segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

GIBRAN :CRIME E CASTIGO




Então, um dos juízes da cidade acercou-se e disse:
“Fala-nos do Crime e do Castigo.”
É quando vosso espírito vagueia sobre o vento que vós,
sozinhos e desprevenidos, cometeis delitos contra os outros e,
portanto contra vós mesmos.



Nós vivemos falando do sentimento de unidade, de fraternidade, a partir do momento que àquilo que fazemos aos demais , parece que fere mais a nós mesmos do que aos demais. Isto já significa  um pequeno sentimento de fraternidade e de unidade.
Que sentido tem eu ferir alguém e isto doer mais em mim do que  nesta pessoa?
Existem 4 elementos segundo as tradições filosóficas que constitui àquilo que nós chamamos de personalidade: nosso veículo denso no mundo que é: o veículo físico, energético, emocional e mental. Há uma relação muito comum desses 4 elementos com os quatro elementos da Natureza.
Físico= Terra; energético=água; emocional=ar; mental=fogo.
Então quando você diz que venta demais e este vento te distancia do espírito, significa que o teu descontrole emocional faz com que você perca o contato com a tua verdadeira essência. O espírito vagueia em cima desta tormenta do vento. Percebam como é inteligente a relação com esses 4 elementos porque o nosso emocional parece muito com o ar. Suave é uma brisa que beija teu rosto e enfurecido parece um tornado que sai arrancando tudo com pensamentos circulares e as emoções girando e atirando tudo para cima, ou seja, o elemento ar lembra muito as nossas emoções e essas emoções desordenadas fazem com que o espírito se distancie.
Normalmente nos nossos momentos de decisões mais difíceis da vida, perdemos o controle emocional. Platão dizia que isto é coragem: “ manter a lucidez no momento  de limite.”
Segurar as rédeas de si mesmo e não de coisas externas; isto é consequência.
Quando perdemos o controle emocional, ficamos à mercê do medo, do desejo, das paixões...às vezes, do pior, o pânico.
Percebam que, quando existem desastres em espetáculos públicos, as pessoas morrem mais pelo pânico do que propriamente do efeito do desastre. Morrem mais pisoteadas do que queimadas. Nosso descontrole emocional, afasta a lucidez  do espírito, perdemos o contato com o mínimo da nossa identidade.
Uma das questões mais inquietantes para Platão era exatamente a questão da identidade: “quem sou eu”. Só existe  uma maneira da gente saber quem somos nós. A tua identidade consiste no teu ideal, aquilo que você quer ser como ser humano, por isto Platão dizia: “ o teu nome interno, está lá no horizonte” . Por exemplo: quero ser justa, fraterna, íntegra...isto é o meu nome interno, está lá no horizonte.
Suponhamos que hoje eu tive uma ação que não me tornou mais fraterna, logo eu me traí a mim mesma. O que foi tão atraente que te  roubou a ti mesma? Esse descontrole, esse torvelinho emocional faz com que percamos a lucidez. Quando você se distancia de si mesmo, têm ações que são incoerentes com a sua Natureza humana, logo, comete delitos, ainda que eles não se concretizem fisicamente no prejuízo. Só de haver uma intenção concreta disso, você já cometeu um delito, sobretudo contra si mesmo.
Se duas pessoas atiram e só uma acerta e você só pune a que acerta, ou seja, a que gerou efeitos externos, você está punindo a pontaria, e não o crime. Às vezes, as circunstâncias internas te impedem de atirar, mas a intenção dentro está feita, já é um delito no sentido de transgredir as leis de tua própria Natureza humana. Já provoca em você uma violência, que vem de violar, transgredir. Algo em você já foi ferido.



E, para redimir-vos do mal cometido,
devereis bater à  porta dos eleitos
e esperar algum tempo antes de serdes atendidos.


