Observa-se
que todos os personagens têm problemas, mas ninguém têm a compaixão de estender
a mão ao outro, ou mesmo ouvi-los; como o professor que mantém-se agarrado às
grades da escola, num movimento de súplica(“Você consegue me ver aqui? Deus,
isso é tão terrível! Obrigado) ou, a conversa da suicida com o protagonista : (
“Você conversaria comigo? Quando você olha para mim é como você realmente me
visse”).
O título original do filme expõe toda a
problemática do filme. A palavra inglesa “Detachment” pode ser traduzida como
“desapego”, “distanciamento” ou “indiferença”. Isto é o que nos deixa claro nas
relações interpessoais.
O Substituto é um filme que tem como
protagonista o professor Henry, que faz substituições sem nunca assumir uma
vaga fixa. Chamado para realizar uma substituição numa escola caótica,
encontrará professores desmotivados, estudantes violentos e sem perspectiva de
futuro, desencantados da vida; alguns à procura de alguém em quem confiar para
substituir os pais ausentes ou negligentes.
Henry vive carregando uma história familiar
tortuosa, da qual não consegue se libertar. Cuida de um avó demente que está
numa casa de idosos.
Um dia, retornando para casa, depois de uma de suas
visitas, ele conhece Erica, uma jovem prostituta; ele a leva para casa, dá-lhe
atenção e carinho.Uma cumplicidade nasce desta relação, até que Henry decide
levá-la ao Conselho Tutelar. Mesmo assim, no final, é a única relação que nos
salva, dando-nos algum indício de otimismo para a vida de Erica.
Percebe-se que Henry não quer criar laços afetivos.
Outra personagem que destaco é Meredith,
uma jovem acima do peso que sofre bullying por sua condição. Ela tem um talento
especial para as artes, um interesse forte em fotografia e colagens, mas nenhum
apoio em casa. Sua vida é um mar de cobranças absurdas feitas por seu pai, que
a quer magra e feliz. Dentro do enredo do filme, Meredith é uma das mulheres
que serão essenciais para a trajetória de Henry.
A professora Sarah Madison, apesar de ter um papel pouco
expressivo, seria a segunda mulher essencial para Henry. Se Meredith é aquela
que o faz agir ativamente em prol de uma aluna, que o faz sair do campo da
indiferença, Sarah é aquela que o aproxima dos colegas de trabalho.
Uma cena que destaco é quando o professor Henry fala sobre
a importância da leitura como instrumento de libertação.
Destaco aqui as reflexões de Carlos Aguerrea:
“A vida é dura, complexa, confusa. A vida de todas
as pessoas, também daqueles que tentam
construir um futuro melhor, trabalhando para fazer a diferença. É difícil
libertar os outros sendo ainda escravo. É impossível achar o caminho certo,
enfrentar o caos da realidade, passar por cima de manipulações e humilhações,
assumir feridas e ofensas, estando sozinho. Todos nós precisamos de uma mão
amiga, alguém com quem caminhar, deixando para trás juízos, preconceitos,
análises simples e estereotipadas da vida e das pessoas, alguém que nos aceite
como somos e que saiba descobrir o tesouro existente dentro de nós. Essa
deveria ser a missão de todo educador. Neste mundo tão complexo, todos nós
deveríamos ser educadores e educandos, uns dos outros, para juntos descobrirmos o sentido da felicidade,
para não afundar no caos e na dor.”
Junto ao nosso protagonista aparecem outros
professores e diretores escolares, desencantados, decepcionados, frustrados, em
algum caso próximo já da demência. Os próprios problemas pessoais são
carregados dia e noite, sem solução, sem oxigenação, condicionando todas as
ações e decisões. Os problemas dos outros somente acrescentam mais carga de
culpa, de vergonha, de desespero. Sem confiança, sem esperança, sem horizonte
nem rumo, o professor acaba se transformando em vítima da vida, em objeto de
chacota, de humilhação por parte de todos. Não tem nada para oferecer para os
adolescentes porque não tem vida própria, somente um se arrastar dia após dia
pela realidade hostil e violenta. Neste tempo complexo e difícil somente os
indiferentes sobrevivem, mas isso é vida?
Um filme questionador, provocativo, que impacta e
nos leva a formular perguntas como: O que estamos fazendo com as nossas vidas?
