quinta-feira, 31 de outubro de 2019

MÚSICA : QUE PAÍS É ESSE?


Sobre essa música, disse Renato: “Aquela pergunta não é uma pergunta, é uma exclamação! Porque quem me diz que país é este são as pessoas que vivem aqui. A gente tem um material fabuloso a ser trabalhado aqui no Brasil. A gente percebe certas coisas: tem muita gente trabalhando, tem muita gente fazendo muita coisa boa. O Brasil é também um país de Primeiro Mundo. Aqui , num raio de dez quilômetros, vai ver quantas locadoras de vídeos têm. É Primeiro Mundo também! Agora, só para uma parte das pessoas.(1989)” Fala de Renato.
Uma música escrita em 1978 para o então Aborto Elétrico, primeira banda de Renato, só lançada em disco em 1987 no terceiro trabalho da Legião Urbana. Já no encarte a própria banda comenta as músicas demonstra que apesar de serem canções antigas, ainda são atualíssimas no atual cenário político-social: “as letras dessas nove canções refletem uma ingenuidade adolescente mas só por terem sido escritas há quase nove anos atrás. A temática continua atual, às vezes até demais”.
Exclamação ou pergunta, a pontuação é a mesma: uma reflexão sobre a situação do país. A irreverência está não só por ter sido composta em 1978, plena ditadura militar como, sobre tudo, na sua constante contemporaneidade, e ainda hoje, aproximando do fim da segunda década do século XXI, há muita sujeira para todos os lados da sociedade.
Postas numa mesma sentença, favela e Senado não se distinguem. No verso seguinte o motivo da semelhança “Sujeira pra todo lado”. Em dois extremos: o lugar de todo poder (aqui o Senado pode muito bem representar os três poderes) e o lugar de poder nenhum. Mas se acrescentarmos às favelas a figura de poder do traficante, onde ele quem faz e executa as leis, julga e condena, protege e violenta o povo, verificamos que essa comparação não é tão paradoxal. O lixo que povoa os dois lugares. Não há uma só “qualidade” de lixo. É o lixo moral, o lixo comercial, o lixo intelectual, enfim, lixo representando tudo aquilo que não presta. No verso seguinte, a canção sentencia: “Ninguém respeita a constituição”, nenhuma pessoa respeita a constituinte, a carta magna, o que regulamenta a nação. Nem mesmo os que criam e votam as leis muito menos àqueles que deveriam vivenciar tais leis. Até aqui a letra apresenta uma visão niilista da situação, está tudo um caos nos vários setores da sociedade. Contudo, no verso seguinte, há um operador “mas”, onde tudo o que fora dito primeiramente,   é ligado (ironicamente) por um argumento decisivo “todos acreditam no futuro da nação”. Por mais que as coisas estejam ruins, ainda há a esperança de que tudo vai ser melhor num futuro, que como propõe a contemporaneidade da canção, nunca chega. Altamente atemporal. Fico a questionar...até quando viveremos assim? Como se estivêssemos naturalizando a corrupção e tudo o que há de destrutivo na nação.
Nas favelas, no Senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
No Amazonas, no Araguaia
Na baixada fluminense
Mato Grosso, Minas Gerais
E no Nordeste tudo em paz
Na morte eu descanso
Mas o sangue anda solto
Manchando os papéis
Documentos fiéis
Ao descanso do patrão
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Terceiro mundo se for
Piada no exterior
Mas o Brasil vai ficar rico
Vamos faturar um milhão
Quando vendermos todas as almas
Dos nossos índios num leilão
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?


FILME : QUE HORAS ELA VOLTA?

É impossível assistir a “Que Horas ela volta” sem se questionar sobre a maneira com que tratamos as outras pessoas. Também não tem como não sentir na pele o tapa de luva que o filme carrega sobre os valores “normais” de uma sociedade que está habituada a ter alguém trabalhando para si, mas que na verdade despreza e humilha quem é socialmente menos favorecido.
Ambientado na zona sul de São Paulo, a trama se passa no Morumbi, bairro de classe média alta da cidade. Regina Casé é Val, uma empregada doméstica de Recife que mora há muitos anos na casa dos patrões. O casal tem um filho, mas é Val quem cria a criança. Interpretados por Karine Teles e Lourenço Mutarelli, os patrões são o estereótipo da elite paulistana: um artista que vive do transbordamento de sua conta bancária com algumas obras que conseguiu vender, e a esposa que é estilista consagrada. Pelo menos é o que entendemos quando, no início do filme, uma equipe de jornalistas vai até a casa dela para uma entrevista.
Val é considerada “quase da família”, mas dorme em um quartinho pequeno e mal ventilado, além de fazer as refeições em uma mesa separada na cozinha enquanto a família se alimenta na sala de jantar. A piscina da casa também é território proibido para a empregada, que só chegou perto do local quando o filho dos patrões era criança e precisava de supervisão para se divertir na água.
A atuação de Regina Casé está espetacular. Ela simplesmente mergulha na personagem e retrata com fidelidade o estereótipo de quem acredita que nasceu para cumprir ordens e se contenta com o que tem. Tudo isso é abalado com a chegada de Jéssica (Camila Márdila), a filha de Val que mora no Recife com a tia. A garota vem a São Paulo para estudar e prestar o vestibular em arquitetura. O choque começa quando ela descobre que a mãe mora na casa dos patrões e é ali que ela também vai ter que morar pelos próximos meses.
Jéssica é uma garota inteligente, questionadora. Percebe-se que ela tem críticas ao sistema e sobre a estratificação da sociedade furtivamente segregadora. Logo que pisa na casa, Jéssica logo conversa com os patrões de Val de igual para igual. O comportamento dela desperta interesse no personagem de Lourenço Mutarelli, e ali percebemos que haverá algum desconforto mais pra frente.
É Mutarelli quem dá algumas regalias para a garota, que já na primeira noite pega um livro emprestado para ler. Ela também consegue ficar no quarto de hóspedes, e não no quartinho de empregadas junto com a mãe. Sabendo do interesse da garota pela arquitetura, ele a convida para conhecer o Copan, prédio famoso e turístico da capital desenhado por Oscar Niemeyer.
Ao longo dias, a aproximação entre os dois vai ficando evidente, mas o interesse dele nela nunca é correspondido por Jéssica, que está realmente achando tudo normal, pois está acostumada a uma situação em que o tratamento entre as pessoas não se limita a sua condição social.
As faíscas entre Jéssica e Val vão aumentando quando a garota se incomoda com o fato de a mãe ter se acomodado com a situação de empregada em que vive, e aceitar o fato de ter que almoçar na cozinha “de bico calado”.
A personagem de Karine Teles começa a desaprovar a maneira com que Jéssica se sente tão à vontade na casa e pede para que Val “a mantenha da cozinha para lá”, restringindo assim o acesso da filha aos cômodos comuns da casa e deixando-a apenas na área de empregados. Certo dia, a garota acaba caindo na piscina acidentalmente enquanto o filho do casal está lá se divertindo com alguns amigos. O garoto e até chega a convidá-la para entrar na água com eles, mas ela sabe que não pode e não vai. Pouco depois, numa brincadeira, ela acaba caindo.
A patroa vê Jéssica na água e ordena a Val que a garota saia da piscina imediatamente. No dia seguinte pede para a água seja trocada e inventa que “um rato caiu na água”, apenas para mascarar o sentimento mesquinho elitista e a sensação de sentir que água está “contaminada” só porque a “filha da empregada” esteve ali.
A personagem de Karine, aliás, tem o papel de evidenciar esse sentimento em diversas cenas do filme. Ela trata Val com carinhos seletivos e frases como “imagina, você é da família”, mas na verdade o que ela faz é mostrar quem manda e quem obedece na casa. Tudo ali vira gratidão, e nos faz pensar sobre tudo aquilo que fazemos diariamente e por que fazemos assim, afinal.
O filho do casal é alheio a esse sentimento. Como foi praticamente criado por Val, ele tem um carinho muito grande pela empregada e não a trata como serviçal, mas com sincero e verdadeiro carinho como se ela fosse sua mãe. Na verdade, tendemos a pensar até que ele não vê o que os pais fazem com a empregada e até mesmo que ele não conhece os pais de verdade. Esse ponto do filme traduz com certa brutalidade a geração de filhos que são criados pelas empregadas e mal veem os pais durante os dias, ou que quando veem, não prestam atenção porque existem celulares, televisão e qualquer outro artifício que mascare a realidade e permita que se crie uma realidade paralela à que se vive.
Em idade escolar, ele também vai prestar vestibular. A família realmente crê que ele tem tudo para ser bem colocado na prova, pois estudou em escola privada — considerada boa — durante toda a vida. Eles até chegam a ver Jéssica como pretensiosa por querer estudar na USP (Universidade de São Paulo) ser pobre e vir de escola pública. O abalo na estrutura “comercial de margarina” da família rica perfeita se dá quando Jéssica passa na primeira fase do vestibular e o filho deles não.
A grande mensagem do filme vem no seu final, quando descobrimos que Jéssica deixou um filho pequeno em Recife para tentar a vida em São Paulo numa boa Universidade. Vemos aqui a filha fazendo exatamente o que a mãe fez com ela quando criança, pois Val também vai para São Paulo em busca de um emprego para o menos garantir que Jéssica conseguisse ter uma vida normal, embora sem luxos.
Val se comove com a situação e ouve os lamentos da filha de que a maneira que ela vive na casa dos patrões não pode se considerada normal ou agradável. Jéssica então sai da casa deles e vai para outro lugar que não sabemos claramente onde é. Depois disso, Val, que sempre amou sua filha, mas não pôde ficar perto dela como queria, resolve alugar uma casa na periferia da cidade, mas que agora garanta que elas vivam juntas e próximas. Val ainda pede que ela traga o filho para que ele não tenha de passar pelo que elas passaram e fique perto da mãe.
Um filme com várias questões sociais para serem refletidas. Lindooo filme. Vale à pena assistir.




ENTREVISTA DE EDUARDO MARINHO - JOVEM PAN



Só Eduardo Marinho para fazer com que eu assistisse o Pânico!!!  Para mim ficou muito claro a representação da sociedade entre os entrevistadores – sociedade hipócrita, preconceituosa, elitista e cheia de rótulos...Infelizmente!!!

Entrevista começa aos 30 ‘ mais ou menos.

Percebemos que em alguns momentos tentaram desestabilizar Eduardo, mas não conseguiram, pois quem tem consciência do seu lugar de fala, ou seja, quem tem argumentos verdadeiros, jamais se deixará abater por quaisquer tipos de questionamentos .

Eduardo tem o seu jeito próprio de ser e de encarar a vida. Com muita sabedoria e coragem saiu da matrix há anossss.
Quando tentaram rotulá-lo  de hippie, ele respondeu:

Eu aprendi muitas coisas com os hippies. Eu não me sentia hippie. Eu me sinto uma pessoa. Talvez eu seja um cara não competitivo, muito mais cooperativo, sem ambições. Eu só quero o que preciso da vida; nada mais do que  isto.”



Ao falar sobre desigualdade social, adverte: “A coerência de direitos se origina no desejo de privilégio. A sociedade junta privilégios num cantinho para um punhado  e para isto precisa roubar os direitos de uma grande maioria que está à serviço deste punhado.”



Mais adiante, querem mais uma vez classificá-lo de anarquista e ele retruca:

Anárquica com certeza minha vida é. Quando eu tinha 18 anos, resolvi que a minha vida não iria ter duas coisas: patrão e empregado. Chefe e chefiado. Superior e subordinado.”



Sobre as estruturas hierárquicas das religiões, reflete:

Eu não lido com religiões. Eu trato com espiritualidade, porque as religiões elas cometem para mim o equívoco de explicar o inexplicável; conceber o inconcebível e alcançar o inalcançável e por sobre ameaça. Acho que o ser humano não tem condições de estar em contato com o Ser Supremo do Universo. Ele nem conhece o Universo.”



Quando trata sobre o tema da espiritualidade, ele arrasa:

No templo todo mundo é santo. A espiritualidade de uma pessoa está na conduta dela no meio das outras pessoas: no mercado, na rua...como ela trata as pessoas.. É uma pessoa compreensiva, tolerante, serena, calma, respeitadora... então tem alta espiritualidade!

É uma pessoa agressiva, intolerante, cheia de verdade, pronta para acusar, para apontar o dedo, para cobrar? Baixa espiritualidade. Não me importa no que ela acredita, o que me importa é o que ela faz.”