Platão fala constantemente dos laços verdadeiros entre os homens, e Cícero  também tem um livro interessante sobre a amizade que diz: ” os eleitos, ou seja, àqueles que são teus mestres, àqueles que são teus verdadeiros amigos, necessariamente são àqueles que te puxam pra cima, que te ajudam, denunciam a você quando você está se traindo. Ele não quer te agradar. O livro “Plutarco” fala que os aduladores é como carrapato preso à orelha daqueles que amam a glória, ou seja, ele diz aquilo que você quer ouvir e não aquilo que você necessita. Aqueles que você elegeu cuidadosamente para serem teus verdadeiros amigos, teus mestres, teus orientadores. Bate à porta deles porque alguém precisa te ver fora de tuas paixões, alguém precisa te ver fora de tuas alienações e te dizer: “Olha, porque eu te amo, eu digo: você está totalmente errado.” E se você não tem essa pessoa, não desenvolveu um laço profundo, logo é muito difícil você ter aonde se segurar numa situação de insensatez, quando a lucidez se vai. O verdadeiro sentimento consiste naqueles que te dão asas. Há um poema de Adélia Prado que diz:

“Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
“Coitado, até essa hora no serviço pesado”.
Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.”

Sentimento é uma das coisas mais raras que a gente tem. Esses eleitos com quem o teu coração se uniu lá em cima, para ser um fator de soma na vida do outro, nessa hora são fundamentais. Se você não tem um laço desse tipo, você está à mercê do tronado das tuas próprias emoções. Então bata à porta dos eleitos antes de fazer alguma insensatez. Aqueles que amam àquilo que você tem de melhor, vão te denunciar para você, antes que você se perca.



Similar ao oceano é vosso Eu divino:
permanece sempre imaculado.
E, como éter, ele sustenta somente os alados.



Só quando a consciência cria asas, ela acessa aquilo que você tem de melhor. Você tem de fazer de tudo o que você aprende na vida,  um estímulo pras asas da tua consciência. Eu vou extrair dessa situação dolorosa, um aprendizado que me torne alguém melhor. Se algo não serve para que minha consciência crie asas e chegue ao seu destino, não serve pra nada. É vida perdida. É um desperdício jogarmos vida fora. Todos os fatos têm de nos dar uma mensagem, um recado. Temos de extrair daí a gota sagrada que nos permita alimentar as nossas asas e voarmos cada vez mais alto. Só chega neste local, que é a tua essência, quando a consciência levanta voo. Quantas vezes a nossa consciência tem levantado voo? Quanto temos treinado esse voo livre na nossa consciência, através das coisas? Pois estas coisas todas vão passar, são perecíveis. O sentido real delas é nos ensinarem a voar. E se nós não extrairmos isto dela, ela não nos serve para nada.

E similar também ao Sol
é vosso Eu divino:
desconhece os caminhos das tocas
e evita o covil das serpentes.

O nosso Eu divino tem vocação solar, luminosa, vertical, transmutadora.  Se a nossa consciência desce pras sombras, não vai nos encontrar aí. Ali irá encontrar todo tipo de alienação, de manipulação e de mutilação, inclusive. Quando a nossa consciência desce aos buracos escuros das paixões, dos desejos, dos rancores..nós não vamos nos encontrar ali. Podemos encontrar de tudo, menos a nós mesmos. Nosso Eu divino tem vocação solar. Nossa consciência tem de criar asas através das experiências, pra isto viemos. Nisto consiste em última instância, a vida.

Mas vosso Eu divino não habita sozinho o vosso Ser.
Em vós, muito é ainda do homem,
e muito não é ainda do homem,
mas apenas de um pigmeu disforme que vagueia,
sonâmbulo, nas brumas,
à procura do seu próprio despertar.
É do homem em vós
que quero agora falar.
Porque é ele, e não vosso Eu divino
Ou o pigmeu que vagueia nas brumas
Que conhece o crime e o castigo do crime.

Não é o Eu divino, ou o Eu pigmeu que conhece o crime ou o castigo do crime. Para representar o homem, os gregos usavam o caliseu de Mercúrio, onde dividia em três níveis:

O Eu divino, ele não tem o que escolher. Ele já está escolhido. Ele tende para valores, virtudes e sabedoria. O Eu humano e o Eu Pigmeu. Este último é de natureza animal e irá tender sempre para o animal, o instinto de sobrevivência.

