segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

BIOGRAFIA DE CLARICE LISPECTOR





 Muitas pessoas já me caracterizaram como louco", escreveu certa vez Edgar Allan Poe (1809-1849). "Resta saber se a loucura não representa, talvez, a forma mais elevada de inteligência." Nessa sua suspeita de que genialidade e loucura talvez estejam intimamente entrelaçadas, o escritor americano não estava sozinho. Muito antes, Platão mostrara acreditar em uma espécie de "loucura divina" como base fundamental de toda criatividade.

Uma lista interminável de artistas célebres, parte deles portadores de graves transtornos psíquicos, parece confirmar o ponto de vista do filósofo grego. Clarice em suas obras incluiu muitos tramas psicológicos sofrendo esta também de alguns no seu dia a dia . Depois de sofrer queimaduras graves no braço e na mão, por ter dormido com um cigarro aceso, Clarice desenvolveu depressão. Ela também teve depressão pós-parto com o nascimento de seu filho Pedro, que viria a desenvolver esquizofrenia.



Nascida numa família judaica, Haya Pinkhasovna Lispector (seu nome original),  foi a terceira filha de Pinkhas Lispector e de Mania Krimgold Lispector. Nasceu na cidade de Chechelnyk, em 10 de dezembro de 1920, enquanto seus pais percorriam várias aldeias da Ucrânia, fugindo da perseguição aos judeus durante a Guerra Civil Russa de 1918-1920. Chegou ao Brasil quando tinha um ano e dois meses de idade

A família chegou a Maceió em março de 1926, sendo recebida por Zaina, irmã de Mania, e seu marido e também primo, José Rabin. Por iniciativa do pai, todos mudaram de nome, apenas externamente, pois continuaram com seus nomes nos registros de nascimento. Tânia, sua irmã, continuou com seu nome tanto nos documentos quanto usando normalmente, pois seu nome era comum no Brasil. O pai passou a se chamar Pedro; Mania, Marieta; e Haya, Clarice. Pedro passou a trabalhar na época com Rabin, já um próspero comerciante. Com dificuldades de relacionamento com Rabin e sua família, Pedro decide mudar-se para o Recife, em 1930, centro urbano mais importante da Região Nordeste.


A jovem Clarice Lispector

Clarice Lispector começou a escrever logo que aprendeu a ler, na cidade de Recife, onde passou parte da infância no bairro de Boa Vista. Estudou no Ginásio Pernambucano de 1932 a 1934. Falava vários idiomas: aprendeu a ler e escrever em português, francês e o inglês. Cresceu ouvindo no âmbito domiciliar o idioma materno, o iídiche, primeiro idioma que começou a falar.

Sua mãe morreu em 21 de setembro de 1930, quando Clarice tinha apenas nove anos, após vários anos sofrendo com as consequências de uma doença não especificada. Clarice sofreu muito com a morte da mãe, vendo-a definhar de dor na cama, pouco a pouco, e muitos de seus textos refletem a culpa que a autora sentia em não poder fazer nada para ajudá-la. Ela também desenhava figuras de milagres que salvariam sua mãe da morte.

Quando tinha quinze anos, seu pai decidiu se mudar para a Cidade do Rio de Janeiro. Sua irmã Elisa conseguiu um emprego no ministério, por intervenção do então ministro Agamenon Magalhães, enquanto seu pai teve dificuldades em achar uma oportunidade na capital. Clarice estudou em uma escola primária na Tijuca até ir para o curso preparatório para a Faculdade de Direito. Foi aceita para a Escola de Direito na então Universidade do Brasil em 1939, atual Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Se viu frustrada com muitas das teorias ensinadas no curso. Percebendo não ser a profissão de advogada a que queria para sua vida, descobriu um escape: a literatura. Sempre gostou de criar poemas e escreves histórias, e pensou em fazer disto uma profissão, matriculando-se em uma universidade particular de Literatura. Em 25 de maio de 1940, com apenas 19 anos, publicou seu primeiro conto, Triunfo, na Revista Pan, de propriedade do editor José Scortecci.




Três anos depois, após ter passado mal, seu pai fora encaminhado para realizar uma cirurgia simples para a retirada de vesícula biliar, mas morre durante o procedimento, devido a complicações. As filhas ficam arrasadas com as circunstâncias da morte tão inesperada, e, como consequência, Clarice se afasta da religião judaica.

Clarice chama a atenção da crítica nacional com seu conto Eu e Jimmy, escrito junto de Lourival Fontes, então chefe do Departamento de Imprensa e Propaganda (órgão responsável pela censura no Estado Novo de Getúlio Vargas), e é alocada para fazer um estágio e trabalhar na Agência Nacional, responsável por distribuir notícias aos jornais e emissoras de rádio da época. Lá conheceu o escritor Lúcio Cardoso, por quem se apaixonou, chegando a se declarar para ele. Mas não foi correspondida, já que Lúcio era homossexual. Apesar disto, tornaram-se melhores amigos íntimos.