Um dos entrevistadores comentou que Eduardo parece que toma Santo Daime e ainda declara que ele (o entrevistado) tem vários conflitos com a sociedade. Com bastante propriedade e sabedoria, Eduardo responde:

Eu diria que a sociedade é quem tem conflito comigo (...) Eu conheço a mentalidade convencional. Eu sei que ela não tem condições de me respeitar porque eu não carrego sinais sociais que merecem respeito e nem eu quero esse respeito.Eu tive um medo muito grande de ter uma vida sem sentido. Um medo maior do que o medo de morrer, maior do que o medo de ficar na miséria”, desabafou, apesar de reconhecer de que tinha uma vida boa com a família.  Quando eu vivia o filho do coronel que ia para os clubes, eu era muito bem tratado, mas era um tratamento falso. Eu sentia que era tudo cênico. Eu queria sinceridade e não encontrava .Eu vim encontrar sinceridade na mendicância, pedindo o que comer. Aí ninguém fingia para mim. As pessoas que sorriam para mim só olhava com desprezo.”
Prefiro mil vezes um pé na bunda com sinceridade do que um sorriso falso.”

Com bastante coerência , Eduardo afirma que o governo comete um crime ao deixar pessoas desabrigadas. “O Estado comete crimes contra a maioria da população desde que foi criado. Desde que vi o Estado como organização criminosa, os valores sociais caíram para mim”, disse. Ele também criticou as escolas e os sistemas de ensino. “O modelo de ensino tentou me fazer um competidor implacável e não um ser humano para viver em comunidade.”

O que nos encanta é que o entrevistador tentou humanizar o grupo. Sempreeee aprendoooo muitoooo com a sabedoria de EDUARDO!!!! Vida longaaa pra você!!!!

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

BIOGRAFIA DE MANOEL DE BARROS



“Há várias maneiras sérias de não dizer nada
mas só a poesia é verdadeira”
Foi com esse trecho de um poema que o diretor Pedro Cezar decidiu abrir o documentário Só Dez por Cento é Mentira, que homenageia e conta a trajetória do poeta-passarinho Manoel de Barros.
O homem que trouxe o mundo dos caramujos, folhas e gravetos para o imaginário de milhões de leitores ainda é um dos poetas mais lidos nacionalmente. É que não dá para ficar indiferente frente ao tão rico idioleto manoelês (definido por ele como a língua dos bocós e dos idiotas). A profunda simplicidade de sua escrita comove olhos e corações por onde pousa.
Essa simplicidade, que não deve ser confundida com simplismo, não era só aparência. Para construir seu universo literário, Manoel utilizava-se apenas de lápis e bloquinhos de papel que ele mesmo fabricava. Parece até coisa herdada de seu quase homônimo passeriforme da família Furnariidae, que só precisa de barro fresco para erigir seu castelo.
Manoel chamava seu escritório, um cubículo 3×4 situado no segundo andar de sua casa em Campo Grande, MS, de “lugar de ser inútil”. Lá escrevia as coisas mais grandiosas em tons apequenados, captados pela caligrafia tremida e irregular.
Não se veem páginas oficiais no facebook ou sites, apenas homenagens à sua vida e trabalho. É assim que sua poesia resiste, em silêncio tranquilo feito corredeira de rio no meio do mato.
Sua catapulta para o sucesso literário veio através de Millôr Fernandes, quando Manoel já contava já com 70 anos. Dez anos depois, já era premiado e gozava de imensa fertilidade imaginativa, além de ser o autor brasileiro com maior vendagem no estilo poesia.
Passou boa parte da vida trabalhando em empregos que não gostava. Só depois de dez anos trabalhando duro na fazenda Santa Cruz, no Pantanal, herdada do pai, é que Manoel conseguiu fazê-la dar lucro, permitindo que ele então se tornasse num, em suas palavras, vagabundo profissional após comprar seu próprio ócio.
Seu desejo era sair do lugar comum, de transmutar as coisas que via e ouvia. Quando criança, era também inventor. Não no sentido ortodoxo e pragmático do termo. Suas invenções, resgatadas pelo escritor-inventor já adulto, incluem coisas como o abridor de amanhecer e o esticador de horizontes, batizados por ele de inutensílios. “A Invenção é um negócio profundo… Invenção é uma coisa que serve pra aumentar o mundo, sabe?”, disse diante da câmera do diretor Pedro Cezar.
Ainda na infância, quando era interno no colégio marista, trocou os romances de cavalaria e aventuras pelos Sermões de Padre Antonio Vieira que exerceu grande influência na sua imaginação já mirabolante
Era também fã declarado de Charles Chaplin e da figura do desheroi. Se dizia influenciado pelo diretor e comediante inglês, que usava figuras marginais e inocentes para falar de temas importantes, como escreveu em um de seus poemas: São Francisco monumentou as aves/Vieira, os peixes/Shakespeare, o Amor, A Dúvida, os tolos/Charles Chaplin monumentou os vagabundos.
UM POETA QUE ENSINA A SER POETA