A nossa consciência é como elevador. Agora está parada. È ela que vai escolher  se vai descer ou se vai subir, portanto, ela tem de saber quando traiu a si próprio. Quando tomou a direção que não é humana. Quando não cumpriu o seu papel na Natureza. Ela é quem faz  escolhas, ela que comete delitos. Ela que cria virtudes. É ela que pode optar.

Tem uma frase de Nietzche que diz: “ O homem é uma corda estendida entre o animal e o super-homem - uma corda sob o abismo. É o perigo de transpô-lo, o perigo de estar a caminho, o perigo de olhar para trás, o perigo de tremer e parar. O que há de grande do homem é ser ponte e não ser meta: o que pode amar-se, no homem, é ser uma transição e um ocaso. Amo os que não sabem viver senão no ocaso, porque estão a caminho do outro lado!
(Assim Falou Zaraustra)

Isto é o humano. Ele que acerta, ele que erra, ele que está tentando... ele que quer saber. Os outros dois níveis (Pigmeu e divino) já estão decididos.  A consciência humana é que está tentando achar o seu caminho, ou seja, o crime e o castigo é para o homem. O “eu” animal não tem escolha e o “eu” divino já escolheu. Os gregos diziam que quando a gente consegue acertar o eu humano, alinhá-lo e fazer com que ele se eleve, você se torna uma ferramenta na mão de Deus. O teu próprio Deus interior.


Frequentemente, tenho-vos ouvido falar
Daquele que comete uma ação má
como se não fosse dos vossos,
mas um estrangeiro entre vós,
e um intruso em vosso mundo.
Mas eu vos digo:
da mesma maneira que o santo e o justo
não podem elevar-se acima do que há
de mais elevado em vós,
assim, o perverso e o fraco
não podem descer abaixo
do que há de mais baixo em vós.

Existe um espectro da condição humana. O mais nobre não pode ir mais elevado do que aquilo que ele existe de mais nobre dentro de você. E o mais baixo, não pode ir mais baixo do que aquilo que existe de mais vulgar em você. O céu e o inferno dentro de você. Somos um microcosmo. Tudo o que existe fora, existe dentro de nós. O homem é a miniatura do universo. Young falava: esse microcosmo que existe dentro de você, onde tudo o que está fora está representado dentro, tem duas possibilidades: se você conhece, você domina; se você desconhece, você vai ser dominado. Tudo é uma questão de consciência: o que evolui é a consciência. Nós temos de ter muito cuidado com uma coisa chamada: “karma da crueldade” que fala que todo desvio da lei do universo, toda ação tem uma reação que te conduz de volta para o caminho.
O karma da crueldade dizia: “esses assassinos”, “esses bárbaros”, “esses trogloditas”. Como diz a tradição cristã, nunca diga: “dessa água não beberei”, pois você não sabe aonde as circunstâncias da vida ainda podem te levar. Tenha compaixão, seja moderado nas palavras. Não fale mais do que você pode ser. Porque nós nascemos num conjunto de circunstância que nos privilegiou muito.  Eu fico olhando às vezes as pessoas  que saíram de circunstâncias, de que eu tenho certeza que não sairia. Nós ainda estamos longe de termos vistos todas as nossas sombras.


E da mesma forma que nenhuma folha amarelece
senão com o silencioso assentimento da árvore inteira,
assim, o malfeitor não pode praticar seus delitos
sem a secreta concordância de todos vós.


Lembrem do capítulo “ A compra e a venda” quando Gibran diz: “antes que você saia do mercado, certifica-te de que alguém não tenha caído sem suprir as suas necessidades. “


Aí você pergunta: “- O que tenho com isso?”  


-“Tudo”


