O livro de Conceição Evaristo, “Olhos d’água” reúne 15 contos lindos, que você se emociona
horrores e muitas vezes tem de descansa
um pouco para suspirar, pois alguns temas são bastante fortes.
Segundo a escritora “Eu me
orgulho muito da minha formação e hoje posso afirmar que, se um ambiente
letrado produz sensibilidade para escrita e para leitura, o ambiente
não-letrado, com outras formas e experiências culturais, também produz. É uma espécie de
vingança porque, uma vez já tendo o texto escrito, no meu caso e no de outras
escritoras negras, é estar numa posição que a vida, de um modo geral, não
permite.A pobreza é um lugar de aprendizagem,
mas só quando você a ultrapassa. Se não, é uma situação apenas de dor. Para
mim, a pobreza foi um lugar de profunda aprendizagem, mas é porque estou aqui
agora. Para a grande parte que não consegue estar, a pobreza não é para ser
contada.”
Vou destacar 3 contos : OLHOS D’ÁGUA,
A GENTE COMBINAMOS DE NÃO MORRER E AYOLUWA, A ALEGRIA DE NOSSO POVO.
O
primeiro conto “Olhos d’água” é um
resgate biográfico. Traz um pouco da história da própria Conceição, refletindo
sua ancestralidade. Olhos d’água na vida real era uma região de Belo Horizonte que, na época, ela saía para
buscar lenha. Conto que dá o título ao livro é narrado por uma
das sete filhas de uma mulher negra e pobre que fazia sacrifícios para
sustentar e criar estas crianças. Hoje, ela já adulta, fora de sua cidade
relembra histórias da infância da própria mãe, mas admite que as
lembranças confundem-se com suas
próprias vivências , então um dia,
acorda com uma dúvida: a cor dos olhos de sua mãe, que cor teria?.
“Sendo a primeira de sete filhas, desde cedo
busquei dar conta de minhas próprias dificuldades, cresci rápido, passando por
uma breve adolescência. Sempre ao lado de minha mãe, aprendi a conhecê-la.
Decifrava o seu silêncio nas horas de dificuldades, como também sabia
reconhecer, em seus gestos, prenúncios de possíveis alegrias.Naquele momento,
entretanto, me descobria cheia de culpa, por não recordar de que cor seriam os
seus olhos.”.
No
de correr do conto, relembra fatos de uma
infância sofrida, onde mesmo passando necessidades, mas não deixava de
sonhar. Sendo esta a realidade de vários brasileiros.
“Eu me lembrava também
de algumas histórias da infância de minha mãe. Ela havia nascido em um lugar
perdido no interior de Minas. Ali, as crianças andavam nuas até bem grandinhas.
As meninas, assim que os seios começavam a brotar, ganhavam roupas antes dos
meninos. Às vezes, as histórias da infância de minha mãe confundiam-se com as
de minha própria infância. Lembro-me de que muitas vezes, quando a mãe
cozinhava, da panela subia cheiro algum. Era como se cozinhasse, ali, apenas o
nosso desesperado desejo de alimento.”
Depois
de voltar a sua cidade natal e já sabendo da cor dos olhos de sua mãe, faz uma
analogia entre a cor dos olhos da mãe e os olhos de sua filha.
“Hoje, quando já
alcancei a cor dos olhos de minha mãe, tento descobrir a cor dosolhos de minha
filha. Faço a brincadeira em que os olhos de uma se tornam o espelho para os
olhos da outra.”
O
final é uma grande surpresa quando sua filha sussurra sobre a cor única de seus
olhos. Afinal, a filha começa a perceber quão grandioso ser ela tem como mãe.
“Eu escutei quando,
sussurrando, minha filha falou:
— Mãe,
qual é a cor tão úmida de seus olhos?”
A gente combinamos de não morrer
Dorvi,
companheiro de Bica, lembra do juramento feito a outros meninos do morro: “ A
gente combinamos de não morrer.” Assim que o seu filho nasce, reflete:
“Pois é, meu filho nasceu. Um pingo de gente.
Quando Bica me mostrou nem tive coragem de olhar direito. Pequeno, tão pequeno!
Deveria ter ficado na barriga da mulher, ou melhor, incubado como semente
dentro do meu caralho. Quis cutucar o putinho com a ponta de minha escopeta.
Bica se afastou como se o filho fosse só dela. Não sei para que o medo.”
Idago, irmão de Bica, desde os
onze anos já começou a ferir o código de honra na escola, quando traiu os
colegas confessando a verdade para a diretora. Agora homem, também já dentro do
tráfico, morre quando ia descendo o morro. Para Bica, sua irmã:
“O saber compromete, penso eu. Idago sabia, falou, dançou.
Morreu. Feriu o código de honra, a palavra dada. A palavra que não se escreve,
pois escrita está na palma e na alma de cada um. Épreciso trazer sempre a mão
aberta. O jogo é limpo. Traiu, caiu. Idago mereceu. Aliás,era traidor desde
menino.”
Dorvi emprestou dinheiro do tráfico, sabia que seu
fim estava próximo, mas queria acertar contas com o seu devedor primeiro.
Comenta sobre o prazer de viver no perigo que chegou a gozar nas calças quando,
pela primeira vez, atirou. Mas sonha com a morte do seu devedor: “Quero boiar no profundo fundo do mar. Quero o fundo do
mar-amor, onde deve reinar calmaria. É lá no profundo fundo que vou construir
um castelo para a morada de meu filho. Bica, predileta minha, vai também. Ela
sabe que da ponta da escopeta também sai carinho. No fundo do mar, mundo algum
explode. Bica, dileta minha, a vida explode.”
Chega
um momento em que Dorvi matara Neo, colega ali do morro e estava sumido.
Ninguém sabe aonde anda Dorvi. Por fim, Bica começa a desenvolver a cada dia
uma habilidade que ela tinha, a escrita, e termina comentando:
” Eu sei que não morrer, nem sempre é viver. Deve haver
outros caminhos, saídas mais amenas. Meu filho dorme. Lá fora a sonata seca
continua explodindo balas. Neste momento, corpos caídos no chão, devem estar
esvaindo em sangue. Eu aqui escrevo e relembro um verso que li um dia.“Escrever
é uma maneira de sangrar”. Acrescento: e de muito sangrar, muito e muito...”
Ayoluwa, a alegria de nosso povo
Eis
que surge esperança na fecundação de um novo ser. Barmidele, a esperança, anuncia que irá ter um
filho.
“Sabíamos que estávamos parindo em nós mesmo uma nova vida.
E foi bonito o primeiro choro daquela que veio para trazer a alegria para o
nosso povo. O seu inicial grito, comprovando que nascia viva, acordou todos
nós. E partir daí tudo mudou. Tomamos novamente a vida com as nossas mãos.”
A
criança representa a reafirmação diante da vida como em : Morte e vida Severina
que diante de tanta miséria termina com a vida que insiste em florescer.. Segundo Conceição, foi da resistência dos povos africanos e
de seus descendentes na diáspora que ela retirou a inspiração para escrever : “Ayoluwa, a alegria
de nosso povo”.
Por
fim: “Mas Ayoluwa, alegria de nosso povo, e sua mãe,
Bamidele, a esperança, continuam fermentando o pão nosso de cada dia. E quando
a dor vem encostar-se a nós, enquanto um olho chora, o outro espia o tempo
procurando a solução.”
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