O que lhe vem à mente quando você pensa na palavra “vulnerabilidade”? Possivelmente surgem situações associadas à fragilidade, à fraqueza ou a algo que deveria ser fortemente evitado, não é mesmo? Pensamos que não devemos nos colocar em situações vulneráveis e associamos tal estado a emoções que queremos evitar como o medo, a vergonha e a incerteza. No entanto, existem pesquisas muito interessantes que nos mostram outro lado dessa característica e do poder e impacto que criamos em nossas vidas quando permitimos a expressão da vulnerabilidade.
Um dos TEDs (palestras disponibilizadas na internet) que mais me impactou é o da pesquisadora americana Brené Brown. Ela relata que, ao iniciar suas pesquisas na área de assistência social, encontrou nas pessoas com dificuldades em estabelecer conexões verdadeiras em suas relações uma forte correlação com a vergonha e que, no âmago deste sentimento, existia uma sensação de vulnerabilidade extremamente dolorosa. Imaginou então que se aprofundasse sua pesquisa na busca de caminhos para diminuir esta vulnerabilidade, poderia reverter a sensação de vergonha e consequentemente ajudar pessoas a fortalecer seus relacionamentos. Com isso, as tornaria mais plenas e felizes.
Curiosamente não foi o que encontrou. Ao analisar centenas de entrevistas, identificou que no grupo de pessoas capazes de estabelecer conexões fortes e verdadeiras (que também tinham fortes sensações de pertencimento e de valor próprio), duas características estavam sempre presentes: a vulnerabilidade e a coragem, sendo as duas intimamente correlacionadas.
A vulnerabilidade neste contexto significa a disposição de se expor, de se expressar de uma forma autêntica e franca, de fazer coisas sem garantia, de correr riscos. Quando as pessoas se desarmavam e se arriscavam a tirar a armadura que as protegiam, abriam-se também às experiências que traziam propósito e significado às suas vidas. Para este grupo, a sensação de vulnerabilidade não era confortável, mas também não era dolorosa. Acreditavam simplesmente que esse sentimento era necessário para fortalecer suas relações.
A segunda característica era a coragem que possuíam. Não em um sentido de bravura, mas a de contar sua estória, mostrando quem se é de todo o coração; a coragem de ser autêntico de uma forma compassiva consigo mesmo e de mostrar suas imperfeições. Para se conectar, é preciso deixar a pessoa que você acha que deveria ser ir embora para dar lugar a quem você realmente é. Ou seja, se não conseguimos ser autênticos com compaixão, não conseguimos nos conectar verdadeiramente ao outro.
Atualmente, no meu trabalho como consultor de empresas, muito do meu foco e energia está em ajudar grupos de pessoas a encontrar e liberar sua potência, na busca de seu propósito e de seus objetivos. Potência esta que está adormecida em grande parte das organizações. Um dos principais caminhos para encontrar esta potência adormecida vem através da criação de contextos onde é possível se estabelecer diálogos robustos e verdadeiros. Onde o essencial, aquilo que realmente precisa ser dito, vem à tona.
Minha experiência tem mostrado que momentos mágicos acontecem quando os integrantes destes grupos se despem de suas armaduras, de seus medos de serem julgados, avaliados, de não corresponderem às expectativas dos outros e se expressam nesta forma vulnerável com uma autenticidade compassiva.
Um ponto relevante é que a maior parte das pessoas não está treinada e habituada com este tipo de expressão. Boa parte dos diálogos que presenciamos no dia-a-dia se manifesta através de julgamentos, críticas e exigências. Outro aspecto é que quando este tipo de diálogo está sendo travado, as pessoas têm um nível de consciência muito baixo de como estão se sentindo e das necessidades não atendidas que acabam gerando estes sentimentos.
Quando ouvimos críticas e nos sentimos julgados, frequentemente somos levados a um espaço onde não nos sentimos vistos e reconhecidos e assim emoções como raiva, tristeza, culpa ou medo, nas suas múltiplas miríades, naturalmente emergem. E se não sabemos lidar com estas situações, nossas emoções negativas podem tomar o controle e nos ligamos automaticamente, neurobiologicamente na verdade, ao modo que nossos ancestrais das savanas já operavam para sobreviver, lutando, fugindo ou, às vezes, simplesmente congelando.
Nestes momentos, quando ouvimos críticas ou julgamentos, um bom caminho para reverter a relação destrutiva é o de entrar neste espaço de vulnerabilidade, de autenticidade compassiva, reconhecendo o que estamos sentindo, assim como o que o interlocutor sente e sua necessidade por trás do que expressa.
Há duas coisas muito interessantes que acontecem quando somos capazes de expressar o que sentimos. A primeira é que quando falamos na primeira pessoa através do “Eu estou me sentindo…”, dizemos algo que é incontestável. Ninguém pode dizer que não está sentindo. Pode no máximo falar que não teve determinada intenção ao usar o “sinto muito”.
A segunda é que ao expressar nossos sentimentos e nossas necessidades fundamentais criamos um natural campo de conexão. As necessidades humanas fundamentais são poucas em número e todos nós as possuímos em maior ou menor intensidade. Todos nós temos necessidade de sermos reconhecidos, respeitados, apoiados, amados. Temos necessidade de sentir que pertencemos, de sermos criativos, autênticos e de buscar propósito e significado. Quando nos colocamos nesta posição de vulnerabilidade e expressamos tais necessidades, naturalmente criamos uma conexão humana com nossos interlocutores, já que eles também as possuem.
O mundo em que vivemos está cada vez mais complexo e um dos aspectos mais interessantes da ciência que estuda tal complexidade é que um fator crítico para a evolução de “sistemas complexos”, como nossas famílias, as organizações em que trabalhamos e nossa sociedade, é a qualidade de conexão e da relação entre seus elementos. Assim sendo, se realmente quisermos que cada um destes “sistemas” dos quais participamos, de fato, evolua, é preciso nos colocar mais e mais neste espaço de vulnerabilidade.
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