quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

LIVRO INFANTIL -ROSEANA MURRAY - MANUAL DA DELICADEZA




Conheci o trabalho de Roseana Murray no ano de 2000 e fiquei encantada com a sensibilidade de suas produções, especificamente as infantis.

O livro: “Manual da Delicadeza” são poemas com uma linguagem cheia de símbolos e imagens. A autora focaliza a delicadeza nas relações, os encontros e desencontros nas coisas do mundo. Neste mundo tão carente de delicadezas e boas maneiras é muito agradável ler poesias que enfoquem esse tema.

Convivo com algumas pessoas que  considero delicadas(os) e as admiro e respeito, pois este sentimento de afeto pelo próximo exige muita  sinceridade consigo mesmo.

Toda crítica ou chamada de atenção, se esta  for feita com delicadeza, a reação será bem diferente. Será, com certeza, bem recebida.

Hoje recebi 2 mensagens que me deixaram chocadas: a primeira foi de uma amiga que uma colega de trabalho fez uma piada com ela. A colega bateu na porta do banheiro e ela respondeu: “tem gente”. Quando esta saiu, ela disse: lembrei de uma piada antiga que dizia: “negro só é gente quando tá cagando”!!! Sem comentários!!!  Que indelicadeza...

Comentando com uma amiga ela disse: “Este é o Brasil REAL, sem máscaras. Essas pessoas sempre existiram, mas existia uma cortina do POLITICAMENTE CORRETO e  estas mesmas pessoas estavam escondidas.”

Em outro grupo recebi uma mensagem enaltecendo a Major Karla Lessa que realizou uma manobra complicadíssima no helicóptero para salvar uma vida. Até aí tudo bem...e eu também darei os meus parabéns a Major. Agora, vem o pior, colocaram o seguinte: “ Já se passaram dois dias e até agora você não viu o movimento feminista parabenizar essa mulher. Você não viu a foto dela circular na boca e nas redes sociais das rainhas da hipocrisia, que dizem lutar pelo empoderamento feminino. Acontece que Karla não urinou na rua. Karla não defecou em uma igreja. Karla não fez sexo em local público. Karla não mostrou os seios em uma passeata.(...) Karla é uma mulher inteligentíssima , que estudou muito, que lutou para chegar onde queria...” jesusuuuusssss... o que é isto? Que país é este? Onde estou? Estou me sentindo perdidona diante de tanta barbárie. FEMINISMO para algumas pessoas não é mais a luta pelos direito das mulheres, e sim, um estereótipo. 
Sem empatia a antipatia, a grosseria, a discriminação e tudo que se relaciona com isso vêm à tona.... Muito triste...

Mas para me deixar leve, estou buscando a literatura porque conviver com algumas pessoas hoje está difícil. Mesmo tentando ser delicada.

Reli este livro de Roseana para acalmar os meus ânimos. É um livro leve. Os poemas giram em torno do universo infantil e apresenta olhar atento, peculiar e absolutamente criativo. O tema DELICADEZA deve ser trabalhado diariamente para podermos suportar a mediocridade de alguns.




Destacarei apenas dois  poemas :

FONTE                                                                                OLHAR

Como trapezista                                                    O olhar feito cântaro                                       

alcançar o outro                                                    cheio até a borda

num salto:                                                              de puro mel

mergulhar em seus olhos,

navegar até o fundo.                                            O olhar como favo

                                                                                  ou quem sabe

Alcançar o outro                                                    uma teia de ternura     

No que ele tem                                                      abraçando o mundo.

de mais belo,

de luz e mel,                                                          O olhar feito barco

delicadeza e mistério.                                         de carregar o outro

                                                                                até a outra margem,

E, então, beber a água                                        até um porto seguro.

Limpa

Dessa fonte.                                                          O olhar feito carruagem macia

                                                                                de conduzir o outro

                                                                                com delicadeza,

                                                                                pelos labirintos da vida

                                                                                até seu próprio coração.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

CHARGE


https://f.i.uol.com.br/fotografia/2019/01/29/15488084425c50f0fad06ad_1548808442_3x2_th.jpg
                 As imagens após o rompimento de três barragens da Vale em Brumadinho (MG) na sexta-feira são registros do maior acidente de trabalho da história do Brasil, e que poderá se tornar o segundo acidente industrial - denominação para desastres de larga escala causados por atividades empresariais - mais mortífero do século 21 em todo o mundo, segundo especialistas e rankings compilados pela BBC News Brasil. 

DOCUMENTÁRIO : DEUS ME LIVRE DE SER NORMAL



“O mundo “normal” nos atrai. Enquanto atrai, nos distrai.
E porque nos distrai, nos trai. Se nos deixamos trair, ele nos destrói.
É hora de despertar!
Sinceramente: ”Deus me livre de ser normal”.Hermógenes



José Hermógenes de Andrade Filho. (Natal, 9 de março de 1921 – Rio de Janeiro, 13 de março de 2015).Filósofo, escritor, poeta e cientista, esse natalense é o pioneiro da medicina holística no Brasil, o criador do método yogaterápico e o introdutor da prática de yoga no país. Com mais de 30 livros publicados com edições e traduções em outros idiomas, homenageado com diversas condecorações internacionais, o Prof. Hermógenes se tornou uma referências para os espiritualistas e psicoterapeutas em geral. Os seus livros, palestras, conferências científicas e exemplo de vida têm contribuído para a transformação psicofísica e espiritual de muitos. Ele mostrou várias possibilidades para nos tornarmos melhor. Dando-nos oportunidade do autoconhecimento, trabalhar suas dificuldades, retirar suas máscaras, mostrar-se com autenticidade , proporcionando assim, caminhos mais suaves e menos dolorosos.

