Muitas pessoas já me
caracterizaram como louco", escreveu certa vez Edgar Allan Poe
(1809-1849). "Resta saber se a loucura não representa, talvez, a forma
mais elevada de inteligência." Nessa sua suspeita de que genialidade e
loucura talvez estejam intimamente entrelaçadas, o escritor americano não
estava sozinho. Muito antes, Platão mostrara acreditar em uma espécie de
"loucura divina" como base fundamental de toda criatividade.
Uma lista interminável de artistas célebres, parte deles portadores de graves transtornos psíquicos, parece confirmar o ponto de vista do filósofo grego. Clarice em suas obras incluiu muitos tramas psicológicos sofrendo esta também de alguns no seu dia a dia . Depois de sofrer queimaduras graves no braço e na mão, por ter dormido com um cigarro aceso, Clarice desenvolveu depressão. Ela também teve depressão pós-parto com o nascimento de seu filho Pedro, que viria a desenvolver esquizofrenia.
Nascida numa família judaica, Haya Pinkhasovna Lispector (seu nome
original), foi a terceira filha de Pinkhas Lispector e de Mania Krimgold
Lispector. Nasceu na cidade de Chechelnyk, em 10 de dezembro de 1920,
enquanto seus pais percorriam várias aldeias da Ucrânia, fugindo da
perseguição aos judeus durante a Guerra Civil Russa de 1918-1920. Chegou ao
Brasil quando tinha um ano e dois meses de idade
A família chegou a Maceió em março de 1926, sendo recebida por Zaina,
irmã de Mania, e seu marido e também primo, José Rabin. Por iniciativa do pai,
todos mudaram de nome, apenas externamente, pois continuaram com seus nomes nos
registros de nascimento. Tânia, sua irmã, continuou com seu nome tanto nos
documentos quanto usando normalmente, pois seu nome era comum no Brasil. O pai
passou a se chamar Pedro; Mania, Marieta; e Haya, Clarice. Pedro passou
a trabalhar na época com Rabin, já um próspero comerciante. Com dificuldades de
relacionamento com Rabin e sua família, Pedro decide mudar-se para o Recife, em
1930, centro urbano mais importante da Região Nordeste.
A jovem Clarice Lispector
Clarice Lispector começou a escrever
logo que aprendeu a ler, na cidade de Recife, onde passou parte da infância no
bairro de Boa Vista. Estudou no Ginásio Pernambucano de 1932 a 1934. Falava
vários idiomas: aprendeu a ler e escrever em português, francês e o inglês.
Cresceu ouvindo no âmbito domiciliar o idioma materno, o iídiche, primeiro
idioma que começou a falar.
Sua mãe morreu em 21 de setembro de 1930, quando Clarice tinha apenas
nove anos, após vários anos sofrendo com as consequências de uma doença não
especificada. Clarice sofreu muito com a morte da mãe, vendo-a definhar de dor
na cama, pouco a pouco, e muitos de seus textos refletem a culpa que a autora
sentia em não poder fazer nada para ajudá-la. Ela também desenhava figuras de
milagres que salvariam sua mãe da morte.
Quando tinha quinze anos, seu pai decidiu se mudar para a Cidade do Rio
de Janeiro. Sua irmã Elisa conseguiu um emprego no ministério, por intervenção
do então ministro Agamenon Magalhães, enquanto seu pai teve dificuldades em
achar uma oportunidade na capital. Clarice estudou em uma escola primária na
Tijuca até ir para o curso preparatório para a Faculdade de Direito. Foi aceita
para a Escola de Direito na então Universidade do Brasil em 1939, atual
Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Se viu frustrada com muitas das teorias ensinadas no curso. Percebendo não ser
a profissão de advogada a que queria para sua vida, descobriu um escape: a
literatura. Sempre gostou de criar poemas e escreves histórias, e pensou em
fazer disto uma profissão, matriculando-se em uma universidade particular de
Literatura. Em 25 de maio de 1940, com apenas 19 anos, publicou seu primeiro
conto, Triunfo, na Revista Pan, de propriedade do editor José Scortecci.
Clarice chama a atenção da crítica nacional com seu conto Eu e Jimmy,
escrito junto de Lourival Fontes, então chefe do Departamento de Imprensa e
Propaganda (órgão responsável pela censura no Estado Novo de Getúlio Vargas), e
é alocada para fazer um estágio e trabalhar na Agência Nacional, responsável
por distribuir notícias aos jornais e emissoras de rádio da época. Lá conheceu
o escritor Lúcio Cardoso, por quem se apaixonou, chegando a se declarar para
ele. Mas não foi correspondida, já que Lúcio era homossexual. Apesar disto,
tornaram-se melhores amigos íntimos.