Quando jovem, o escritor, apresentador e torcedor colorado Fabrício Carpinejar foi cativado pela poesia de Manoel de Barros. O primeiro contato com a obra dele foi com o livro A Gramática Expositiva do Chão, quando tinha 16 anos de idade. Ali Fabrício percebeu uma soberba de ensinamentos. A seu ver, Manoel é “um poeta que ensina a ser poeta, como Quintana foi”.
Mais tarde, escolheu Manoel como tema da sua dissertação de mestrado, batizada com o sugestivo nome de Teologia do Traste. Nela, compara com rigor acadêmico a escrita manoelesca com a de João Cabral de Melo Neto.
Fabrício contou que sua mãe enviava livros para Manoel e que ele também começou a enviar cartas para a residência da família Barros, com quem se comunicou assim por um tempo até que, em 2005, teve a oportunidade de ficar cara a cara com ele.
O conteúdo da conversa ele resume bem: futilidades. “A poesia se engrandece de futilidades”, justificou o gaúcho. A primeira impressão que teve ao chegar à casa de Manoel e Stella, a esposa com quem foi casado até o fim e com quem teve três filhos (dois deles falecidos antes de Manoel) foi acolhimento.
Em suas considerações literárias, Carpinejar defende que Manoel foi mais discípulo do poeta e diplomata brasileiro Raul Bopp, cujo livro Cobra Norato figura entre as obras mais importantes do Movimento Antropofágico, do que de Guimarães Rosa.
Aos olhos entendidos e líricos de Carpinejar, Manoel de Barros não possui uma poética, mas sim uma teologia do abandono. “Toda a sua poética é feita como almanaque. Um almanaque para deixar de ser”, argumentou. Por suas histórias sensíveis e minimalistas, é lugar comum acreditar que Manoel construa sua obra tendo a intuição como pilar de sustentação. Fabrício acha esse tipo de pensamento um tanto equivocado, já que Manoel seria um autor culto, esclarecido e estudado. Em outras palavras: alguém que sabe exatamente o que está fazendo.
“Seus personagens é que são intuitivos. Confundem ele com seus personagens”, disse.
Durante nossa conversa por telefone, percebo algo curioso: Fabrício fala de Manoel de Barros sempre no presente, como se ele continuasse vivo, palpitante. Mesmo curioso, decido por não perguntar sobre isso, para que assim ele permaneça um pouco mais entre nossos silêncios.
Para Marcelo Maluf, autor do livro A Imensidão Íntima dos Carneiros, Finalista do Prêmio Jabuti, 2016 e vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura, 2016, “Manoel de Barros é daqueles autores que têm a capacidade de invadir o nosso inconsciente. E remexer as coisas que deixamos nos sonhos. Toda vez que leio os seus poemas tenha a sensação de que algo que mora ali nos poemas, mas que não está nas palavras se grudou em mim e começou a brincar. Manoel de Barros só pode ser digerido assim, de alma para alma”.
DE PAI PARA FILHA
A guardiã de sua obra é a filha e artista plástica Martha Barros, de 66 anos, que é bibliotecária de formação. É sabido que Manoel só aceitava dar entrevistas por escrito, para que a voz não o traísse em seus deslizes sonoros. Martha também aceitou dar entrevista à CONTI outra mediante a condição de que ela fosse feita assim, por escrito.
“No caso dele,  penso que era porque tinha uma prosa linda e era sua arte escrever. Além do mais, respondia o que queria e como queria… Isso era engraçado. No meu caso é  por cuidado mesmo com as palavras, coisa que aprendi com ele”, esclareceu.
Segundo a imaginação lírico-afetiva de Carpinejar, o apreço de Manoel pela palavra no papel em suas respostas é porque ele “gostava da palavra como lagartixa gosta de parede”. Ou seja, grudada no papel.
Martha definiu o pai como um amigo e incentivador de seu trabalho. Tinham uma relação intensa devido às afinidades que tinham. Ambos aprenderam a amar a exuberância do Pantanal e conviveram com ela na infância e passaram suas juventudes no Rio de Janeiro e isso, segundo ela, se reflete no trabalho dos dois através do que chamou de “lembranças híbridas de dois lugares onde a natureza predomina com exuberância, ainda que de formas muito distintas”.