Hermógenes – Deus me Livre de ser Normal é o título do documentário sobre a vida e o poder terapêutico e transformador da obra desse escritor.
            Nas primeiras cenas, Hermógenes é apresentado em contato com a exuberante natureza da cidade onde nasceu e gozou a sua infância, a bela Natal, capital do Rio Grande do Norte. No decorrer de uma narrativa poética e autobiográfica, interpretada na voz off do ator Carlos Vereza, o mestre em Yoga caminha sobre as dunas, e nas águas do litoral potiguar mergulha e medita. Uma sucessão de depoimentos, frases e detalhes da vida de Hermógenes costuram e entrecortam a narrativa poética, revelando assim vários aspectos biográficos desse grande mestre, considerado o introdutor do Yoga no Brasil e o pioneiro em Medicina Holística.
           O filme é estimulante quando mostra como os livros do professor Hermógenes e as suas técnicas de Yogaterapia provocam transformações nas vidas das pessoas. Cartas de leitores, reportagens em um abrigo de idosos, depoimentos de prisioneiros desvelam e confirmam o poder terapêutico do
método Hermógenes. Da mesma forma impressionante é o grau de devoção e as aulas de Yoga ministradas no interior de um presídio pelo presidiário discípulo de Hermógenes, Luiz Henrique Gusson. Outros momentos tão significativos ficam por conta dos depoimentos de pessoas comuns que tiveram suas vidas transformadas pelo Yoga. Elementos como Divaldo Cunha, proprietário de um bar na Paraíba, que se libertou da dependência química através do Yoga; Ramiro Rebouças, que enfrentou uma grave depressão e escapou de um suicídio graças à meditação e aos ensinamentos de Hermógenes; Paulo Roberto, vítima de um choque elétrico que o levou à cegueira, autor de uma das mais incríveis confissões do filme: “Com o Yoga encontrei Deus, agora que sou cego eu vejo muito e de verdade; antes, eu via mas não enxergava.”

Temas abordados no documentário:

Violência, depressão, angústia, ansiedade, medo, solidão, hipocondria, dependências químicas, estresse, cardiopatias, egoísmo, psicose, neurose, diabete, hipertensão, paranóia, câncer, AIDS. Esse é quadro patológico em que se encontra mergulhada – universalmente – a humanidade. Reconhecer a raiz mestre de tanta dor e sofrimento, administrar o estresse, treinar o corpo, a mente e o espírito para a superação dessa ausência de Vida era o que procurava fazer este grande mestre

Segundo Marco Bojo:. “Quem é que dá qualidade à sua vida? É aí que entre o Yoga. Como um sistema de filosofia, o Yoga tenta justificar questões. Coisas do tipo: o que estamos fazendo aqui? De onde viemos e para onde vamos? Erram aqueles que entendem Yoga como uma prática de exercícios lentos e respiratórios. O Yoga nunca foi tão atual e tão necessário. A nossa sociedade tem dificuldade em entender o corpo como um meio para aquisição de experiências nobres no caminho espiritual. Afinal, para nós que reverenciamos as aparências, fica difícil entender que o “como” se faz um exercício é mais o importante do que o “quanto” ou mesmo o “o quê”. Na vida com qualidade, vamos percebendo que as respostas são modificáveis. Se qualidade de vida está mais relacionada com o “fazer o que se gosta”, pense que vida com qualidade está mais relacionada com o “gostar do que se faz”. E eu também dou minha preciosa contribuição para isso, que é próprio do humano: uma vida com poucas necessidades e com muita integração.

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

UM POUCO DA MINHA CIDADE: OFICINA FRANCISCO BRENNAND







Hoje, para sair um pouco da sintonia de caos que se encontra o país, resolvi encontrar alguns amigos. Amizade que fizemos no curso de espanhol da Biblioteca Pública do Estado de PE, porém o Núcleo de Línguas que proporcionava a muitos, cursos totalmente gratuitos e com ótimos profissionais foi extinto no ano de 2018. Uma lástima. 



Marcamos para curtir um pouco,  a fim de alimentarmos a nossa alma de BELEZA. A beleza de um homem que se descobriu para a arte. O homem que soube ver o mundo com formas ousadas e criativas, estudou direito, morou por um tempo na Europa, estudou arte e descobriu sua própria arte. Uma arte, que muitas vezes paira pelo erótico-romântico, aflorou com toda sua forma numa antiga usina em ruínas e hoje é um refúgio para arte e o artista Brennand. Um patrimônio nacional da  beleza  contemporânea no alto dos seus 90 e poucos anos.

O artista já comentou em várias de suas  entrevistas como surgiu a ideia de fazer de lá seu ateliê. “Um belo dia, atravessando a ponte que ligava nossa outra propriedade ao lado de cá, eu encontrei essa fábrica em ruínas. Senti que era meu dever recuperá-la”. Enchendo-se de coragem, foi dizer ao pai o que pretendia. “Estava com 45 anos, era imensamente jovem e absolutamente irresponsável”, admite. Com a anuência do pai, cuja única condição foi que Francisco não pedisse ajuda financeira aos irmãos, o artista deu início à obra de sua vida.          Reativou a fábrica e nela passou a produzir uma cerâmica pouco ortodoxa. Ele misturava materiais que, levados à temperatura de 1400ºC, fundiam-se num espécie de rocha, dura e resistente como o quartzo.

Foi essa cerâmica original que garantiu os recursos para Oficina nos primeiros anos. Procurado por um grupo de jovens arquitetos que conheciam seu trabalho, Brennand venceu a concorrência para fornecer o revestimento do edifício-sede da então poderosa Sudene. “Eu não vendi minha alma para o Diabo. Nunca deixei de ser um artista para ser um empresário”, diz ele.


Sua cerâmica faz sucesso em edifícios de todo o País. Com o dinheiro entrando, Brennand viu que era possível manter parte das peças que produzia. Assim, os vazios que resultavam da retirada de equipamentos industriais da Oficina foram preenchidos com esculturas e murais. 



Ainda assim, seu santuário permaneceria secreto por muito tempo. “Onze anos depois de eu ter restaurado a fábrica, um motorista de táxi trouxe quatro turistas de São Paulo. Eles ficaram admirados. Lá fora, o taxista me abordou e disse: ‘Isso aqui parece o Egito’. Eu entendi que ele estava em busca de uma analogia para a palavra mistério. Percebi que deveria seguir trabalhando daquela mesma forma”.



O talento de Francisco  Brennand se evidencia desde os anos de colegial quando fazia caricaturas de professores e colegas. Sua formação, inicialmente acadêmica, realizada com artistas de Pernambuco, especialmente com o mestre do afresco Murilo La Greca, e o paisagista Álvaro Amorim, não o afastaram da liberdade de expressão.
  O espaço é uma mistura de galeria, museu, ateliê e lugar de contemplação. As obras tem um apelo erótico, estão espalhadas pelos jardins projetados por Burle Max.


