Diva Guimarães, professora aposentada de Educação
Física, tem o olhar sereno, a voz pausada e gestos delicados. O sorriso é contido.
O semblante fechado é uma forma de defesa que encontrou na juventude para se
proteger do preconceito.
Negra e pobre, desde muito cedo aprendeu que os
excluídos só sobrevivem com perseverança, garra e muita luta. O que ela não
sabia é que, aos 77 anos, sua história de vida e seus relatos iriam viralizar
na internet e transformá-la em celebridade das redes sociais do dia para a
noite.
Neta de escravos, filha
de um ferroviário e uma lavadeira, a professora resumiu na FLIP do ano passado
em Parati, sua trajetória de dor, humilhação e intolerância desde criança. O
ator Lázaro Ramos não se conteve e chorou.Hoje são amigos e percebemos pela
entrevista a admiração e o respeito de Lázaro pela diva DIVA.
Nascida em Serra Morena, distrito de Jataizinho, norte do Paraná,
antes de completar 5 anos foi levada por freiras missionárias para estudar em
São Paulo, na Creche Baroneza de Limeira. Era a maneira que a mãe encontrara
para educá-la.
Os métodos de ensino rígidos e severos da época faziam das
internas trazidas pelas missões, a maioria de pobres e negras, serviçais muitas
vezes submetidas aos maus-tratos e ao trabalho pesado na limpeza do colégio.
O que mais marcou sua vida foi a história contada pelas freiras
para explicar a origem dos negros. Segundo elas, Deus havia criado um rio por
onde todos deviam atravessar. Os mais fortes e inteligentes foram aqueles que
primeiro cruzaram as águas e se tornaram brancos e limpos.
Os negros, por sua
vez, eram burros e preguiçosos por terem atravessado quando havia pouca água.
Assim, apenas as palmas das mãos e as plantas dos pés ficaram brancas. Diva
Guimarães ainda hoje se emociona ao lembrar.
“A agressão física, as chibatadas cicatrizam e adormecem. Mas a
palavra não cicatriza. Fica incrustada na alma, tortura e não se apaga. Imagina
isso na cabeça de uma criança de 5 anos, pobre e negra.”
Aos 9 anos, ela voltou para a casa dos pais. Durante décadas
guardou uma revolta da mãe por ter sido entregue àquelas freiras e vivido
naquele colégio. Só a perdoou quando conseguiu entender que, na ânsia de
educá-la, a mãe não conseguira encontrar outro caminho, esta que trocava seus
serviços por uniforme e material escolar para a filha poder frequentar a
escola.
“O sofrimento da vida me fez rebelde. Pensava em desistir de
estudar. Mas minha mãe foi o motivo pelo qual eu não sucumbi.”
Logo se tornaria uma
leitora voraz. Aos 10 anos leu a biografia de Virgulino Ferreira da Silva,
o Lampião. “A coragem, sua luta na defesa dos pobres e contra as
injustiças me fascinaram. Meu sonho era fazer parte do seu bando”, recorda e
sorri.
O livro inesquecível de
sua adolescência foi, no entanto, Barro Blanco, de José Mauro de Vasconcelos,
além da obra de Jorge Amado. “Gosto de autores que retratam a história a
partir de uma visão social. De perceber o contexto e as denúncias que fazem nas
entrelinhas.”
Em Curitiba, graduou-se em Educação Física e Fisioterapia. Nem a
formação superior foi capaz de atenuar o preconceito e a intolerância.
“Curitiba, por sua formação cultural, é uma cidade muito preconceituosa. Mas
nunca desisti de lutar.”
A experiência em Paraty motivou-a ainda mais na defesa das minorias.
“Minha voz veio do fundo da alma. Falei pela minha mãe, pelos negros e pelos
milhões de oprimidos que não têm voz. Foi uma catarse. Enquanto tiver forças
vou seguir em frente.”
Para Diva Guimarães, a
guerra contra o preconceito só terá avanço pela educação e à medida que os
jovens, tanto negros quanto brancos, se engajarem nesse processo.
“As cotas para negros nas universidades é um grande avanço. Os filhos
dos cotistas terão melhores condições de vida que a minha geração. Os oprimidos
precisam falar e se fazer ouvir.”
A prova maior de que a
musa da Flip acredita no que diz é que ela nunca se casou nem quis ter filhos.
“Não iria suportar ver meu filho passar por tudo que passei.” Diva sonha com o
dia em que todos os negros, filhos da senzala, terão os mesmos direitos
dos nascidos na casa-grande. “Não queremos privilégios, mas as mesmas oportunidades.”
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário