
Autorretrato
com a orelha cortada (1889)
Fontes de pesquisa:
Mestres da Pintura/ Editora Abril
Grandes Mestres da Pintura/ Coleção Folha
Van Gogh/ Editora Taschen
Para Entender a Arte/ Maria Carla Prette
Mestres da Pintura/ Editora Abril
Grandes Mestres da Pintura/ Coleção Folha
Van Gogh/ Editora Taschen
Para Entender a Arte/ Maria Carla Prette
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