A Oficina abre as portas diariamente, exceto nos feriados, e a expressão "abrir as portas" carrega aqui um significado muito maior. Instalada nas terras do Engenho Santos Cosme e Damião, toda a área é cercada por remanescentes da Mata Atlântica e mesmo sendo no coração da Zona Oeste do Recife,  ao entrar no mundo de Brennand, você irá se deparar com várias obras de períodos distintos do artista, que irá te transportar para cenários oníricos, te fazendo esquecer da mediocridade do dia a dia, pois a Arte são pássaros em voo. O seu objetivo é fazer com que os nossos pensamentos voem livres. Não é à toa que veem erotismo em suas obras.
Mas para o próprio Brennand em uma de suas entrevistas, comentou: “Elas não são propriamente eróticas, embora carreguem em si uma pesada carga sexual, uma vez que se reportam ao grande enigma do Universo, isto é, a REPRODUÇÃO da imagem. As coisas são eternas porque se reproduzem. As próprias estrelas nascem, vivem e morrem. Todo o Universo é uma história de um imenso desejo. Todavia, reconheço que na minha pintura existem fortes componentes eróticos”.


Brennand vive em constante produção, Perguntamos para um dos seus funcionários quantas obras existia no espaço, ele nos respondeu que mais de 3000 obras.


Em tempos nefastos em que a censura toma conta de tudo e o falso moralismo também, temos de aproveitar bastante este espaço, pois poderemos a qualquer momento ouvirmos: "Demoliram a Oficina de Francisco Brennand". Eu, particularmente, pensei que tudo isto estava superado, Repudio os conservadores e fundamentalistas que estão tomando conta do nosso país. Preciso conviver e estar com pessoas que defendem a liberdade de expressão, liberdade democrática e que são contra o retrocesso. Preciso conviver com pessoas que são sensíveis a dor do próximo e que não tiram proveito e nem se beneficiam dos fracos, oprimidos e sem voz. Muitos já conquistaram o seu lugar de fala, porém outros ainda necessitam construir este instrumento de poder e transformação.


Lembrando agora o meu querido e eterno Rubem Alves, sobre ARTE e IDEOLOGIA;  “Existe uma inimizade natural entre a ideologia e a arte. Ideologias são gaiolas. O seu objetivo é prender o pensamento. A Arte são pássaros em voo. O seu objetivo é fazer o pensamento voar livre. Na revolução cultural da China se queimavam instrumentos musicais do Ocidente em nome de uma ideologia a um tempo comunista e rural. O comunismo sacralizou o chamado “realismo socialista” – um horror total, pintura sem sombras. Maiakóvski se suicidou porque o partido desejava que ele subordinasse a sua poesia à ideologia. A arte moderna foi banida da Alemanha nazista sob a alegação de que se tratava de arte degenerada. Assim se irmanam os ideólogos de direita e de esquerda. O que eles desejam é usar a arte como instrumento de convencimento ideológico. As marchas militares fazem os corpos marchar e entopem o pensamento."

Todo radicalismo é conservador e  intolerante. É bom sempre pensarmos por este caminho: o do bom senso...
                 



                 




segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

BIOGRAFIA DE CLARICE LISPECTOR





 Muitas pessoas já me caracterizaram como louco", escreveu certa vez Edgar Allan Poe (1809-1849). "Resta saber se a loucura não representa, talvez, a forma mais elevada de inteligência." Nessa sua suspeita de que genialidade e loucura talvez estejam intimamente entrelaçadas, o escritor americano não estava sozinho. Muito antes, Platão mostrara acreditar em uma espécie de "loucura divina" como base fundamental de toda criatividade.

Uma lista interminável de artistas célebres, parte deles portadores de graves transtornos psíquicos, parece confirmar o ponto de vista do filósofo grego. Clarice em suas obras incluiu muitos tramas psicológicos sofrendo esta também de alguns no seu dia a dia . Depois de sofrer queimaduras graves no braço e na mão, por ter dormido com um cigarro aceso, Clarice desenvolveu depressão. Ela também teve depressão pós-parto com o nascimento de seu filho Pedro, que viria a desenvolver esquizofrenia.



Nascida numa família judaica, Haya Pinkhasovna Lispector (seu nome original),  foi a terceira filha de Pinkhas Lispector e de Mania Krimgold Lispector. Nasceu na cidade de Chechelnyk, em 10 de dezembro de 1920, enquanto seus pais percorriam várias aldeias da Ucrânia, fugindo da perseguição aos judeus durante a Guerra Civil Russa de 1918-1920. Chegou ao Brasil quando tinha um ano e dois meses de idade

A família chegou a Maceió em março de 1926, sendo recebida por Zaina, irmã de Mania, e seu marido e também primo, José Rabin. Por iniciativa do pai, todos mudaram de nome, apenas externamente, pois continuaram com seus nomes nos registros de nascimento. Tânia, sua irmã, continuou com seu nome tanto nos documentos quanto usando normalmente, pois seu nome era comum no Brasil. O pai passou a se chamar Pedro; Mania, Marieta; e Haya, Clarice. Pedro passou a trabalhar na época com Rabin, já um próspero comerciante. Com dificuldades de relacionamento com Rabin e sua família, Pedro decide mudar-se para o Recife, em 1930, centro urbano mais importante da Região Nordeste.


A jovem Clarice Lispector

Clarice Lispector começou a escrever logo que aprendeu a ler, na cidade de Recife, onde passou parte da infância no bairro de Boa Vista. Estudou no Ginásio Pernambucano de 1932 a 1934. Falava vários idiomas: aprendeu a ler e escrever em português, francês e o inglês. Cresceu ouvindo no âmbito domiciliar o idioma materno, o iídiche, primeiro idioma que começou a falar.

Sua mãe morreu em 21 de setembro de 1930, quando Clarice tinha apenas nove anos, após vários anos sofrendo com as consequências de uma doença não especificada. Clarice sofreu muito com a morte da mãe, vendo-a definhar de dor na cama, pouco a pouco, e muitos de seus textos refletem a culpa que a autora sentia em não poder fazer nada para ajudá-la. Ela também desenhava figuras de milagres que salvariam sua mãe da morte.

