BENTINHO E SUAS NEUROSES
O narrador – Bento
Santiago, o Bentinho (Dom Casmurro - que em 1ª pessoa, inicia a narrativa
explicando o título da obra. Ele conta, que vindo da cidade para o Engenho Novo
onde ele mora, encontrou no trem da central um rapaz de seu bairro que o
conhecia apenas de vista. O rapaz o cumprimentou, falou da lua e acabou citando
versos para Bentinho. Como Bentinho estava cansado, fechou os olhos algumas
vezes, o que fez com que o poeta interrompesse a leitura e colocasse o seu
livro no bolso, irritado. .No dia seguinte, o poeta alcunhou Bento de Dom
Casmurro. Os vizinhos que também não gostavam muito do jeito recluso de Bento,
começaram a chamar-lhe de ” Casmurro “ também.
O narrador, que é o
próprio Bentinho explica o significado deste apelido: homem calado e metido
consigo e que Dom veio por ironia para denominar fidalguia, importância.
Explicado o título,
o narrador passa a escrever o livro. Eis os motivos que o levaram a escrever:
“O meu fim evidente
era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice e adolescência. Pois,
senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui.(...)”
“Ora, como tudo cansa, esta
monotonia acabou por exaurir-me também. Quis variar, e lembrou-me escrever um
livro. Jurisprudência, filosofia e política acudiram-me, mas não me acudiram as
forças necessárias. Depois, pensei em fazer uma História dos Subúrbios(...) ”
“Foi então que os bustos pintados nas paredes entraram a falar-me e
a dizer-me que, uma vez que eles não alcançavam reconstituir-me os tempos idos,
pegasse da pena e contasse alguns. (...)“
“Fiquei tão alegre com esta idéia, que ainda agora me treme a pena
na mão. Sim, Nero, Augusto, Massinissa, e tu, grande César, que me incitas a
fazer os meus comentários, agradeço-vos o conselho, e vou deitar ao papel as
reminiscências que me vierem vindo (...)
Percebam que esses
nomes: Nero, Augusto, Massinissa e César sugerem TRAIÇÃO. Ele irá se inspirar
nestes personagens para construir a sua obra, porém sabemos que, Dom Casmurro
foi inspirada no livro “Otelo” de Shakespeare. Temos aí um imitatácio, ou seja,
uma obra inspirada em outra que busca ficar melhor que a original.
Bento mora só, vive
com o criado e reproduziu no Engenho Novo, a casa em que viveu na Mata-Cavalos.
Numa tarde, na casa
da rua de Mata Cavalos – novembro de
1857 ao entrar na sala de visitas, criança ainda, Bentinho ouviu seu nome e
escondeu-se atrás da porta. José Dias, que era um agregado na casa de Dona Glória, mãe de Bentinho,
lembrou a ela que já era tempo de enviá-lo para o Seminário, pois se assim não
fizesse, ficaria mais difícil no futuro. Explicou que a dificuldade se
consistia em Bentinho já está com 15 anos e Capitu, tinha 14; (embora ela em termos de maturidade, estava bem à
frente deste) havia percebido que ambos
estavam se encontrando, estavam sempre juntos e em segredinhos . Dona Glória,
por sua vez, nunca desconfiara de nada entre o seu filho e a vizinha.
Dona Glória fizera
uma promessa de colocar o filho no Seminário e adiou o cumprimento da promessa
para Bentinho ficar a maior parte do tempo perto de si. Tio Cosme pergunta para
Dona Glória se havia realmente necessidade de torna-lo padre. Tia Justina não
opina e a mãe de Bentinho sai da sala chorando.
Bentinho ficou
estarrecido ao ouvir a revelação de José Dias. De fato, ele estava sentindo
algo por Capitu, mas não se dera conta disto.