Até que ponto vivemos apegados aos nossos dramas? Até que ponto somos
indiferentes diante da dor e sofrimento das outras pessoas? Que tipo de
educador somos? Qual é a nossa missão como educadores neste mundo caótico?
Para
terminar, deixo aqui alguns diálogos do protagonista, a maior parte tirados das
cenas que parecem mostrar a gravação de uma espécie de depoimento, de confissão
pessoal.
- “A
maioria dos professores aqui, em determinado ponto, acreditava que podia
fazer a diferença”.
- “Eu
sei como é importante ter um rumo e também ter alguém que possa ajudar a
entender as complexidades do mundo em que se vive”.
- “Eu
sou uma das poucas pessoas aqui que quer te dar uma oportunidade, agora eu
só vou pedir pra você sentar e fazer o seu melhor”.
- “Você
já foi usada e descartada tantas vezes que até se acostumou com isso”.
- “Eu
perco muito tempo tentando não me envolver, para não me comprometer”.
- “Devia
ter um pré-requisito, um currículo para poder ser pai, antes das pessoas
tentarem”.
- “Incoerência
é acreditar deliberadamente em mentiras sabendo que elas são falsas. Por
exemplo: eu preciso ser bonita para ser feliz... ser magra, famosa, estar
na moda... Os nossos jovens de hoje são ensinados que as mulheres são
prostitutas, vadias, coisas para serem fornicadas, espancadas,
envergonhadas. Isto é um holocausto publicitário, vinte e quatro horas por
dia, pelo resto de nossas vidas. Os poderes instituídos vivem nos
emburrecendo até a morte. Então, para nos defendermos e conseguirmos lutar
contra a assimilação dessa burrice em nossos processos mentais, temos que
aprender a ler, para estimular a nossa própria imaginação, para cultivar a
nossa própria consciência, nossos próprios sistemas de crenças. Todos nós
precisamos dessa competência para nos defender, para preservar as nossas
mentes”.
- “Todos
temos problemas, coisas com as quais temos que lidar, e todos nós levamos
eles para casa de noite, e levamos para o trabalho de manhã cedo. Eu acho
que tudo isso, essa impotência, essa constatação, esse mal presságio,
estar à deriva em um mar sem boia nem salva-vidas, quando você achou que
seria você quem jogaria a boia”.
- “Será
que você nunca sentiu, nunca quis mandar alguém se ferrar, ir para
inferno, porque a coisa está toda ferrada, a coisa está ferrada ou será
que você não viu?”.
- “O
coração inteligente de uma criança pode desvendar as profundezas do mundo
e dos locais sombrios, mas poderá entender o delicado instante de seu
próprio distanciamento?”
- “Nós
nascemos assim, não há o que fazer, a não ser reconhecer como as coisas
são injustas, e só isso não basta, eu não vou aguentar!”
- “Somos
todos iguais, todos nós sentimos dor, todos nós temos um caos em nossas
vidas. A vida é muito, muito confusa, eu sei, não temos todas as
respostas, mas eu sei que se você deixar rolar tudo dará certo”.
- “Eu
queria que tudo tivesse sido diferente, eu tentei, entendeu? O negócio é
que todos nós temos problemas e os nossos assuntos para cuidar. Alguns
dias são melhores que outros, outros já não são tão bons, e tem dias que
temos nosso espaço limitado por outras pessoas”.
- “Muitos
de nós acreditam que podem fazer a diferença e, quase sempre, nós
acordamos e constatamos o fracasso”.
- “Todos
precisamos de alguma coisa para nos distrair da complexidade da realidade.
Ninguém quer saber de onde tudo isso saiu. Ninguém quer saber da luta que
é necessária para poder se tornar homem, para sair do mar de dores do qual
todos temos que sair”.
- “Temos
essa responsabilidade de guiar os nossos jovens, para que eles não acabem
se desmoronando, para que não acabem caindo no esquecimento, se tornando
insignificantes”.
- “Estamos
fracassando. Fracassamos. Fracasso no sentido de que deixamos todo mundo
na mão, incluindo nós mesmos”.
- “Quando
se anda pelo corredor ou se está na sala, quantos de vocês já sentiram o
peso, fazendo pressão para baixo em vocês? Eu já.”
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