Quando tinha quinze anos, seu pai decidiu se mudar para a Cidade do Rio de Janeiro. Sua irmã Elisa conseguiu um emprego no ministério, por intervenção do então ministro Agamenon Magalhães, enquanto seu pai teve dificuldades em achar uma oportunidade na capital. Clarice estudou em uma escola primária na Tijuca até ir para o curso preparatório para a Faculdade de Direito. Foi aceita para a Escola de Direito na então Universidade do Brasil em 1939, atual Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Se viu frustrada com muitas das teorias ensinadas no curso. Percebendo não ser a profissão de advogada a que queria para sua vida, descobriu um escape: a literatura. Sempre gostou de criar poemas e escreves histórias, e pensou em fazer disto uma profissão, matriculando-se em uma universidade particular de Literatura. Em 25 de maio de 1940, com apenas 19 anos, publicou seu primeiro conto, Triunfo, na Revista Pan, de propriedade do editor José Scortecci.




Três anos depois, após ter passado mal, seu pai fora encaminhado para realizar uma cirurgia simples para a retirada de vesícula biliar, mas morre durante o procedimento, devido a complicações. As filhas ficam arrasadas com as circunstâncias da morte tão inesperada, e, como consequência, Clarice se afasta da religião judaica.

Clarice chama a atenção da crítica nacional com seu conto Eu e Jimmy, escrito junto de Lourival Fontes, então chefe do Departamento de Imprensa e Propaganda (órgão responsável pela censura no Estado Novo de Getúlio Vargas), e é alocada para fazer um estágio e trabalhar na Agência Nacional, responsável por distribuir notícias aos jornais e emissoras de rádio da época. Lá conheceu o escritor Lúcio Cardoso, por quem se apaixonou, chegando a se declarar para ele. Mas não foi correspondida, já que Lúcio era homossexual. Apesar disto, tornaram-se melhores amigos íntimos.




Clarice e o marido Maury Gurgel

Em 1943, no mesmo ano de sua formatura em Literatura, foi viver junto com seu noivo – a quem conheceu na universidade – chamado Maury Gurgel Valente, futuro pai de seus dois filhos. Maury foi aprovado no concurso de admissão na carreira diplomática, e passou a fazer parte do quadro do Ministério das Relações Exteriores. Em sua primeira viagem como esposa de diplomata, Clarice morou na Itália onde serviu durante a Segunda Guerra Mundial como assistente voluntária junto ao corpo de enfermagem da Força Expedicionária Brasileira. Também morou em países como Inglaterra, Estados Unidos e Suíça, países para onde Maury foi escalado. Apesar disso, sempre falou em suas cartas a amigos e irmãs como sentia falta do Brasil.

Em 10 de agosto de 1948, nasce em Berna, Suíça, o seu primeiro filho, Pedro Lispector Valente. Em 10 de fevereiro de 1953, nasce Paulo Lispector Valente, o segundo filho de Clarice e Maury, em Washington, nos Estados Unidos.





Clarice e os filhos Pedro e Paulo

Quando criança, seu filho mais velho, Pedro, se destacava por sua facilidade de aprendizado e bom comportamento, porém, na adolescência, sua falta de atenção nos estudos e extrema ansiedade acompanhada de agitação consigo mesmo e com a família, foram diagnosticadas como esquizofrenia. Clarice se sentia culpada, sem saber o porque, pela doença mental do filho, e teve dificuldades para lidar com a situação, recorrendo a psicólogos, psiquiatras e internações, pois o menino era muito agressivo.

Em 1959 se separou do marido, devido ao fato dele estar sempre viajando a trabalho, exigindo que ela o acompanhasse todo o tempo. Não querendo abrir mão de sua carreira, querendo cuidar do filho esquizofrênico em um local fixo, sem viagens constantes, que deixavam o menino mais nervoso, preocupada com as constantes mudanças de escola do outro filho, que não estava fazendo amizades e cansada das desconfianças e ciúmes do marido, deu um fim na relação. O ex-marido ficou na Europa, e Clarice voltou a viver permanentemente no Rio de Janeiro com seus filhos, indo morar com eles em um apartamento no Leme. No mesmo ano assina a coluna Correio feminino – Feira de Utilidades, no jornal carioca Correio da Manhã, sob o pseudônimo de Helen Palmer. No ano seguinte, assume a coluna Só para mulheres, do Diário da Noite, como ghost-writer da atriz Ilka Soares.

Sem querer, provocou um incêndio ao dormir e esquecer seu cigarro acesso, em 14 de setembro de 1966. Seu quarto fica destruído e a escritora é hospitalizada entre a vida e a morte por três dias. Sua mão direita é quase amputada devido aos ferimentos, e, depois de passado o risco de morte, ainda fica hospitalizada por dois meses. Clarice começou a fumar e beber ainda na adolescência, enquanto compunha seus poemas.



Em 1975 foi convidada a participar do Primeiro Congresso Mundial de Bruxaria, em Cali na Colômbia. Fez uma pequena apresentação na conferência, e falou do seu conto O ovo e a Galinha, que depois de traduzido para o espanhol fez sucesso entre os participantes. Ao voltar ao Brasil, a viagem de Clarice ganhou ares mitológicos, com jornalistas descrevendo (falsas) aparições da autora vestida de preto e coberta de amuletos. Porém, a imagem se formou, dando a Clarice o título de “a grande bruxa da literatura brasileira”.

Foi hospitalizada pouco tempo depois da publicação do romance A Hora da Estrela com câncer no ovário. O diagnóstico era desconhecido por ela, já que mesmo fazendo exames anuais como toda mulher, este câncer fora detectado já avançado. Mas mesmo que fosse descoberto no começo, não teria como salvá-la: seu câncer era inoperável.

A doença se espalhou por todo seu organismo, e internada, faleceu em 9 de dezembro de 1977, um dia antes de seu 57° aniversário. Foi enterrada no Cemitério Israelita do Caju, no Rio de Janeiro, em 11 de dezembro. Até a manhã de seu falecimento, mesmo sob sedativos, Clarice ainda ditava frases para sua melhor amiga, Olga Borelli, que esteve sempre ao seu lado, desde a juventude.