José Dias é um
agregado da casa, tem 55 anos quando começa a narrativa, é bastante antiquado
no vestir e amava o superlativo. Vive com a família de Bentinho desde que ele
acabara de nascer. Pedro de Albuquerque Santiago era casado com Dona Maria da
Glória Santiago que possuem uma fazenda em Itaguaí. Um dia apareceu um homem
chamado José Dias dizendo-se médico homeopata. Um mentiroso. José Dias, se
passando por médico, curou um feitor e uma escrava da fazenda e logo ganhou a
simpatia do pai de Bentinho que lhe propôs ficar na fazenda por um pequeno
ordenado. Interesseiro, aceitou asa e
comida sem remuneração, salvo se quisessem lhe dar algum reconhecimento.
Um dia, pesou-lhe a
consciência e confessou que não era médico, mas não foi demitido, pelo
contrário, passou a ter muito prestígio na casa.
Vamos a um flash
back. Quando Bentinho tinha 4 anos, seu pai faleceu. Dona Glória tomou a
direção da casa e levou para morar consigo, dois parentes viúvos: o seu irmão
Cosme
( advogado gordo e bonachão) e a prima Justina ( uma mulher magra e
maledicente). Era conhecida como: a casa dos três viúvos.
Dona Glória, quando
perdeu o primeiro filho fez uma promessa: se o segundo filho viesse ao mundo,
ele iria para o seminário. Logo, Bentinho nasceu sobre promessa, daí o nome:
BENTO – o abençoado.
Dona Glória, muito
religiosa e temente a Deus, divulgou aos parentes e familiares, a promessa de
entregar o filho à igreja. Desde muito cedo acostumou o filho para uma futura
vida eclesiástica e o levava sempre a missa que era para ele aprender as
habilidades de um sacerdote. Convidou até o padre Cabral, que jogava gamão com
tio Cosme, para prepará-lo para o futuro religioso.
Bentinho após ouvir
a denúncia de José Dias ficou bastante assustado, correu até a varanda da casa,
meio atordoado, pernas bambas, coração querendo sair pela boca. Faltava-lhe
coragem para ir a casa do vizinho. Onde
moravam Capitu e seus pais (João e Fortunata).
Bentinho andava de
um lado para outro. Ouvia as vozes confusas se repetirem, no discurso de José Dias a Dona Glória: “
Sempre juntos e de segredinhos. Se eles pegam de namoro, Dona Glória...”
As pernas de
Bentinho pareciam prendê-lo ao chão. No final fez um esforço e entrou. Quem ele
viu? Capitu.
Ela estava em frente
ao muro de sua casa, riscando com um prego. Caminhou em direção a ela que
também vinha ao seu encontro, inquieta, perguntando-lhe: “O que é que você tem?
Ele respondeu: “EU?”
Bentinho queria
insistir que não tinha nada, mas não conseguiu falar. Era todo olhos e coração,
um coração com certeza, iria sair pela boca afora. Não podia tirar os olhos
daquela criatura de 14 anos: alva, forte e cheia; apertada em um vestido de
chita meio desabotoado. Capitu voltou a perguntar o que ele tinha. Bentinho
pensou em dizer que iria para o Seminário. Olhou para o muro e viu que
Capitulina havia riscado umas palavras nele. Ela tentou apagar, mas depois ele
viu que havia dois nomes: Bento e
Capitolina. Eles não falaram nada. O muro falara por eles.
Os pais de Capitu
eram pobres e foram protegidos de uma enchente por Dona Gloria, que passou ter
uma enorme ascendência moral sobre eles. Chegou mesmo, mais tarde, a impedir
que o pai de Capitu cometesse suicídio. Bentinho conta finalmente a Capitu a
promessa que sua mãe, Dona Glória fizera de manda-lo para o seminário. Capitu
perdeu o equilíbrio e acabou xingando Dona Glória. Mas depois, pensou um pouco
e traçou um plano para evitar a separação do amigo Bentinho. Ela sugere que
Bentinho conquiste José Dias para que ele o defenda diante de Dona Glória, no
sentido de convencê-la a não cumprir a promessa, para tanto Bentinho devia
fazer ver a José Dias quem seria o futuro dono da casa. A partir daí, o
agregado deveria tomar o partido de Bentinho, se quisesse continuar como
agregado. Mas, em vez de padre, Bentinho estudaria direito em São Paulo.
O Bentinho prometeu
rezar mil padre nossos e mil ave marias se o José Dias arranjasse para que ele
não fosse para o Seminário.
