quarta-feira, 16 de maio de 2018

ENTREVISTA: LÁZARO E DIVA GUIMARÃES


Diva Guimarães, professora aposentada de Educação Física, tem o olhar sereno, a voz pausada e gestos delicados. O sorriso é contido. O semblante fechado é uma forma de defesa que encontrou na juventude para se proteger do preconceito.
Negra e pobre, desde muito cedo aprendeu que os excluídos só sobrevivem com perseverança, garra e muita luta. O que ela não sabia é que, aos 77 anos, sua história de vida e seus relatos iriam viralizar na internet e transformá-la em celebridade das redes sociais do dia para a noite.
Neta de escravos, filha de um ferroviário e uma lavadeira, a professora resumiu na FLIP do ano passado em Parati, sua trajetória de dor, humilhação e intolerância desde criança. O ator Lázaro Ramos não se conteve e chorou.Hoje são amigos e percebemos pela entrevista a admiração e o respeito de Lázaro pela diva DIVA.
Nascida em Serra Morena, distrito de Jataizinho, norte do Paraná, antes de completar 5 anos foi levada por freiras missionárias para estudar em São Paulo, na Creche Baroneza de Limeira. Era a maneira que a mãe encontrara para educá-la.
Os métodos de ensino rígidos e severos da época faziam das internas trazidas pelas missões, a maioria de pobres e negras, serviçais muitas vezes submetidas aos maus-tratos e ao trabalho pesado na limpeza do colégio.
O que mais marcou sua vida foi a história contada pelas freiras para explicar a origem dos negros. Segundo elas, Deus havia criado um rio por onde todos deviam atravessar. Os mais fortes e inteligentes foram aqueles que primeiro cruzaram as águas e se tornaram brancos e limpos.
Os negros, por sua vez, eram burros e preguiçosos por terem atravessado quando havia pouca água. Assim, apenas as palmas das mãos e as plantas dos pés ficaram brancas. Diva Guimarães ainda hoje se emociona ao lembrar.
“A agressão física, as chibatadas cicatrizam e adormecem. Mas a palavra não cicatriza. Fica incrustada na alma, tortura e não se apaga. Imagina isso na cabeça de uma criança de 5 anos, pobre e negra.”
Aos 9 anos, ela voltou para a casa dos pais. Durante décadas guardou uma revolta da mãe por ter sido entregue àquelas freiras e vivido naquele colégio. Só a perdoou quando conseguiu entender que, na ânsia de educá-la, a mãe não conseguira encontrar outro caminho, esta que trocava seus serviços por uniforme e material escolar para a filha poder frequentar a escola.
“O sofrimento da vida me fez rebelde. Pensava em desistir de estudar. Mas minha mãe foi o motivo pelo qual eu não sucumbi.”
Logo se tornaria uma leitora voraz. Aos 10 anos leu a biografia de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. “A coragem, sua luta na defesa dos pobres e contra as injustiças me fascinaram. Meu sonho era fazer parte do seu bando”, recorda e sorri.
O livro inesquecível de sua adolescência foi, no entanto, Barro Blanco, de José Mauro de Vasconcelos, além da obra de Jorge Amado. “Gosto de autores que retratam a história a partir de uma visão social. De perceber o contexto e as denúncias que fazem nas entrelinhas.”
Em Curitiba, graduou-se em Educação Física e Fisioterapia. Nem a formação superior foi capaz de atenuar o preconceito e a intolerância. “Curitiba, por sua formação cultural, é uma cidade muito preconceituosa. Mas nunca desisti de lutar.”
A experiência em Paraty motivou-a ainda mais na defesa das minorias. “Minha voz veio do fundo da alma. Falei pela minha mãe, pelos negros e pelos milhões de oprimidos que não têm voz. Foi uma catarse. Enquanto tiver forças vou seguir em frente.”
Para Diva Guimarães, a guerra contra o preconceito só terá avanço pela educação e à medida que os jovens, tanto negros quanto brancos, se engajarem nesse processo. “As cotas para negros nas universidades é um grande avanço. Os filhos dos cotistas terão melhores condições de vida que a minha geração. Os oprimidos precisam falar e se fazer ouvir.”
A prova maior de que a musa da Flip acredita no que diz é que ela nunca se casou nem quis ter filhos. “Não iria suportar ver meu filho passar por tudo que passei.” Diva sonha com o dia em que todos os negros, filhos da senzala, terão os mesmos direitos dos nascidos na casa-grande. “Não queremos privilégios, mas as mesmas oportunidades.” .


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