Durante toda a sua vida, Clarice teve diversos amigos de destaque como Fernando Sabino, Lúcio Cardoso, Rubem Braga, San Tiago Dantas e Samuel Wainer, entre diversos outros escritores e personalidades.




A síntese perfeita

“Sou tão misteriosa que não me entendo.”





“Ler ou reler você é sempre uma operação feliz: descobrem-se coisas, aprimora-se o conhecimento das descobertas. Senti isto percorrendo De corpo inteiro e Visão do esplendor. Obrigado, amiga!”

- Carlos Drummond de Andrade (poeta).

"Ela se deixava conduzir por uma espécie de compulsiva intuição. Era o seu tanto adivinha. Ninguém passa por ela impune. Ela liga e religa o mistério da vida e o religioso silêncio da morte. Clarice é uma aventura espiritual."

- Otto Lara Resende




domingo, 27 de janeiro de 2019

CLÁSSICO BRASILEIRO : DOM CASMURRO


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BENTINHO E SUAS NEUROSES






O narrador – Bento Santiago, o Bentinho (Dom Casmurro - que em 1ª pessoa, inicia a narrativa explicando o título da obra. Ele conta, que vindo da cidade para o Engenho Novo onde ele mora, encontrou no trem da central um rapaz de seu bairro que o conhecia apenas de vista. O rapaz o cumprimentou, falou da lua e acabou citando versos para Bentinho. Como Bentinho estava cansado, fechou os olhos algumas vezes, o que fez com que o poeta interrompesse a leitura e colocasse o seu livro no bolso, irritado. .No dia seguinte, o poeta alcunhou Bento de Dom Casmurro. Os vizinhos que também não gostavam muito do jeito recluso de Bento, começaram a chamar-lhe de ” Casmurro “ também.

O narrador, que é o próprio Bentinho explica o significado deste apelido: homem calado e metido consigo e que Dom veio por ironia para denominar fidalguia, importância.

Explicado o título, o narrador passa a escrever o livro. Eis os motivos que o levaram a escrever:

 O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice e adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui.(...)”

 “Ora, como tudo cansa, esta monotonia acabou por exaurir-me também. Quis variar, e lembrou-me escrever um livro. Jurisprudência, filosofia e política acudiram-me, mas não me acudiram as forças necessárias. Depois, pensei em fazer uma História dos Subúrbios(...) ”

“Foi então que os bustos pintados nas paredes entraram a falar-me e a dizer-me que, uma vez que eles não alcançavam reconstituir-me os tempos idos, pegasse da pena e contasse alguns. (...)“

“Fiquei tão alegre com esta idéia, que ainda agora me treme a pena na mão. Sim, Nero, Augusto, Massinissa, e tu, grande César, que me incitas a fazer os meus comentários, agradeço-vos o conselho, e vou deitar ao papel as reminiscências que me vierem vindo (...)

Percebam que esses nomes: Nero, Augusto, Massinissa e César sugerem TRAIÇÃO. Ele irá se inspirar nestes personagens para construir a sua obra, porém sabemos que, Dom Casmurro foi inspirada no livro “Otelo” de Shakespeare. Temos aí um imitatácio, ou seja, uma obra inspirada em outra que busca ficar melhor que a original.

Bento mora só, vive com o criado e reproduziu no Engenho Novo, a casa em que viveu na Mata-Cavalos.

Numa tarde, na casa da rua de  Mata Cavalos – novembro de 1857 ao entrar na sala de visitas, criança ainda, Bentinho ouviu seu nome e escondeu-se atrás da porta. José Dias, que era um agregado  na casa de Dona Glória, mãe de Bentinho, lembrou a ela que já era tempo de enviá-lo para o Seminário, pois se assim não fizesse, ficaria mais difícil no futuro. Explicou que a dificuldade se consistia em Bentinho já está com 15 anos e Capitu, tinha 14; (embora ela  em termos de maturidade, estava bem à frente  deste) havia percebido que ambos estavam se encontrando, estavam sempre juntos e em segredinhos . Dona Glória, por sua vez, nunca desconfiara de nada entre o seu filho e a vizinha.

Dona Glória fizera uma promessa de colocar o filho no Seminário e adiou o cumprimento da promessa para Bentinho ficar a maior parte do tempo perto de si. Tio Cosme pergunta para Dona Glória se havia realmente necessidade de torna-lo padre. Tia Justina não opina e a mãe de Bentinho sai da sala chorando.

Bentinho ficou estarrecido ao ouvir a revelação de José Dias. De fato, ele estava sentindo algo por Capitu, mas não se dera conta disto.

José Dias é um agregado da casa, tem 55 anos quando começa a narrativa, é bastante antiquado no vestir e amava o superlativo. Vive com a família de Bentinho desde que ele acabara de nascer. Pedro de Albuquerque Santiago era casado com Dona Maria da Glória Santiago que possuem uma fazenda em Itaguaí. Um dia apareceu um homem chamado José Dias dizendo-se médico homeopata. Um mentiroso. José Dias, se passando por médico, curou um feitor e uma escrava da fazenda e logo ganhou a simpatia do pai de Bentinho que lhe propôs ficar na fazenda por um pequeno ordenado. Interesseiro, aceitou  asa e comida sem remuneração, salvo se quisessem lhe dar algum reconhecimento.

Um dia, pesou-lhe a consciência e confessou que não era médico, mas não foi demitido, pelo contrário, passou a ter muito prestígio na casa.

Vamos a um flash back. Quando Bentinho tinha 4 anos, seu pai faleceu. Dona Glória tomou a direção da casa e levou para morar consigo, dois parentes viúvos: o seu irmão Cosme
( advogado gordo e bonachão) e a prima Justina ( uma mulher magra e maledicente). Era conhecida como: a casa dos três viúvos.

Dona Glória, quando perdeu o primeiro filho fez uma promessa: se o segundo filho viesse ao mundo, ele iria para o seminário. Logo, Bentinho nasceu sobre promessa, daí o nome: BENTO – o abençoado.

Dona Glória, muito religiosa e temente a Deus, divulgou aos parentes e familiares, a promessa de entregar o filho à igreja. Desde muito cedo acostumou o filho para uma futura vida eclesiástica e o levava sempre a missa que era para ele aprender as habilidades de um sacerdote. Convidou até o padre Cabral, que jogava gamão com tio Cosme, para prepará-lo para o futuro religioso.

Bentinho após ouvir a denúncia de José Dias ficou bastante assustado, correu até a varanda da casa, meio atordoado, pernas bambas, coração querendo sair pela boca. Faltava-lhe coragem para ir a casa do vizinho.  Onde moravam Capitu e seus pais (João e Fortunata).

Bentinho andava de um lado para outro. Ouvia as vozes confusas se repetirem,  no discurso de José Dias a Dona Glória: “ Sempre juntos e de segredinhos. Se eles pegam de namoro, Dona Glória...”

As pernas de Bentinho pareciam prendê-lo ao chão. No final fez um esforço e entrou. Quem ele viu? Capitu.

Ela estava em frente ao muro de sua casa, riscando com um prego. Caminhou em direção a ela que também vinha ao seu encontro, inquieta, perguntando-lhe: “O que é que você tem? Ele respondeu: “EU?”

Bentinho queria insistir que não tinha nada, mas não conseguiu falar. Era todo olhos e coração, um coração com certeza, iria sair pela boca afora. Não podia tirar os olhos daquela criatura de 14 anos: alva, forte e cheia; apertada em um vestido de chita meio desabotoado. Capitu voltou a perguntar o que ele tinha. Bentinho pensou em dizer que iria para o Seminário. Olhou para o muro e viu que Capitulina havia riscado umas palavras nele. Ela tentou apagar, mas depois ele viu que havia dois nomes:  Bento e Capitolina. Eles não falaram nada. O muro falara por eles.

Os pais de Capitu eram pobres e foram protegidos de uma enchente por Dona Gloria, que passou ter uma enorme ascendência moral sobre eles. Chegou mesmo, mais tarde, a impedir que o pai de Capitu cometesse suicídio. Bentinho conta finalmente a Capitu a promessa que sua mãe, Dona Glória fizera de manda-lo para o seminário. Capitu perdeu o equilíbrio e acabou xingando Dona Glória. Mas depois, pensou um pouco e traçou um plano para evitar a separação do amigo Bentinho. Ela sugere que Bentinho conquiste José Dias para que ele o defenda diante de Dona Glória, no sentido de convencê-la a não cumprir a promessa, para tanto Bentinho devia fazer ver a José Dias quem seria o futuro dono da casa. A partir daí, o agregado deveria tomar o partido de Bentinho, se quisesse continuar como agregado. Mas, em vez de padre, Bentinho estudaria direito em São Paulo.

O Bentinho prometeu rezar mil padre nossos e mil ave marias se o José Dias arranjasse para que ele não fosse para o Seminário.

Bentinho comunicou o pano a José Dias conforme quando eles estavam no passeio público.

O agregado achou excelente a ideia de Bentinho, estudar leis, pois viu nela a hipótese de acompanha-lo à Europa. José Dias prometeu interceder em seu favor junto à mãe, mas nesta mesma conversa tentou rebaixar o vizinho Pádua dizendo que os olhos de sua filha eram obras do diabo. Em seguida, criou a seguinte imagem para classificar os mesmos olhos: “são assim, os olhos de cigana oblíqua e dissimulada.”

Passados alguns dias, Bentinho quis olhar bem dentro dos olhos de Capitu para ver se a imagem que Dias tinha descrito, conferira com o real. O que encontrou nos olhos de Capitu foi um fluido misterioso e enérgico. Uma força que arrastara para dentro como uma vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Quando se livrou do encanto dos olhos da amiga, preferiu classifica-los como olhos de ressaca, contudo jamais esquecera a imagem que fizera José Dias. Em seguida, Bentinho vê-la sentar-se de costas para si e de frente para o espelho, queria pentear os longos cabelos escuros e depois que ele os penteou, Capitu jogou bruscamente a cabeça para trás e permaneceu nesta posição até que Bentinho a beijasse na boca. Ele a beija sem reação nenhuma. Neste momento, chega Dona Fortunata e Capitu recompõe-se depressa e dissimula mais uma vez. B

Bentinho ficou calado, encostado na parede sem conseguir disfarçar sua emoção. Despediu-se das duas e vai para sua lição de latim com padre Cabral. No quarto, sem querer, acaba dizendo com orgulho: “sou um homem”. Repetiu mais uma vez.

Bentinho voltou para casa de Capitu num dia que não teve aula e tentou roubar outro beijo dela. Desta vez ela recusou. Quando Bentinho desistiu da intenção, depois de muita insistência, Capitu beijou-o rapidamente. Chega o pai de Capitu.

À noite, Bentinho conversa com sua mãe, confessou que não tinha vocação para padre e pediu-lhe que desfizesse a promessa. Embora Dona Glória desejasse o mesmo para o filho não atendeu ao pedido e fixou o prazo que ele entraria no Seminário, que seria entre dois a três meses.

Bentinho no dia seguinte, encontra-se com Capitu e diz a conversa que teve com a mãe. Capitu ficou irritada com o prazo estipulado por Dona Glória. Ao perceber que Bentinho não se oporia ao prazo da mãe, lançou-lhe na cara que ele haveria de batizar o seu primeiro filho com outro homem. Essa briga aconteceu na beira do poço, no quintal da casa de Capitu.

Bentinho desesperado do que ouviu da boca de Capitu, fê-la jurar que ela só se casaria com ele. E ambos juram que só se casarão um com o outro. Bentinho aceita a ideia de que poderá ir para o Seminário, mas que não será ordenado padre. Capitu garantiu que só se casará com ele, então...

Meses depois, entra para o Seminário São José com uma condição de abandoná-lo  no fim de um ano, caso não se revelasse a vocação espontânea.

Bentinho agora no Seminário, passa a visitar a família todo final de semana. Durante sua ausência, Capitu ficou íntima de Dona Glória que começou a tratá-la por filha, dando-lhes uns presentes e muita afeição.

Bentinho conheceu no Seminário, outro jovem também sem nenhuma vocação religiosa como ele, mas com grande paixão pelo comércio. Este rapaz veio de Curitiba e se chama Ezequiel de Souza Escobar. Tornaram-se amigos e confidentes.

Passado algum tempo, Dona Glória ficou doente e depois de cinco dias pediu para José Dias ir buscar o seu filho para vir visitá-la. O agregado foi lá e disse a Bentinho que o estado da mãe era gravíssimo. Bentinho então, visita a mãe e depois de vê-la entra no quarto e promete rezar dois mil padre nosso se Deus salvasse a vida dela. Logo, arrependeu-se da promessa pois sabia que suas promessas não tem valor e não são cumpridas.

A mãe se recupera e após seu restabelecimento, não retornou ao Seminário e foi à missa agradecer pela melhora da mãe. Esteve com Sancha, que era amiga e companheira de colégio de Capitu, cujo pai era viúvo e se chamava Gurgel. Voltou para casa e Bentinho teve a surpresa da visita de Escobar, que mais tarde, ficaria impressionado com a beleza de Dona Glória e com o seu dinheiro. Escobar, graças a sua fineza, fez-se querido de todos. Dona Glória, com o passar do tempo foi apreciando a união de Bentinho e Capitu.

Bentinho revela novamente os seus ciúmes quando conversa com Capitu, pois passou um cavaleiro certo dia, num cavalo em frente a sua casa  e este ia para casa de sua namorada. Ele olhou para Capitu e Capitu correspondeu. Bentinho viu esta cena e ficou desesperado. Saiu da rua apressado e se recolheu na sala de visitas emburrado, jurando não ir ver Capitu nunca mais que irá fazer-se padre.

Bentinho não saiu do quarto, não quer jantar e dorme muito mal. No dia seguinte, alegou dor de cabeça para não ir ao Seminário e foi procurar Capitu. Ela achou uma injúria, uma ofensa o que Bentinho pensou dela.

Bentinho frágil e inseguro, pega as suas mãos e as beija.

Bentinho retorna ao Seminário. José Dias, ensinou para Bentinho que ele deveria simular sintomas de tuberculose e buscasse melhores ares na Europa. Dona Glória já não esconde o desejo de tirar Bentinho do Seminário, só não sabia como liquidar a promessa. Quem irá dar a solução de Bentinho versus Seminário? Escobar.

Escobar sugere que se financiasse a ordenação de um moço pobre, no lugar de Bentinho, cumprindo-se então a promessa. E foi o que aconteceu. Escobar e Bentinho deixam juntos o Seminário. Escobar entra para o comércio, depois de tomar dinheiro emprestado de Dona Glória e se casou com Sancha.

Bentinho, aos 22 anos, bacharelou-se em Direito por São Paulo. Regressou ao Rio e casou-se com Capitu.

|Numa tarde chuvosa de março de 1865, passam a residir no bairro da Glória. Depois de casadas, Sancha e Capitu continuaram amigas. Escobar, ajuda Bentinho na sua estreia profissional, fazendo-o um advogado famoso. Admite-o em sua Banca.

Nasce a filha de Escobar e Sancha, deram-lhe o nome de Capitu em homenagem a esposa do Bentinho. Os casais ficam cada vez mais íntimos. Ambos, os maridos, revelavam ciúmes das esposas.

Bentinho e Capitu viviam felizes, embora lamentassem a falta de um filho. A filhinha de Escobar já  tagarelava e brincava quando nasceu o filho de Bentinho. Foi batizado com o nome de Ezequiel para retribuir a homenagem.

Cinco anos depois, Ezequiel se tornou um homem bonito, de olhos claros, gostava de imitar os gestos e as atitude das pessoas. Zombava de todo mundo. Todo mundo ria. Imitava bem o José Dias e Irmã Justina e todos que frequentavam sua casa.

Bentinho começa a sentir ciúmes de Capitu. Sente-se aflito com qualquer gesto ou palavra dela. Até mesmo com sua indiferença. Escobar mudou-se do Andaraí para o Flamengo e ficou mais próximo do casal de amigos. Gostariam que os filhos crescessem juntos, como Bento e Capitulina cresceram. Os casais visitam-se agora com mais frequência.

Bentinho e Capitu vão jantar na casa de Escobar para tratar de um projeto de família para os quatros. Bentinho pergunta se Escobar entrará no mar no dia seguinte. Escobar afirma que sim, apesar do mar estar bravio. Na hora da despedida, Bentinho volta a falar com os olhos a Sancha e a mão dela aperta muito a dele, demorando-se mais do que de costume. Bentinho acha que ela o deseja sexualmente. Na manhã seguinte, Escobar vai mergulhar nas águas de ressaca do mar e morre afogado.

No velório, Bentinho notou que muitos homens e mulheres choravam, menos Capitu que amparava a viúva Sancha e parece vencer-se a si mesma. Na despedida do corpo, supôs que Capitu chorara e mirara o defunto:

“Enfim chegou a hora da encomendação e da partida. Sancha quis despedir-se do marido, e o desespero daquele lance consternou a todos. Muitos homens choravam, também, as mulheres todas. Só Capitu, amparando a viúva, parecia vencer-se a si mesma. Consolava a outra, queria arrancá-la dali. A confusão era geral. No meio dela, Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas  lágrimas poucas e caladas...

As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela; Capitu enxugou-as depressa, olhando a furto para a gente que estava na sala. Redobrou de carícias para a amiga, e quis levá-la; mas o cadáver parece que a retinha também. Momento houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã.”

Bentinho concluiu daí que ela fora amante do amigo e que Ezequiel é definitivamente, filho do outro e não seu. Numa sexta-feira, ele pensou em suicídio e não consegue dormir por causa da ideia que teve. Janta fora, vai ao teatro assistir a peça Otelo de Shakespeare. O último ato faz Bentinho pensar que Capitu deveria morrer, não ele. De volta a casa, Bentinho volta a pensar em suicídio. Resolve esperar Capitu e o filho saírem para missa a fim de dar seguimento ao plano. Colocará droga no café do menino. Ouve a voz de Ezequiel no corredor. O menino entra e o chama de papai. Bentinho recua. O primeiro ímpeto de Bentinho é correr para o café e bebê-lo, mas outro impulso o conduz a perguntar ao menino se ele já havia tomado café. Observe:

