segunda-feira, 28 de outubro de 2019

GIBRAN: A PRECE


Oração vem da palavra oratium = falar daquilo que te vai a  alma; tender para aquilo que é divino. Quando eu tendo para aquilo que é divino, eu é quem estou indo para esta direção. Não estou puxando nada de lá para cá. Não estou tomando, estou dando!

Então é interessante que , quando temos problemas lembramos de Deus e quando não temos, lembramos de nós; ou seja, nas dádivas EU ! Nas necessidades alguém tem de me ajudar. Isto reflete uma postura muito esvaziada da oração e da própria noção de sagrado que temos nos nossos dias.



                                   E uma sacerdotisa disse:

                                   Fala-nos da prece.



Quem pergunta é uma sacerdotisa. A ideia do sacerdote, do pontífice foi utilizado muitas vezes pelo filósofo na história; não como uma pessoa que se dedica exclusivamente a uma doutrina religiosa, mas como aquele que faz ponte entre o céu e a terra. Filósofos, como Platão, consideravam o artista, o legislador...como um verdadeiro pontífice porque trazem coisas do plano das ideias pra terra e traz na íntegra; sem contaminá-las no meio do caminho.

Isso pra eles é uma ponte.

Na verdade, todo aquele que constrói algo para humanidade está fazendo uma ponte entre o céu e a terra.

Kant, que é um filósofo moderno do grande racionalismo clássico, falava algo muito interessante sobre a palavra respeito. “ È o mais nobre sentimento. Respeito vem de respício – olhar mais uma vez, saber ver.” Ele dizia: Você não respeita um ser humano. Sabe o que você respeita: A humildade e sabedoria do ser humano de subordinar as estruturas pessoais para que a lei passe através dele e a humildade e a sabedoria deste ser humano de canalizar isto; - que nunca o faz apenas por si. Então, você sabe ver o que passa através dessa pessoa – um pontífice- faz uma ponte entre o céu e a terra, logo, este conceito não fica restrito apenas a um sacerdote de uma religião.



                                   Vós rezais nas vossas aflições e necessidades;

                                   Pudésseis rezar também na plenitude de

                                   Vossa alegria e nos dias de abundância.



Não tem muito sentido que nós só oremos no momento em que nos sentimos vazios porque isso é como se fosse um eterno doente; e nunca um médico; um eterno egoísta e nunca um generoso sempre querendo absorver.

Você vai perceber que a oração, ou espírito do sagrado é o momento onde o homem transborda e não quando ele vive a vazante, quando vive a enchente, quando ele se aproxima da unidade.

Segundo o antropólogo Mircea Eliade- o sagrado é a função de dar sentido. Cada coisa quando está no seu lugar se sacraliza.

Imaginem o Sol nascendo ou se pondo. Ele faz exatamente o que se espera do SOL. É sagrado.

Uma flor quando desabrocha na primavera, não é maravilhosa? Não faz exatamente o que se espera de uma flor? É sagrado.

E quando um homem desabrocha em valores, virtudes e sabedoria, não é lindo também? E não é exatamente o que se espera do homem? È sagrado também.

As coisas se justificam,  se embelezam, se realizam quando aquilo que se espera delas no esquema da Natureza.

Quando um homem se desabrocha em valores, virtudes e sabedoria, ele desabrocha em identidade, em realização. Não é mau que se procure o sagrado quando não encontramos respostas, mas é mau que vivamos sempre fazendo um acordo de cavalheiros em relação a isso. Porque é como se fosse dois mundos: eu tenho os meus objetivos – egoístas e voltados meramente para sobrevivência e só recuo com o TUDO, quando me falta subsídios para viver o meu mundinho.  Eu não participo de um grande mundo, eu coloco esse grande mundo como patrocinador do meu pequeno mundo para preencher as necessidades que eu tenho eventualmente.

Chega um determinado momento, porque é curioso quando se passa por uma decadência materialista.

Muitas vezes tratamos o Sagrado como utilitário para os meus interesses pessoais. Existe uma conjugação, um acordo de cavalheiros entre mim e o sagrado para que as minhas necessidades sejam preenchidas, mas eu não vou até lá; ele que vem até mim.