Alguém foi de mão abanando para uma casa onde os filhos esperam e isto não é um problema seu? É problema seu,  sim. Toda árvore sabe que a seiva foi interrompida e sabe se uma folha não está recebendo seiva. Ela emarelece e cai.
Existe uma responsabilidade individual. A evolução humana é individual. Cada um tem o mérito e as possibilidades de lutar contra as circunstâncias, mas também temos uma responsabilidade sistêmica sobre toda a humanidade.
Quando ficamos dentro de um mundo isolado, pequeno, para evitar ver que a seiva não está atingindo vários outros seres, para que não tenhamos trabalho com isto, a queda desta folha é uma responsabilidade nossa. A tradição oriental, não hoje. Hoje, o Oriente foi globalizado pelo materialismo e alienação. Quando eu falo de tradição é há 2000 anos. Eles diziam: “ aqueles que erram, inspirado no teu exemplo, a responsabilidade do erro dele, pesa sobre você também.”
Responsabilize-se por ser melhor, porque se você começa a cair, talvez você tenha força moral para parar no meio do caminho ou para subir, mas aquele que começou a cair para te acompanhar, talvez não tenha. Talvez vá até o fundo do poço e você foi responsável. A responsabilidade sistêmica, a ideia da fraternidade universal, a ideia de que a humanidade é uma grande família, está presente tanto no oriente como no ocidente em relação à filosofia. Somos responsáveis por todas as folhas desta árvore.
Algo de desatenção, de egoísmo, algo de não termos feito um esforço necessário para sermos melhores, está contido naquela folha que caiu.
Imagine que você caminhe em relação a tua evolução, não muito rápido, mas no ritmo que você pode caminhar com responsabilidade. Sem pressa e sem pausa, mas caminhe em relação à tua evolução como ser humano. Nesta direção vem alguém que necessita de referenciais e que já foi enganado muitas vezes, já foi manipulado muitas vezes, já jogaram com seus sonhos muitas vezes... E essa pessoa vai cruzar com você num determinado ponto no futuro, você é a última esperança dela. Se você não estiver lá, é abismo. E você perde tempo nomeio do caminho por futilidades. Sabe que a dor desta pessoa te puxa pro futuro e a responsabilidade pela queda dela, também é tua. Porque a Natureza espera. Não que você seja mais do que você é, mas que você seja responsável com aquilo que é. Ela não espera que você ande numa velocidade superior as suas pernas, mas aquilo que você pode, ela espera que você sustente. Porque toda vida se sustenta com ritmo. O teu coração não bate só de vez em quando, ele bate sempre. É um movimento peristáltico no intestino. Não há vida que aconteça de vez em quando, quando dá.
A Natureza espera que você honre sempre aquilo que é próprio da tua vida humana, com ritmo. Ela não dá a você provas maiores do que as tuas,, mas espera que você seja responsável.
Segundo a tradição oriental: “Não existem provas maiores do que  o homem. Se uma pedra te atingiu é porque ela foi jogada na tua altura. Você nunca vai ver ninguém atingido por um meteoro. As provas são do nosso tamanho. Isto é a ideia da responsabilidade sistêmica que temos com a humanidade.

Como uma procissão, vós avançais juntos
 para o vosso Eu divino.
Vós sois o caminho e os que caminham;
quando um dentre vós tropeça,
ele cai pelos que caminham atrás dele,
alertando-os contra a pedra traiçoeira.
Sim, e ele cai pelos que caminham adiante dele,
que, embora tenham o pé mais ligeiro e mais seguro
não removeram a pedra traiçoeira.

Quem tinha mais força e mais velocidade podiam ter ajudado os mais fracos, disparou na frente. Quem vem atrás talvez não caia porque viu a queda dele, ou seja, tanto a dor quanto o benefício da sua queda não pertencem só a ele. Pertence ao todo. Mas todos dizem “ele caiu”. Ninguém o levanta de volta, como se ali houvesse um ser que não é humano. E como se o potencial de cair não tivesse em cada um de nós. O tempo todo espreitando...uma oportunidade dada pelo nosso egoísmo.
Se fôssemos como um, ninguém cairia. Ou se caísse, levantaria rápido, mas não somos. Somos cada um por si.
Recordo-me de um livro que me marcou muitos anos atrás: Júlio César- o general romano, lutando contra os Celtas. Em um dos comentários sobre a guerra Gálica, ele diz: “Esses homens são geniais, ou seja, uma coragem que eu nunca vi, mas eles vão cair porque eles lutam cada um por si, e as minhas legiões é como um só homem.”
Eles eram menores numericamente, bem inferiores durante todas as guerras gálicas e venceram porque lutavam como um só homem; enquanto os Celtas que eram bravos demais, corajosos demais...era cada um por si.
Se fôssemos como um, ninguém cairia ou ficaríamos muito tempo no chão.

Eu ouvi também isto, embora a palavra
pese rudemente sobre vossos corações:
o assassinado é censurável por seu próprio assassínio,
e o roubado não está isento de culpa por ter sido roubado.
E o justo não é inocente das ações do iníquo.
Sim, o agressor é, muitas vezes, vítima do agredido.
E, mais comumente ainda, o condenado carrega o fardo
para o inocente e o irreprochável.

Todos nós somos duais. É uma mistura de luz e de sombra. E quando alguém externa aquela sombra em que nós estamos momentaneamente tentando controlar, não dizemos: ”Coitado!” mas sim, “ Miserável!, Infeliz!”.
Expôs fora aquilo que não quer ver dentro, pois o fere.
Por exemplo: Se você tem problema com a preguiça, o preguiçoso te ofende, provoca ódio e não compaixão. O sentimento de ódio como dizia Yung é uma projeção externa daquilo que você não aceita ver dentro. E se não aceita ver dentro, mas cedo ou mais tarde vai ter de externa-lo. Se não aprende através da reflexão, porque a experiência de um homem através da reflexão e da compaixão pode ajudar a superar sem precisar vivê-lo, mas como somos cruéis, como negamos a experiência fora, teremos de externalizá-la e vivê-la. Ou você aprende pela reflexão, ou pela experiência. E se não aprende pela reflexão, a experiência é inexorável. Percebam que esta dualidade existe dentro de todos os seres. Você não pode dizer: “eu não faria”, mas sim: “ eu não faria em condições que eu conheço” pois não sabemos o que a vida trará.
Portanto, eu faço todo possível para que esta pessoa se levante, porque eu não sei o que eu ainda tenho pela frente. E não é só por isso! É porque é minha obrigação mesmo.. Nós teremos de ter consciência de que no final, nós chegaremos juntos, ou não chegaremos.
A tradição zen tem um sutra que acho muito bonito, que diz: “ide junto, mais além do mais além até a realização última.”
Juntos. Não interessa a libertação individual. Interessa aqueles que se comprometem com a sabedoria, voltam para contribuir e compartilhar aquilo que conquistaram. Este é o destino dos homens que chegam à sabedoria. Os que são egoístas, não chegam. Então a dor do outro é um motivo para eu me comprometer mais. Eu vou procurar superar este problema por essa pessoa, ainda que seja só isso que eu posso fazer neste momento. Eu vou lutar contra esse problema, por essa pessoa, para que ela possa superá-lo com mais facilidade. Eu vou crescer por ela. Em nome dela, eu vou me tornar um ser melhor, para que eu possa puxá-la para cima , porque isso é um problema meu.
Tem uma passagem do taoísmo de Lao Tsé, que fala: “ O invejado tem culpa pela inveja que ele provoca, pela maneira como ele ostenta o seu êxito. Há homens que são vitoriosos e são como  uma pluma, não pensam, nem fere ninguém com sua vitória. “
O Invejado tem culpa pela maneira como ostenta sua vitória; ele fere os demais.
Os sábios de antigamente, a única coisa que agente sabe dizer deles é que eles existiram. Não eram cobertos de elogios, cumpriam com discrição o seu papel; por amor, por compaixão.

Vós não podereis separar o justo do injusto
e o bom do malvado,
porque ambos caminham juntos
diante da face do sol,
exatamente como os fios branco e negro
são tecidos juntos.
E, quando o fio negro se rompe,
o tecelão verifica todo o tecido
e examina também o tear.