Clarice e o marido Maury Gurgel
Em 1943, no mesmo ano de sua formatura em Literatura, foi viver junto
com seu noivo – a quem conheceu na universidade – chamado Maury Gurgel Valente,
futuro pai de seus dois filhos. Maury foi aprovado no concurso de admissão na
carreira diplomática, e passou a fazer parte do quadro do Ministério das
Relações Exteriores. Em sua primeira viagem como esposa de diplomata, Clarice
morou na Itália onde serviu durante a Segunda Guerra Mundial como assistente
voluntária junto ao corpo de enfermagem da Força Expedicionária Brasileira.
Também morou em países como Inglaterra, Estados Unidos e Suíça, países para
onde Maury foi escalado. Apesar disso, sempre falou em suas cartas a amigos e
irmãs como sentia falta do Brasil.
Em 10 de agosto de 1948, nasce em Berna, Suíça, o seu primeiro filho,
Pedro Lispector Valente. Em 10 de fevereiro de 1953, nasce Paulo Lispector
Valente, o segundo filho de Clarice e Maury, em Washington, nos Estados Unidos.
Clarice e os filhos Pedro e Paulo
Quando criança, seu filho mais velho, Pedro, se destacava por sua
facilidade de aprendizado e bom comportamento, porém, na adolescência, sua
falta de atenção nos estudos e extrema ansiedade acompanhada de agitação
consigo mesmo e com a família, foram diagnosticadas como esquizofrenia. Clarice
se sentia culpada, sem saber o porque, pela doença mental do filho, e teve
dificuldades para lidar com a situação, recorrendo a psicólogos, psiquiatras e
internações, pois o menino era muito agressivo.
Em 1959 se separou do marido, devido ao fato dele estar sempre viajando
a trabalho, exigindo que ela o acompanhasse todo o tempo. Não querendo abrir
mão de sua carreira, querendo cuidar do filho esquizofrênico em um local fixo,
sem viagens constantes, que deixavam o menino mais nervoso, preocupada com as
constantes mudanças de escola do outro filho, que não estava fazendo amizades e
cansada das desconfianças e ciúmes do marido, deu um fim na relação. O
ex-marido ficou na Europa, e Clarice voltou a viver permanentemente no Rio de
Janeiro com seus filhos, indo morar com eles em um apartamento no Leme. No
mesmo ano assina a coluna Correio feminino – Feira de Utilidades, no jornal
carioca Correio da Manhã, sob o pseudônimo de Helen Palmer. No ano seguinte,
assume a coluna Só para mulheres, do Diário da Noite, como ghost-writer da
atriz Ilka Soares.
Sem querer, provocou um incêndio ao dormir e esquecer seu cigarro
acesso, em 14 de setembro de 1966. Seu quarto fica destruído e a escritora é
hospitalizada entre a vida e a morte por três dias. Sua mão direita é quase
amputada devido aos ferimentos, e, depois de passado o risco de morte, ainda
fica hospitalizada por dois meses. Clarice começou a fumar e beber ainda na
adolescência, enquanto compunha seus poemas.
Em 1975 foi convidada a participar do Primeiro Congresso Mundial de
Bruxaria, em Cali na Colômbia. Fez uma pequena apresentação na conferência, e
falou do seu conto O ovo e a Galinha, que depois de traduzido para o espanhol
fez sucesso entre os participantes. Ao voltar ao Brasil, a viagem de Clarice
ganhou ares mitológicos, com jornalistas descrevendo (falsas) aparições da
autora vestida de preto e coberta de amuletos. Porém, a imagem se formou, dando
a Clarice o título de “a grande bruxa da literatura brasileira”.
A doença se espalhou por todo seu organismo, e internada, faleceu em 9
de dezembro de 1977, um dia antes de seu 57° aniversário. Foi enterrada no
Cemitério Israelita do Caju, no Rio de Janeiro, em 11 de dezembro. Até a manhã
de seu falecimento, mesmo sob sedativos, Clarice ainda ditava frases para sua
melhor amiga, Olga Borelli, que esteve sempre ao seu lado, desde a juventude.
Durante toda a sua vida, Clarice teve diversos amigos de destaque como
Fernando Sabino, Lúcio Cardoso, Rubem Braga, San Tiago Dantas e Samuel Wainer,
entre diversos outros escritores e personalidades.
A síntese perfeita
“Sou tão misteriosa que não me entendo.”
“Ler ou reler você é sempre uma operação feliz: descobrem-se coisas,
aprimora-se o conhecimento das descobertas. Senti isto percorrendo De
corpo inteiro e Visão do esplendor. Obrigado, amiga!”
- Carlos Drummond de Andrade (poeta).
"Ela se deixava conduzir por uma espécie de compulsiva intuição.
Era o seu tanto adivinha. Ninguém passa por ela impune. Ela liga e religa o
mistério da vida e o religioso silêncio da morte. Clarice é uma aventura
espiritual."
- Otto Lara Resende
Nenhum comentário:
Postar um comentário