Bentinho comunicou o
pano a José Dias conforme quando eles estavam no passeio público.
O agregado achou
excelente a ideia de Bentinho, estudar leis, pois viu nela a hipótese de acompanha-lo
à Europa. José Dias prometeu interceder em seu favor junto à mãe, mas nesta
mesma conversa tentou rebaixar o vizinho Pádua dizendo que os olhos de sua
filha eram obras do diabo. Em seguida, criou a seguinte imagem para classificar
os mesmos olhos: “são assim, os olhos de cigana oblíqua e dissimulada.”
Passados alguns
dias, Bentinho quis olhar bem dentro dos olhos de Capitu para ver se a imagem
que Dias tinha descrito, conferira com o real. O que encontrou nos olhos de
Capitu foi um fluido misterioso e enérgico. Uma força que arrastara para dentro
como uma vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Quando se livrou do
encanto dos olhos da amiga, preferiu classifica-los como olhos de ressaca,
contudo jamais esquecera a imagem que fizera José Dias. Em seguida, Bentinho
vê-la sentar-se de costas para si e de frente para o espelho, queria pentear os
longos cabelos escuros e depois que ele os penteou, Capitu jogou bruscamente a
cabeça para trás e permaneceu nesta posição até que Bentinho a beijasse na
boca. Ele a beija sem reação nenhuma. Neste momento, chega Dona Fortunata e
Capitu recompõe-se depressa e dissimula mais uma vez. B
Bentinho ficou
calado, encostado na parede sem conseguir disfarçar sua emoção. Despediu-se das
duas e vai para sua lição de latim com padre Cabral. No quarto, sem querer,
acaba dizendo com orgulho: “sou um homem”. Repetiu mais uma vez.
Bentinho voltou para
casa de Capitu num dia que não teve aula e tentou roubar outro beijo dela.
Desta vez ela recusou. Quando Bentinho desistiu da intenção, depois de muita
insistência, Capitu beijou-o rapidamente. Chega o pai de Capitu.
À noite, Bentinho
conversa com sua mãe, confessou que não tinha vocação para padre e pediu-lhe
que desfizesse a promessa. Embora Dona Glória desejasse o mesmo para o filho não
atendeu ao pedido e fixou o prazo que ele entraria no Seminário, que seria
entre dois a três meses.
Bentinho no dia
seguinte, encontra-se com Capitu e diz a conversa que teve com a mãe. Capitu
ficou irritada com o prazo estipulado por Dona Glória. Ao perceber que Bentinho
não se oporia ao prazo da mãe, lançou-lhe na cara que ele haveria de batizar o
seu primeiro filho com outro homem. Essa briga aconteceu na beira do poço, no
quintal da casa de Capitu.
Bentinho desesperado
do que ouviu da boca de Capitu, fê-la jurar que ela só se casaria com ele. E
ambos juram que só se casarão um com o outro. Bentinho aceita a ideia de que
poderá ir para o Seminário, mas que não será ordenado padre. Capitu garantiu
que só se casará com ele, então...
Meses depois, entra
para o Seminário São José com uma condição de abandoná-lo no fim de um ano, caso não se revelasse a
vocação espontânea.
Bentinho agora no
Seminário, passa a visitar a família todo final de semana. Durante sua ausência,
Capitu ficou íntima de Dona Glória que começou a tratá-la por filha, dando-lhes
uns presentes e muita afeição.
Bentinho conheceu no
Seminário, outro jovem também sem nenhuma vocação religiosa como ele, mas com
grande paixão pelo comércio. Este rapaz veio de Curitiba e se chama Ezequiel de
Souza Escobar. Tornaram-se amigos e confidentes.
Passado algum tempo,
Dona Glória ficou doente e depois de cinco dias pediu para José Dias ir buscar
o seu filho para vir visitá-la. O agregado foi lá e disse a Bentinho que o
estado da mãe era gravíssimo. Bentinho então, visita a mãe e depois de vê-la
entra no quarto e promete rezar dois mil padre nosso se Deus salvasse a vida
dela. Logo, arrependeu-se da promessa pois sabia que suas promessas não tem
valor e não são cumpridas.
