Sobre essa música, disse Renato: “Aquela pergunta
não é uma pergunta, é uma exclamação! Porque quem me diz que país é este são as
pessoas que vivem aqui. A gente tem um material fabuloso a ser trabalhado aqui
no Brasil. A gente percebe certas coisas: tem muita gente trabalhando, tem
muita gente fazendo muita coisa boa. O Brasil é também um país de Primeiro
Mundo. Aqui , num raio de dez quilômetros, vai ver quantas locadoras de vídeos
têm. É Primeiro Mundo também! Agora, só para uma parte das pessoas.(1989)” Fala de Renato.
Uma música escrita em 1978 para o então Aborto
Elétrico, primeira banda de Renato, só lançada em disco em 1987 no terceiro
trabalho da Legião Urbana. Já no encarte a própria banda comenta as músicas
demonstra que apesar de serem canções antigas, ainda são atualíssimas no atual
cenário político-social: “as letras
dessas nove canções refletem uma ingenuidade adolescente mas só por terem sido
escritas há quase nove anos atrás. A temática continua atual, às vezes até
demais”.
Exclamação ou pergunta, a pontuação é a mesma: uma
reflexão sobre a situação do país. A irreverência está não só por ter sido
composta em 1978, plena ditadura militar como, sobre tudo, na sua constante
contemporaneidade, e ainda hoje, aproximando do fim da segunda década do
século XXI, há muita sujeira para todos os lados da sociedade.
Postas numa mesma
sentença, favela e Senado não se distinguem. No verso seguinte o motivo da
semelhança “Sujeira pra todo lado”.
Em dois extremos: o lugar de todo poder (aqui o Senado pode muito bem
representar os três poderes) e o lugar de poder nenhum. Mas se acrescentarmos
às favelas a figura de poder do traficante, onde ele quem faz e executa as
leis, julga e condena, protege e violenta o povo, verificamos que essa
comparação não é tão paradoxal. O lixo que povoa os dois lugares. Não há uma só
“qualidade” de lixo. É o lixo moral, o lixo comercial, o lixo intelectual,
enfim, lixo representando tudo aquilo que não presta. No verso seguinte, a
canção sentencia: “Ninguém respeita a
constituição”, nenhuma pessoa respeita a constituinte, a carta magna, o que
regulamenta a nação. Nem mesmo os que criam e votam as leis muito menos àqueles
que deveriam vivenciar tais leis. Até aqui a letra apresenta uma visão niilista
da situação, está tudo um caos nos vários setores da sociedade. Contudo, no
verso seguinte, há um operador “mas”, onde tudo o que fora dito primeiramente, é ligado (ironicamente) por um argumento decisivo “todos acreditam no futuro da nação”. Por mais que as coisas estejam ruins, ainda há a
esperança de que tudo vai ser melhor num futuro, que como propõe a
contemporaneidade da canção, nunca chega. Altamente atemporal. Fico a questionar...até quando viveremos assim? Como se estivêssemos naturalizando a corrupção e tudo o que há de destrutivo na nação.
Nas favelas, no Senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da naçãoQue país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?No Amazonas, no Araguaia
Na baixada fluminense
Mato Grosso, Minas Gerais
E no Nordeste tudo em pazNa morte eu descanso
Mas o sangue anda solto
Manchando os papéis
Documentos fiéis
Ao descanso do patrãoQue país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?Terceiro mundo se for
Piada no exteriorMas o Brasil vai ficar rico
Vamos faturar um milhão
Quando vendermos todas as almas
Dos nossos índios num leilãoQue país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
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