Existe uma passagem das Mil e uma Noites: Aladim e a lâmpada Maravilhosa. Aladim está andando por um deserto e acha a lâmpada, o que ele faz: Esfrega ela três vezes e sai de dentro da lâmpada um gênio. O gênio não está em todos os lugares, só está na lâmpada. E quando Aladim executa aquele procedimento, o gênio sai para quê? Para atender os desejos de Aladim, única e exclusivamente. É a utilidade do gênio. Temos uma relação com o Sagrado através de um determinado procedimento padrão e este sagrado surge diante de nós, para quê? Para atender os meus desejos. E qual é a grande sacada de Aladim que faz esta história especial? Ele abre mão dos seus desejos e liberta o gênio da lâmpada que passa a não estar mais só dentro da lâmpada, mas em todos os lugares. Ele sacraliza a vida. Ele abre mão dos seus desejos e liberta o gênio da lâmpada   que passa a não estar mais só dentro da lâmpada, mas em todos os lugares. Ele sacraliza a vida. Ele abre mão dos seus desejos, do seu egoísmo, do seu mundinho particular e com isto ele liberta o gênio que passa a estar em todos os lugares e toda a vida se torna sagrada.



                                   Pois o que a oração,

                                   Senão a expansão do vosso ser

                                   No Éter vivente?



Ou seja, é a tua expansão, não é a tua coerência. É o teu transbordar; não é vazante. É a tua busca da unidade.

No livro “A voz do silêncio” diz: que o maior mal do homem é a heresia da separatividade. É eu achar que estou separado de você. Ou seja, você é um ser, eu sou outro totalmente independente. Porque a partir desta ideia falsa, vão surgir na minha cabeça, todas as demais. Se você é uma pessoa e eu outra completamente diferente... o teu mal pode me beneficiar. Tomar alguma coisa de você pode ser mal para você e bom pra mim. Percebe? Porque nós somos duas. E se eu percebo que somos um?

O teu mal é o meu mal. O teu bem é o meu bem. Você percebe que cairia por terra todo o edifício de egoísmo que a gente construiu?

A ideia da expansão do homem, do crescimento do homem, que é o destino de todos os seres humanos, é superar a separatividade. É expandir. É rumo à unidade.

Esses momentos que ele conquista um pouco dessa visão vai além do pequeno eu. Esses são os momentos mais sagrados da sua vida. E este é o momento da oração. Esse é o momento de consagração da vida. Por que só na carência?

Não tem problemas que de vez em quando busquemos uma explicação, um sentido sagrado na carência, mas que isto seja atônica de o pedido ter se tornado sinônimo de oração...significa que somos carentes demais ou só queremos as coisas pra nós ou temos pouca plenitude. Temos buscado muito pouco a unidade. Alguma coisa está faltando....Porque é estranho que a oração c tivesse transformado na linguagem comercial, só em compras. E a venda, cadê?

Está faltando um pedaço da história. Se estamos fazendo a coisa pela metade, somos meios homens e vivemos meia vida.



E, se vos dá conforto

exalar vossas trevas no espaço,

maior conforto serieis

quando exalardes

a aurora do vosso coração.



Muito maior conforto se tem o homem quando ele faz aquilo que lhe corresponde no esquema da Natureza que é transbordar como ser humano, ter plenitude. Se traz algum conforto exalar as angústias, está bem; isto ameniza suas angústias, mas compartilha a sua plenitude também, que você vai ver que te traz um conforto muito maior.

Há dores e dores porque não distinguirmos as coisas, as tratamos de maneira inadequada e perdemos oportunidade de crescer. Uma coisa é a dor do egoísmo, de querer algo só para mim: uma coisa é a dor do materialismo de não ter todo reconhecimento pessoal que eu gostaria; ...você percebe que é uma dor mórbida; é uma dor que não faz bem; é uma dor que alimenta aquilo que temos de mesquinho. Outra coisa é a dor de eu perceber que deixei para trás algo que me prendia; deixei para trás um estado de consciência que eu superei.

Entreguei algo que traz felicidade a quem recebe. Você percebe que às vezes dói também., mas é uma dor construtiva. Nem sempre a dor destrói, às vezes é uma dor de crescer. Crescer dói. É uma dor de renovação.

Então, de uma certa maneira a gente tem de aprender a ter dois tipos de  dores da personalidade que se sente carente. Porque excesso de carência significa que você está pensando demais em si próprio.

Essa dor de expandir, essa dor de crescer limites não é negativa.