“Chamem-me embora assassino; não serei eu que os desdiga ou contradiga; o meu segundo impulso foi criminoso. Inclinei-me e perguntei a Ezequiel se já tomara café.
— Já, papai; vou à missa com mamãe.
— Toma outra xícara, meia xícara só.
— E papai?
— Eu mando vir mais; anda, bebe!
Ezequiel abriu a boca. Cheguei-lhe a xícara, tão trêmulo que quase a entornei, mas disposto a fazê-la cair pela goela abaixo, caso o sabor lhe repugnasse, ou a temperatura, porque o café estava frio... Mas não sei que senti que me fez recuar. Pus a xícara em cima da mesa, e dei por mim a beijar doidamente a cabeça do menino.
— Papai! papai! exclamava Ezequiel.
— Não, não, eu não sou teu pai! “

Ao levantar a cabeça Bentinho deu de cara com Capitu que lhe pede explicações. Bentinho disse que havia coisas que não podiam ser explicadas. Insiste para que ele conte sobre pena de pedir a separação. Capitu vai a missa, na volta disse que a separação era indispensável e que estava aos olhos de Bentinho.

Bentinho encontrara uma solução melhor: a ideia era levar esposa e filho para Europa. Deixou-os na Suiça e voltou sozinho para o Brasil. Neste espaço de tempo, Capitu escreve cartas que são respondidas breve e secamente por Bentinho. Um ano depois, Bentinho embarcou, mas não foi ao encontro da mulher e do filho.

Na volta, inventou notícias da mulher para aqueles que perguntavam sobre Capitu. Morreu Dona Glória. Bentinho manda escrever em sua sepultura apenas uma palavra: santa.

José Dias vai morar com Bentinho. Já na casa nova, um dia Bentinho recebe a visita de Ezequiel que voltava para o Rio de Janeiro. Ezequiel,é o filho, fez com que ele esperasse uns 10 a 15 minutos na sala. Depois pensa que deve abraça-lo. Falar-lhe  da mãe que morrera e que estava enterrada  na Suiça.



Ao entrar na sala, dei com um rapaz, de costas, mirando o busto de Massinissa, pintado na parede. Vim cauteloso, e não fiz rumor. Não obstante, ouviu-me os passos, e voltou-se depressa. Conhece-me pelos retratos e correu para mim. Não me mexi; era nem mais nem menos o meu antigo e jovem companheiro do seminário de São José, um pouco mais baixo, menos cheio de corpo e, salvo as cores, que eram vivas, o mesmo rosto do meu amigo. Trajava à moderna, naturalmente, e as maneiras eram diferentes, mas o aspecto geral reproduzia a pessoa morta. Era o próprio, o exato, o verdadeiro Escobar. Era o meu comborço; era o filho de seu pai. Vestia de luto pela mãe; eu também estava de preto. Sentamo-nos.”

Bentinho domina a emoção. Estiveram juntos durante seis meses. Ezequiel, era arqueólogo, comentou um belo dia sobre uma viagem científica à Grécia, ao Egito e a Palestina que combinara com dois colegas. Bentinho prometeu arrumar o dinheiro para realização da viagem, mas o que ele deseja é que Ezequiel contraia lepra.

Ezequiel fez a viagem. Não morreu de lepra, mas de uma febre tifoide e foi enterrado nas imediações de Jerusalém.
Bentinho habituou-se à solidão. Quanto aos amores? Limitou-se depois de viúvo à relações superficiais com prostitutas e nenhuma delas, diz ele,  fez com que ele esquecesse sua primeira amada, a sua Capitu.

“Agora, por que é que nenhuma dessas caprichosas me fez esquecer a primeira amada do meu coração? Talvez porque nenhuma tinha os olhos de ressaca, nem os de cigana oblíqua e dissimulada. Mas não é este propriamente o resto do livro.
O resto é saber se a Capitu da Praia da Glória já estava dentro da de Mata-cavalos, ou se esta foi mudada naquela por efeito de algum caso incidente. Jesus, filho de Sirach, se soubesse dos meus primeiros ciúmes, dir-me-ia, como no seu cap. IX, vers. I: Não tenhas ciúmes de tua mulher para que ela não se meta a enganar-te com a malícia que aprender de ti. Mas eu creio que não, e tu concordarás comigo; se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca.E bem, qualquer que seja a solução, uma coisa fica, e é a suma das sumas, ou o resto dos restos, a saber, que a minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão extremosos ambos e tão queridos também, quis o destino que acabassem juntando-se e enganando-me... A terra lhes seja leve! Vamos à História dos Subúrbios.”

CONCLUSÃO:
"Meu Senhor, afastai-me do ciúme! Esse monstro de olhos verdes, que escarnece do próprio pasto que o alimenta. Quão felizardo é aquele enganado que consciente, não ama a sua infiel! Mas que torturas infernais padece o homem que, amando, desconfia, e, desconfiado, adora". Shakespeare em Otelo.
A transformação da personalidade de Bentinho/Dom Casmurro e suas personalidades paranóicas. O enigma é Bentinho, não Capitu, e as linhas tortuosas de suas memórias e de seu caráter compõem uma charada de difícil decifração. Mas há várias pistas: a metáfora dos “olhos de ressaca”, dos “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”; o paralelo com o drama shakespeariano de Otelo e Desdêmona; a aproximação com a ópera do velho tenor Marcolini (o duo, o trio e o quatuor); as “semelhanças esquisitas”; as relações “suspeitas” com Escobar no seminário; a lucidez de Capitu e o obscurantismo de Bentinho; a imaginação delirante e perversa do ex-seminarista e o preceito bíblico de Jesus, filho de Sirach, que bem poderia servir de epígrafe: “Não tenhas ciúmes de tua mulher para que ela não se meta a enganar-te com a malícia que aprender de ti”.

“O resto é saber se a Capitu da praia da Glória já estava dentro da de Matacavalos”
como quer o narrador, também o memorialista casmurro, esquisitão, quase homicida e suicida, e, sim, se já estava dentro do menino mimado, filhinho-da-mamãe, inseguro e possessivo, o Dom Casmurro.

POEMA: PROMESSAS DE UM MUNDO NOVO - THICH NHAT HANH

Prometa-me Prometa-me neste dia Prometa-me agora Enquanto o sol está sobre nossas cabeças Exatamente no zênite Prometa-me: Mesmo que eles Ac...