A mãe se recupera e
após seu restabelecimento, não retornou ao Seminário e foi à missa agradecer
pela melhora da mãe. Esteve com Sancha, que era amiga e companheira de colégio
de Capitu, cujo pai era viúvo e se chamava Gurgel. Voltou para casa e Bentinho
teve a surpresa da visita de Escobar, que mais tarde, ficaria impressionado com
a beleza de Dona Glória e com o seu dinheiro. Escobar, graças a sua fineza,
fez-se querido de todos. Dona Glória, com o passar do tempo foi apreciando a
união de Bentinho e Capitu.
Bentinho revela
novamente os seus ciúmes quando conversa com Capitu, pois passou um cavaleiro
certo dia, num cavalo em frente a sua casa e este ia para casa de sua namorada. Ele olhou
para Capitu e Capitu correspondeu. Bentinho viu esta cena e ficou desesperado.
Saiu da rua apressado e se recolheu na sala de visitas emburrado, jurando não
ir ver Capitu nunca mais que irá fazer-se padre.
Bentinho não saiu do
quarto, não quer jantar e dorme muito mal. No dia seguinte, alegou dor de
cabeça para não ir ao Seminário e foi procurar Capitu. Ela achou uma injúria,
uma ofensa o que Bentinho pensou dela.
Bentinho frágil e
inseguro, pega as suas mãos e as beija.
Bentinho retorna ao
Seminário. José Dias, ensinou para Bentinho que ele deveria simular sintomas de
tuberculose e buscasse melhores ares na Europa. Dona Glória já não esconde o
desejo de tirar Bentinho do Seminário, só não sabia como liquidar a promessa.
Quem irá dar a solução de Bentinho versus Seminário? Escobar.
Escobar sugere que
se financiasse a ordenação de um moço pobre, no lugar de Bentinho, cumprindo-se
então a promessa. E foi o que aconteceu. Escobar e Bentinho deixam juntos o
Seminário. Escobar entra para o comércio, depois de tomar dinheiro emprestado
de Dona Glória e se casou com Sancha.
Bentinho, aos 22
anos, bacharelou-se em Direito por São Paulo. Regressou ao Rio e casou-se com Capitu.
|Numa tarde chuvosa
de março de 1865, passam a residir no bairro da Glória. Depois de casadas,
Sancha e Capitu continuaram amigas. Escobar, ajuda Bentinho na sua estreia
profissional, fazendo-o um advogado famoso. Admite-o em sua Banca.
Nasce a filha de
Escobar e Sancha, deram-lhe o nome de Capitu em homenagem a esposa do Bentinho.
Os casais ficam cada vez mais íntimos. Ambos, os maridos, revelavam ciúmes das
esposas.
Bentinho e Capitu
viviam felizes, embora lamentassem a falta de um filho. A filhinha de Escobar já
tagarelava e brincava quando nasceu o
filho de Bentinho. Foi batizado com o nome de Ezequiel para retribuir a
homenagem.
Cinco anos depois,
Ezequiel se tornou um homem bonito, de olhos claros, gostava de imitar os
gestos e as atitude das pessoas. Zombava de todo mundo. Todo mundo ria. Imitava
bem o José Dias e Irmã Justina e todos que frequentavam sua casa.
Bentinho começa a
sentir ciúmes de Capitu. Sente-se aflito com qualquer gesto ou palavra dela.
Até mesmo com sua indiferença. Escobar mudou-se do Andaraí para o Flamengo e
ficou mais próximo do casal de amigos. Gostariam que os filhos crescessem
juntos, como Bento e Capitulina cresceram. Os casais visitam-se agora com mais
frequência.
Bentinho e Capitu
vão jantar na casa de Escobar para tratar de um projeto de família para os
quatros. Bentinho pergunta se Escobar entrará no mar no dia seguinte. Escobar
afirma que sim, apesar do mar estar bravio. Na hora da despedida, Bentinho
volta a falar com os olhos a Sancha e a mão dela aperta muito a dele,
demorando-se mais do que de costume. Bentinho acha que ela o deseja
sexualmente. Na manhã seguinte, Escobar vai mergulhar nas águas de ressaca do
mar e morre afogado.