Imagine o por do Sol subindo no Horizonte. E o corpo do Sol sumindo e os raios vermelhos que parece rastro de sangue. Esta imagem faz uma analogia ao crescimento humano, pois todo aquele que sempre ocupa em trazer luz para o mundo  parece que deixa um pouco de sangue pelo caminho. Tem uma certa dor nisto. Deixa coisas para trás, pois tem o esforço de crescer; o esforço de se renovar e de abandonar posições que o limitavam, de abandonar egoísmo que o travavam. Fica um pouquinho de sangue  pra trás. Mas a cada dia que surge, fica mais glorioso por isso!

Essa dor de nunca ter as coisas, ela é nociva.

A dor de entregar as coisas é construtiva, significa: estou expandindo, crescendo. É quando a criança quando nasce o dentinho, dói.

Expandir também provoca uma certa dose de dor. Então deveríamos ter essa dore ao mesmo tempo esse prazer da plenitude. Não só dor e o prazer do egoísmo. E também deveríamos compartilhá-la através da oração. Inclusive, se o compartilhamos temos mais estímulos para viver.

 Quando você dar, você faz mais esforço para ter.



                                   E, se não podeis

                                   reter as lágrimas

                                   quando vossa alma

                                   vos chama para orar,

                                   ela vos deveria esporear                       

                                   repetidamente,

                                   embora chorando,

                                   até que aprendésseis

                                   a orar com alegria.



 
Observe: Só no momento em que você tem dor, você se preocupa em buscar o Sagrado.
E o que é que a vida vai fazer com você? Vai te dar mais dor. É a única forma. Só quando você sofre, lembra-se  de procurar algo maior do que você mesmo, a vida vai te fazer sofrer mais. Não necessitaria ser assim... mas é conforme o gosto do freguês, então pode ser uma dor construtiva, uma dor mórbida, mas se é a dor, vai ser a dor. Se é a alegria, então virá também a alegria. O importante é que o homem vá ao ponto certo.

                                   Quando rezais, vos ele vais
                                   até encontrardes, nas alturas,
                                   aqueles que estão orando
                                   à mesma hora, e que,
                                   fora da oração,
                                   talvez nunca encontrásseis...

A tradição egípcia em relação à pirâmide, existe uma representação gráfica muito interessante: Perceba que quando nós estamos subindo a pirâmide, nós estamos subindo a pirâmide,. Nós estamos mais próximos entrenós até que nos fundimos num ponto;
quando descemos a pirâmide, nós nos afastamos. Não é natural isto? Uma consequência geométrica da forma da pirâmide. Então você tem um bom sintoma, se você está subindo ou descendo. Isto significa que as pessoas te aceitarão, mas que você entenderá melhor com aquilo que elas são. Terá um maior grau de compaixão; uma possibilidade de achar o lugar certo de cada ser, de cada coisa...
Uma melhor possibilidade de convivência, uma maior harmonia consigo mesmo e consequentemente com o meio, pois a harmonia não pode depender do meio.
A harmonia tem que depender de nós. A harmonia é multifacetada para que você consiga mudar todas as coisas de si mesmo, de tal maneira que você encaixa com todas ela se acha uma relação de tempo; espaço/ ritmo onde todas as coisas se harmonizam.
Um sintoma de que você está subindo, é esta harmonia. Esta capacidade de compreensão. Diz-se que todos esses que vão na mesma direção tem um determinado momento, em que se encontra num ponto de tal maneira que pode ser que um ser humano que você conheça que está vivendo esse mesmo estado de espírito e vive do outro lado do mundo te pareça mais conhecido do que o teu vizinho de porta.
Se tem este mesmo espírito e está buscando esse mesmo ponto, de alguma maneira um reconhece no olho do outro que já se encontraram; que buscam alguma coisa em comum.
É interessante que esta ideia do Sagrado é muito requintada e é difícil a gente entender porque ela não se prende a formas.
Pode ser que um indígena, numa tribo primitiva esteja colocando uma pedra em cima do outro e aquilo representa o sagrado; e esteja mais próximo de você do que alguém que esteja sentado ao seu lado num templo suntuoso. Depende do espírito que está por trás disso! Para onde se dirige a consciência, porque se ela ascende em direção a um ponto, essa pessoa está do teu lado e as distâncias não são meramente física.
A pirâmide tem o significado de que a medida que o homem se unifica, se harmoniza, ele está mais próximo de Deus, que é o exemplo do uno. Deus é o único atributo que nós podemos encontrar, porque qualquer outra coisa o limita. A busca da unidade é um ponto muito importante.





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