Uma das maneiras mais comuns do Pantanal se apresentar no texto de Manoel não é na forma de animais e paisagens, mas na imagem de um personagem que teve enorme influência na sua forma de enxergar o mundo: o Bernardo.
Bernardo é quase uma figura mitológica, situado no folclore íntimo do poeta. Sujeito de baixa estatura e de pouca fala, era seu maior companheiro, enraizado no Pantanal, como os sonhos e memórias que serviram de supra-sumo para a poesia de Manoel. Uma das coisas que Bernardo mais sabia fazer era reproduzir o som dos navios que chegavam em Corumbá, região onde fica a fazenda da família Barros.
É ele que está imortalizado em poemas como este: Bernardo é quase árvore/Silêncio dele é tão alto que os passarinhos ouvem de longe/E vêm pousar em seu ombro.
“Conheci muito e de perto o Bernardo. Fez parte de minha infância e juventude”, relembra Martha. “Tinha deficiência auditiva e era quase mudo. Mas sabia tudo da natureza. Falava com os olhos. Era um homem inocente e cheio de bondade. Creio que o próprio poeta tratou de perpetuar essa amizade entre os dois, através de suas poesias.”
Bernardo Puhler, que atende pelo nome artístico Bernardo do Espinhaço, partilha das atenções dadas à natureza pelo autor de Menino do Mato. Contrapondo o predominante Guimarães Rosa do álbum O Alumbramento de Um Guará Negro numa Noite Escura (2014), Manoel de Barros é “o mestre de indução literária” do seu segundo trabalho, Manhã Sã, lançado em 2015.
“Há uma evidente aproximação entre seu discurso obcecado pela simplicidade e a natureza solar das canções que ali estão. Entre elas está Tardeando, que é dedicada a este poeta e narra imaginário encontro com o mesmo em uma paisagem pitoresca do Espinhaço. Outra curiosidade que me entrelaça à obra de Barros é a coincidência do nome com seu irmão [sic] Bernardo, um dos protagonistas mais recorrentes em seus livros. Frequentemente pessoas me abordam com tais poemas identificando a curiosidade do nome com o interesse pelas paisagens e pela vida natural.”
Martha Barros tem o vício da pintura desde criança. Começou a expor profissionalmente na década de 1970 e sempre contou com o apoio do pai. Quando pergunto sobre os momentos mais marcantes, menciona as pequenas angústias de uma alma gigante e os grandes prazeres de momentos miúdos.
“Tenho lembranças fortes e bonitas de toda uma vida. Quando ele ia receber homenagens e prêmios, ficava tão nervoso que no dia seguinte precisava deitar. Dizia que era descarrego… Da infância, é inesquecível como gostava de juntar toda criançada, netos e meninos da fazenda para conversar e descascar laranja. Achava graça nas brincadeiras e no apetite das crianças!”
Quando Manoel faleceu em 2014, aos 97 anos, Martha e Stella receberam mensagens de fãs dos quatro cantos. “Foi uma enxurrada de amor e carinho de toda parte! E também o que me deu força para administrar uma obra tão importante! Ele deixou tudo organizado, foi generoso até o fim”, afirmou Martha, que também ponderou sobre as lições que recebeu do pai: “Aprendi muita coisa boa! E sempre que tenho situações difíceis para resolver lembro dele. Sua humildade para reconhecer os erros, voltar atrás e pedir desculpas me comovia. Essa atitude nos humaniza e nos redime de culpas. É sábia e linda.”
Em 2016 foi editada a Antologia Meu quintal é maior do que o mundo e Martha agora cuida da reedição dos livros de poesia de Manoel de Barros pela editora Alfaguara. “Cada volume contém não apenas prefácios novos, mas também fotos pessoais, documentos inéditos ou cartas de amigos e admiradores. Um primor!”, revelou com entusiasmo.
Talvez Fabrício Carpinejar esteja certo, afinal. Manoel continua entre nós.
Revista Conti