Platão dizia na sua República, quando uma pessoa falha, antes de julgar, eles julgavam o mecanismo de governo que a regia, se não foi omisso. As pessoas precisam de governo por uma razão: porque não tem discernimento para governar a si própria.
Se ela têm um governo que não zela por elas não serve pra nada. Primeiro que tem de ser punido é ele.  Qualquer tipo de punição teria de ser proporcional ao nível de consciência que a pessoa tem.
Se ela está dentro de um nível de consciência que necessitava ser tutelada pelo Estado e o Estado foi omisso; a responsabilidade em 1º lugar é do Estado que deveria ser punido. Ela não teria como avaliar conscientemente as consequências de sua ação, o Estado teria e sabia que ela não tinha consciência pra isso e não a tutelou. É como uma mãe que deixa uma criança atravessar sozinha a rua. O tecelão não avaliaria só o fio que rompeu, ele avalia todos os fios, inclusive o tear.
O que aconteceu? Expôs a uma pressão excessiva de um fio tão frágil. Deveria ser um tear inteligente suficiente para trançar a trama e a urdidura não pondo tensão onde não pode. Se ele não faz isto, o tear falhou, e não só este fio. O fio é o que é. Deveria ter alguém com mais consciência que é o tecelão, que a examinasse a tensão que foi colocada neste fio. A responsabilidade é do todo e não só dele.

Se um dentre vós põe em julgamento
A esposa infiel, que pese também na balança
o coração de seu marido,
e lhe meça a alma com cuidado.
E aquele que deseja fustigar o ofensor,
que examina a alma do ofendido.
E se um dentre vós
pretende punir em nome da retidão
e derrubar as árvores do mal,
que observe as raízes da árvore e,
na verdade, verá as raízes do bem e do mal,
do frutífero e do estéril,
entrelaçadas no coração silencioso da terra.

Nós percebemos que o egoísmo é o tipo de violência velada, que faz com que o outro chegue psicologicamente numa situação limite. Muitas vezes o egoísmo coloca os seres humanos à beira do abismo e nós esperamos que bata uma brisa que empurre. Não julgamos quem leva os seres humanos à beira do abismo.
Vocês percebem que a sociedade conduz pra onde? Ouçam os sons a nossa volta, quantos deles apelam para o instinto inconscientemente. As músicas que vem do carro  que está parado ao teu lado, os outdoors que estão na rua, as propagandas nos jornais, cinema, teatro, tudo isto apelam para o quê? Incitam o tempo todo os instintos. Se uma pessoa está num padrão de controle da normalidade, talvez baixe um pouco a consciência naquele momento e depois recupera. E a pessoa que está lá embaixo? Se baixar mais um pouco, já caiu no crime; já caiu no ilícito. A mesma coisa que te baixou, te deixou momentaneamente instintivo, o outro, torna-o criminoso. E nós devemos saber  que existem essas pessoas e devemos zelar por elas. Não atiçar um animal que por si só  é selvagem; educá-lo. Dá a ele condição de autodomínio. Pra isto existe a civilização, a cultura. Cultos=cultivar. Trazer à tona o que o homem tem de melhor.
Pitágoras dizia aos seus discípulos: cada pessoa com quem você esteja, você traga à tona o que você tem de melhor; porque todos têm algo de luminoso dentro de si. E se você é luz, terá de trazer à tona o que tem de melhor, portanto você vai deixar um rastro de luz. Os Pitagóricos eram assim: por onde passavam deixavam um rastro de luz porque não falavam outra língua.
Olhem para trás e vejam o rastro que a gente deixa. Muitas vezes pra gente dá para contornar pelo menos por enquanto; baixa a nossa consciência e volta; e o outro?
Às vezes aquela atitude agressiva que eu tive no trânsito, dali a 10 minutos, eu controle.
E o outro, se era violento? Onde foi descarregar essa cólera? E eu não tenho participação nisso?  Há crianças naquilo que chamamos de homens adultos. Alguém precisa crescer para dar colo para a humanidade, pois estamos todos desconsolados. Muitas vezes somos crianças do ponto de vista moral e humano.

E vós, juízes que desejais ser justos,
que julgamento pronunciareis contra aquele que,
embora honesto na carne,
é ladrão no espírito?

Aquele que as circunstâncias beneficiaram, ele não manifestou o crime, mas o crime está fortemente enraizado na sua alma. Só deu sorte. Teve facilidades. As circunstâncias também não propiciaram que este crime se manifestasse. Como você vai julgar isso? Se você julga só porque deu o tiro, lembre-se de que você está julgando a pontaria, e não o crime.

E como processareis aquele que,
Impostor e opressor nas suas ações,
É também molestado e ultrajado?