No velório, Bentinho
notou que muitos homens e mulheres choravam, menos Capitu que amparava a viúva
Sancha e parece vencer-se a si mesma. Na despedida do corpo, supôs que Capitu
chorara e mirara o defunto:
“Enfim chegou a hora
da encomendação e da partida. Sancha quis despedir-se do marido, e o desespero
daquele lance consternou a todos. Muitos homens choravam, também, as mulheres
todas. Só Capitu, amparando a viúva, parecia vencer-se a si mesma. Consolava a
outra, queria arrancá-la dali. A confusão era geral. No meio dela, Capitu olhou
alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não
admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...
As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela; Capitu enxugou-as depressa,
olhando a furto para a gente que estava na sala. Redobrou de carícias para a
amiga, e quis levá-la; mas o cadáver parece que a retinha também. Momento houve
em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto
nem palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se
quisesse tragar também o nadador da manhã.”
Bentinho concluiu
daí que ela fora amante do amigo e que Ezequiel é definitivamente, filho do
outro e não seu. Numa sexta-feira, ele pensou em suicídio e não consegue dormir
por causa da ideia que teve. Janta fora, vai ao teatro assistir a peça Otelo de
Shakespeare. O último ato faz Bentinho pensar que Capitu deveria morrer, não
ele. De volta a casa, Bentinho volta a pensar em suicídio. Resolve esperar
Capitu e o filho saírem para missa a fim de dar seguimento ao plano. Colocará
droga no café do menino. Ouve a voz de Ezequiel no corredor. O menino entra e o
chama de papai. Bentinho recua. O primeiro ímpeto de Bentinho é correr para o
café e bebê-lo, mas outro impulso o conduz a perguntar ao menino se ele já
havia tomado café. Observe:
“Chamem-me embora assassino; não serei eu que os desdiga ou contradiga;
o meu segundo impulso foi criminoso. Inclinei-me e perguntei a Ezequiel se já
tomara café.
— Já, papai; vou à missa com mamãe.
— Toma outra xícara, meia xícara só.
— E papai?
— Eu mando vir mais; anda, bebe!
Ezequiel abriu a boca. Cheguei-lhe a xícara, tão trêmulo que quase a
entornei, mas disposto a fazê-la cair pela goela abaixo, caso o sabor lhe
repugnasse, ou a temperatura, porque o café estava frio... Mas não sei que
senti que me fez recuar. Pus a xícara em cima da mesa, e dei por mim a beijar
doidamente a cabeça do menino.
— Papai! papai! exclamava Ezequiel.
— Não, não, eu não sou teu pai! “
Ao levantar a cabeça Bentinho deu de cara com Capitu que lhe pede
explicações. Bentinho disse que havia coisas que não podiam ser explicadas.
Insiste para que ele conte sobre pena de pedir a separação. Capitu vai a missa,
na volta disse que a separação era indispensável e que estava aos olhos de
Bentinho.
Bentinho encontrara uma solução melhor: a ideia era levar esposa e filho
para Europa. Deixou-os na Suiça e voltou sozinho para o Brasil. Neste espaço de
tempo, Capitu escreve cartas que são respondidas breve e secamente por
Bentinho. Um ano depois, Bentinho embarcou, mas não foi ao encontro da mulher e
do filho.
Na volta, inventou notícias da mulher para aqueles que perguntavam sobre
Capitu. Morreu Dona Glória. Bentinho manda escrever em sua sepultura apenas uma
palavra: santa.
José Dias vai morar com Bentinho. Já na casa nova, um dia Bentinho
recebe a visita de Ezequiel que voltava para o Rio de Janeiro. Ezequiel,é o
filho, fez com que ele esperasse uns 10 a 15 minutos na sala. Depois pensa que
deve abraça-lo. Falar-lhe da mãe que
morrera e que estava enterrada na Suiça.