LIVRO DE CRÔNICA: AMIZADE É TAMBÉM AMOR - CARPINEJAR

         

Ganhei este livro  de uma grande amiga, Fatinha. Como sabem, adoro ter amigos  bons e verdadeiros. Carpinejar tem uma literatura leve, humorada  e para aqueles que gostam de leitura,  "Amizade é Também Amor" nos faz sorrir e entristecer, nos emociona e nos conquista. São 122  crônicas. O livro não retrata apenas a amizade, mas vários outros temas, como: 
Cuidar das relações também é autocuidado, pois as relações afetam e muito as nossas vivências. 
A primeira crônica nos faz perceber que ser feliz é pura simplicidade. " No meu primeiro apartamento, formei as minhas estantes de tijolos e tábuas colhidas na rua, e eu era feliz.
Tinha dois bancos feitos de engradados jogados fora por um bar, de corados com almofadas coloridas, e era feliz.(...)Sobreviver me transbordava de humor. Sempre dava um jeito, não perdia tempo reclamando, ia me adaptando. Ria de meus problemaspara não os fazer importantes. A verdade é que a pobreza nunca me roubou a fellicidade." Pág 11

Já a crônica "estranho equilíbrio" ele dá sua definição sobre amizade : "Amigo não cobra coerência, não fica em cima cutucando feridas. É saber de tudo e agir como se não soubesse de nada. É não ficar apontando o que é certo ou errado. Amizade é difícil. Amizade é um estranho equilíbrio. Mas amizade não é cegueira. É a arte de enxergar com os ouvdos." pág 16

Ainda falando sobre amigos, "a paz dos defeitos" ele conclui: " Amigo é o que fica depois da ressaca. É glicose no sangue. A serenidade. A paz de não esconder os defeitos". pág 20.  E isto é fundamental!!

No "Bom dia alegria" ele explica as atitudes de alguns amigos e o autor   colocou em palavras o que minha mente queria entender e que meu coração queria dizer. Nela ele expressa : 
"Meus amigos estudam a si mesmos, para as provas dos relacionamentos. Reservam um momento para examinar seus atos. Não somente põem a mão na consciência, lavam as mãos na consciência.


Essencialmente sadios porque conservam este sentimento reflexivo guardado. Já perderam alguém importante, já enterraram um familiar, já sobreviveram a romances errados. Não foram sempre felizes, descobriram que a felicidade acaba e se transforma em esperança.
Persevera neles uma honestidade da imperfeição que resulta nos conselhos mais ajuizados.
Meus amigos não experimentaram uma infância idealizada, cresceram entre encrencas familiares e não se fizeram de vítima. Não namoraram o menino e a menina mais famosos da escola, não há glórias unânimes no passado, sofreram bullying e não se diminuíram.
Doces porque deram espaço para amargura. Cumprimentam com ternura, abraçam com cuidado, mantêm um pouco da fragilidade de vidro na pele. São meus soldados com cicatrizes das batalhas no corpo. Não aplacaram essa sensação miúda de desencanto e humildade. É como assobiar sem querer, ou suspirar fundo sem motivo. Não acreditam no sucesso e no fracasso, ambos sinônimos da farsa."

Coloquei  apenas uma pequena amostra para que  instiguem  outros a ler Carpinejar.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

POEMA TIBETANO


















"Deus dorme em cada pedra.
Desperta em cada planta.
Move-se em cada animal.
Pensa em cada homem e
Ama em cada anjo.
Daí concluímos que devemos
tratar cada planta
como um animal querido.
Cada animal querido como um
ser humano, e todo ser humano
como Deus, pois nele vive
a centelha divina."
(((Poema Tibetano)))
Namastê

POEMA: PROMESSAS DE UM MUNDO NOVO - THICH NHAT HANH

Prometa-me Prometa-me neste dia Prometa-me agora Enquanto o sol está sobre nossas cabeças Exatamente no zênite Prometa-me: Mesmo que eles Ac...