Não é à toa que Platão dizia: “um médico, um bom médico, seria interessante que ele tivesse padecido de algumas enfermidades para ter um pouco de compaixão pelo seu paciente, para saber como resistir a dor e como se curar. Agora um juiz não pode ter padecido de doenças morais pois não terá a pureza e o requinte necessário para avaliar o ser humano, que é um ser complexo. Ele deve ter um mínimo de lucidez e de acerto.
Quem são os juízes da nossa sociedade? Quem atenderia a essa mínima condição platônica? Percebem que a gente pede condições técnicas e não morais em geral? Elementos intelectuais.
Não sabemos quem é o desequilibrado e quem não é. Não temos o mínimo de condição para julgar isto.

E como punireis aqueles cujos remorsos
Já são maiores que seus delitos?
Não é o remorso uma justiça aplicada
por esta mesma lei que desejais servir?
E, contudo, não podeis impor o remorso
ao coração do inocente,
nem retirá-lo do coração do culpado.
Espontaneamente, ele gritará na noite
para que os homens despertem e reconsiderem.

Percebem que o castigo não é vingança, é educação. A vingança é imoral. Santo Agostinho já dizia: ” a vingança é um tipo de ateísmo inconsciente.” Você acha que se não fizer alguma coisa, nada acontecerá.
E essa pessoa já se arrependeu profundamente? Ela própria já não aplicou a lei sobre si e corrigiu? Se é um infrator e não se arrepende, o fato de você coloca-lo recluso, vai fazer com que ele se eduque? A reclusão gera consciência por si só? Não.
E se uma pessoa que não foi reclusa, mas se arrependeu profundamente, a reclusão vai somar alguma coisa para ela? Também não.
Perecbem que necessitaríamos de um profundo conhecimento da natureza humana, que, às vezes, situações idênticas teria de ser aplicadas penas diferentes?
Quem está em condições de avaliar isto, numa sociedade onde os aparelhos cresceram tanto e os homens tão pouco.
As máquinas calculam a distância entre as galáxias e o homem não sabe dominar minimamente as suas emoções.

E vós, que desejais compreender a justiça,
como a compreendereis sem examinar
todas as ações na plenitude da luz?
Somente então sabereis que o ereto e o caído
São o mesmo homem, vagueando no crepúsculo
Entre a noite e o seu eu-pigmeu e o dia do seu Eu-Divino.

Como um juiz vai avaliar se ele não tem luz para iluminar a alma daquele ser; e ver o que aplicar, pois cada ser é diferente.
É como num procedimento homeopático. Entram duas pessoas num consultório de um homeopata com os mesmos sintomas, mas saem com medicamentos diferentes. A conjunção do teu sintoma com a tua vida, é diferente da conjunção do outro ser.
Um juiz deveria ser assim: requintado.
Analisar cada caso separadamente. Como? Sem luz? Aplicando cegamente leis formais...
Dentro do mesmo homem existe a possibilidade de estar ereto ou estar caído como um pigmeu. Isto pode se alternar ao longo da vida.
E em todos nós, em geral se alterna: dos infernos aos paraísos da consciência.
E como poderemos julgar se na média esse ser está se elevando, está se redimindo..se na média tem caído menos. Se não temos feito isto conosco. O processo de redenção é um acenóide que pelo menos é ascendente. Onde caímos menos, ou Mais brevemente, ou menos fundo. Como podemos dar exemplo? Lembrem do que Platão fala: a melhor coisa que fazemos para aqueles que amamos é dar exemplo. E o juiz necessariamente teria de amar àqueles que julga.
Você imagina um pai aplicar qualquer tipo de correção a um filho que ele não ama? Porque a correção é positiva e pode fazer a criança crescer? Porque é aplicada com amor e não com cólera. E não em cima de um livro frio de como se educa uma criança. Ela parte do coração. A justiça e o amor. O látino e o gancho de Osíris. O latino que pune e o gancho que atrai, juntos. Senão não haverá nenhuma efetividade.

E que a pedra angular do templo
não supera a pedra mais baixa de suas Fundações.

Porque em última instância são granito. A mesma estrutura molecular. Uma se tornou mais leve, se tornou um arco para que os homens transitem, mas em essência: o mesmo granito.


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