Clarice e o marido Maury Gurgel

Em 1943, no mesmo ano de sua formatura em Literatura, foi viver junto com seu noivo – a quem conheceu na universidade – chamado Maury Gurgel Valente, futuro pai de seus dois filhos. Maury foi aprovado no concurso de admissão na carreira diplomática, e passou a fazer parte do quadro do Ministério das Relações Exteriores. Em sua primeira viagem como esposa de diplomata, Clarice morou na Itália onde serviu durante a Segunda Guerra Mundial como assistente voluntária junto ao corpo de enfermagem da Força Expedicionária Brasileira. Também morou em países como Inglaterra, Estados Unidos e Suíça, países para onde Maury foi escalado. Apesar disso, sempre falou em suas cartas a amigos e irmãs como sentia falta do Brasil.

Em 10 de agosto de 1948, nasce em Berna, Suíça, o seu primeiro filho, Pedro Lispector Valente. Em 10 de fevereiro de 1953, nasce Paulo Lispector Valente, o segundo filho de Clarice e Maury, em Washington, nos Estados Unidos.





Clarice e os filhos Pedro e Paulo

Quando criança, seu filho mais velho, Pedro, se destacava por sua facilidade de aprendizado e bom comportamento, porém, na adolescência, sua falta de atenção nos estudos e extrema ansiedade acompanhada de agitação consigo mesmo e com a família, foram diagnosticadas como esquizofrenia. Clarice se sentia culpada, sem saber o porque, pela doença mental do filho, e teve dificuldades para lidar com a situação, recorrendo a psicólogos, psiquiatras e internações, pois o menino era muito agressivo.

Em 1959 se separou do marido, devido ao fato dele estar sempre viajando a trabalho, exigindo que ela o acompanhasse todo o tempo. Não querendo abrir mão de sua carreira, querendo cuidar do filho esquizofrênico em um local fixo, sem viagens constantes, que deixavam o menino mais nervoso, preocupada com as constantes mudanças de escola do outro filho, que não estava fazendo amizades e cansada das desconfianças e ciúmes do marido, deu um fim na relação. O ex-marido ficou na Europa, e Clarice voltou a viver permanentemente no Rio de Janeiro com seus filhos, indo morar com eles em um apartamento no Leme. No mesmo ano assina a coluna Correio feminino – Feira de Utilidades, no jornal carioca Correio da Manhã, sob o pseudônimo de Helen Palmer. No ano seguinte, assume a coluna Só para mulheres, do Diário da Noite, como ghost-writer da atriz Ilka Soares.

Sem querer, provocou um incêndio ao dormir e esquecer seu cigarro acesso, em 14 de setembro de 1966. Seu quarto fica destruído e a escritora é hospitalizada entre a vida e a morte por três dias. Sua mão direita é quase amputada devido aos ferimentos, e, depois de passado o risco de morte, ainda fica hospitalizada por dois meses. Clarice começou a fumar e beber ainda na adolescência, enquanto compunha seus poemas.



Em 1975 foi convidada a participar do Primeiro Congresso Mundial de Bruxaria, em Cali na Colômbia. Fez uma pequena apresentação na conferência, e falou do seu conto O ovo e a Galinha, que depois de traduzido para o espanhol fez sucesso entre os participantes. Ao voltar ao Brasil, a viagem de Clarice ganhou ares mitológicos, com jornalistas descrevendo (falsas) aparições da autora vestida de preto e coberta de amuletos. Porém, a imagem se formou, dando a Clarice o título de “a grande bruxa da literatura brasileira”.

Foi hospitalizada pouco tempo depois da publicação do romance A Hora da Estrela com câncer no ovário. O diagnóstico era desconhecido por ela, já que mesmo fazendo exames anuais como toda mulher, este câncer fora detectado já avançado. Mas mesmo que fosse descoberto no começo, não teria como salvá-la: seu câncer era inoperável.

A doença se espalhou por todo seu organismo, e internada, faleceu em 9 de dezembro de 1977, um dia antes de seu 57° aniversário. Foi enterrada no Cemitério Israelita do Caju, no Rio de Janeiro, em 11 de dezembro. Até a manhã de seu falecimento, mesmo sob sedativos, Clarice ainda ditava frases para sua melhor amiga, Olga Borelli, que esteve sempre ao seu lado, desde a juventude.

Durante toda a sua vida, Clarice teve diversos amigos de destaque como Fernando Sabino, Lúcio Cardoso, Rubem Braga, San Tiago Dantas e Samuel Wainer, entre diversos outros escritores e personalidades.




A síntese perfeita

“Sou tão misteriosa que não me entendo.”





“Ler ou reler você é sempre uma operação feliz: descobrem-se coisas, aprimora-se o conhecimento das descobertas. Senti isto percorrendo De corpo inteiro e Visão do esplendor. Obrigado, amiga!”

- Carlos Drummond de Andrade (poeta).

"Ela se deixava conduzir por uma espécie de compulsiva intuição. Era o seu tanto adivinha. Ninguém passa por ela impune. Ela liga e religa o mistério da vida e o religioso silêncio da morte. Clarice é uma aventura espiritual."

- Otto Lara Resende




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