“Ao entrar na sala, dei com um rapaz, de costas, mirando o busto de
Massinissa, pintado na parede. Vim cauteloso, e não fiz rumor. Não obstante,
ouviu-me os passos, e voltou-se depressa. Conhece-me pelos retratos e correu
para mim. Não me mexi; era nem mais nem menos o meu antigo e jovem companheiro
do seminário de São José, um pouco mais baixo, menos cheio de corpo e, salvo as
cores, que eram vivas, o mesmo rosto do meu amigo. Trajava à moderna,
naturalmente, e as maneiras eram diferentes, mas o aspecto geral reproduzia a
pessoa morta. Era o próprio, o exato, o verdadeiro Escobar. Era o meu comborço;
era o filho de seu pai. Vestia de luto pela mãe; eu também estava de preto.
Sentamo-nos.”
Bentinho domina a
emoção. Estiveram juntos durante seis meses. Ezequiel, era arqueólogo, comentou
um belo dia sobre uma viagem científica à Grécia, ao Egito e a Palestina que
combinara com dois colegas. Bentinho prometeu arrumar o dinheiro para
realização da viagem, mas o que ele deseja é que Ezequiel contraia lepra.
Ezequiel fez a
viagem. Não morreu de lepra, mas de uma febre tifoide e foi enterrado nas
imediações de Jerusalém.
Bentinho habituou-se
à solidão. Quanto aos
amores? Limitou-se depois de viúvo à relações superficiais com prostitutas e
nenhuma delas, diz ele, fez com que ele
esquecesse sua primeira amada, a sua Capitu.
“Agora, por que é que nenhuma dessas
caprichosas me fez esquecer a primeira amada do meu coração? Talvez porque
nenhuma tinha os olhos de ressaca, nem os de cigana oblíqua e dissimulada. Mas
não é este propriamente o resto do livro.
O resto é saber se a Capitu da Praia
da Glória já estava dentro da de Mata-cavalos, ou se esta foi mudada naquela
por efeito de algum caso incidente. Jesus, filho de Sirach, se soubesse dos
meus primeiros ciúmes, dir-me-ia, como no seu cap. IX, vers. I: Não tenhas
ciúmes de tua mulher para que ela não se meta a enganar-te com a malícia que
aprender de ti. Mas eu creio que não, e tu concordarás comigo; se te lembras
bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a
fruta dentro da casca.E bem, qualquer que seja a solução,
uma coisa fica, e é a suma das sumas, ou o resto dos restos, a saber, que a
minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão extremosos ambos e tão queridos
também, quis o destino que acabassem juntando-se e enganando-me... A terra lhes
seja leve! Vamos à História dos Subúrbios.”
CONCLUSÃO:
"Meu Senhor, afastai-me do ciúme! Esse monstro de olhos
verdes, que escarnece do próprio pasto que o alimenta. Quão felizardo é aquele
enganado que consciente, não ama a sua infiel! Mas que torturas infernais
padece o homem que, amando, desconfia, e, desconfiado, adora". Shakespeare
em Otelo.
A transformação da personalidade de Bentinho/Dom Casmurro e suas
personalidades paranóicas. O enigma é Bentinho, não Capitu, e as linhas
tortuosas de suas memórias e de seu caráter compõem uma charada de difícil
decifração. Mas há várias pistas: a metáfora dos “olhos de ressaca”, dos “olhos
de cigana oblíqua e dissimulada”; o paralelo com o drama shakespeariano de
Otelo e Desdêmona; a aproximação com a ópera do velho tenor Marcolini (o duo, o
trio e o quatuor); as “semelhanças esquisitas”; as relações “suspeitas” com
Escobar no seminário; a lucidez de Capitu e o obscurantismo de Bentinho; a
imaginação delirante e perversa do ex-seminarista e o preceito bíblico de
Jesus, filho de Sirach, que bem poderia servir de epígrafe: “Não tenhas ciúmes
de tua mulher para que ela não se meta a enganar-te com a malícia que aprender
de ti”.
“O resto é saber se a Capitu da praia da Glória já estava dentro da de
Matacavalos”
como quer o narrador, também o memorialista casmurro, esquisitão, quase
homicida e suicida, e, sim, se já estava dentro do menino mimado,
filhinho-da-mamãe, inseguro e possessivo, o Dom Casmurro.