quarta-feira, 13 de junho de 2018

LIVRO DE CONTO : OLHOS D'AGUA



Conceição Evaristo nasceu em 1944 e foi criada junto com dez irmãos pela mãe e pela tia em uma favela de Belo Horizonte (MG). Inserida num ambiente de miséria, cresceu conciliando os estudos com o trabalho de empregada doméstica. Formada e sem oportunidade de trabalho, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde estudou Letras na Universidade Federal e começou a dar aulas. Hoje é Mestra em literatura brasileira pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ) e doutora em literatura comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Tem seis livros publicados,  sendo "Olhos D'água" ganhador do prêmio Jabuti 2015 na categoria Contos e Crônicas.
          O livro de Conceição Evaristo,  “Olhos d’água”  reúne 15 contos lindos, que você se emociona horrores e muitas vezes tem de  descansa um pouco para suspirar, pois alguns temas são bastante fortes.
            Segundo a escritora “Eu me orgulho muito da minha formação e hoje posso afirmar que, se um ambiente letrado produz sensibilidade para escrita e para leitura, o ambiente não-letrado, com outras formas e experiências culturais, também produz.  É uma espécie de vingança porque, uma vez já tendo o texto escrito, no meu caso e no de outras escritoras negras, é estar numa posição que a vida, de um modo geral, não permite.A pobreza é um lugar de aprendizagem, mas só quando você a ultrapassa. Se não, é uma situação apenas de dor. Para mim, a pobreza foi um lugar de profunda aprendizagem, mas é porque estou aqui agora. Para a grande parte que não consegue estar, a pobreza não é para ser contada.”
          Vou destacar 3 contos : OLHOS D’ÁGUA, A GENTE COMBINAMOS DE NÃO MORRER E AYOLUWA, A ALEGRIA DE NOSSO POVO.
O primeiro conto “Olhos d’água  é um resgate biográfico. Traz um pouco da história da própria Conceição, refletindo sua ancestralidade. Olhos d’água na vida real  era uma região de Belo Horizonte que, na época, ela saía para buscar lenha. Conto que dá o título ao livro é narrado por uma das sete filhas de uma mulher negra e pobre que fazia sacrifícios para sustentar e criar estas crianças. Hoje, ela já adulta, fora de sua cidade relembra histórias da infância da própria mãe, mas admite que as lembranças  confundem-se com suas próprias vivências , então um dia, acorda com uma dúvida: a cor dos olhos de sua mãe, que cor teria?.
            “Sendo a primeira de sete filhas, desde cedo busquei dar conta de minhas próprias dificuldades, cresci rápido, passando por uma breve adolescência. Sempre ao lado de minha mãe, aprendi a conhecê-la. Decifrava o seu silêncio nas horas de dificuldades, como também sabia reconhecer, em seus gestos, prenúncios de possíveis alegrias.Naquele momento, entretanto, me descobria cheia de culpa, por não recordar de que cor seriam os seus olhos.”.
No de correr do conto, relembra fatos de uma  infância sofrida, onde mesmo passando necessidades, mas não deixava de sonhar. Sendo esta a realidade de vários brasileiros.
“Eu me lembrava também de algumas histórias da infância de minha mãe. Ela havia nascido em um lugar perdido no interior de Minas. Ali, as crianças andavam nuas até bem grandinhas. As meninas, assim que os seios começavam a brotar, ganhavam roupas antes dos meninos. Às vezes, as histórias da infância de minha mãe confundiam-se com as de minha própria infância. Lembro-me de que muitas vezes, quando a mãe cozinhava, da panela subia cheiro algum. Era como se cozinhasse, ali, apenas o nosso desesperado desejo de alimento.
Depois de voltar a sua cidade natal e já sabendo da cor dos olhos de sua mãe, faz uma analogia entre a cor dos olhos da mãe e os olhos de sua filha.
“Hoje, quando já alcancei a cor dos olhos de minha mãe, tento descobrir a cor dosolhos de minha filha. Faço a brincadeira em que os olhos de uma se tornam o espelho para os olhos da outra.”
            O final é uma grande surpresa quando sua filha sussurra sobre a cor única de seus olhos. Afinal, a filha começa a perceber quão grandioso ser ela tem como mãe.
“Eu escutei quando, sussurrando, minha filha falou:
            — Mãe, qual é a cor tão úmida de seus olhos?”

A gente combinamos de não morrer
           O segundo conto : Neste conto temos vários personagens que se entrelaçam na narração dos fatos: Darvi, Bica, Idago e Esterlinda (mãe de Bica e Idago.
Dorvi, companheiro de Bica, lembra do juramento feito a outros meninos do morro: “ A gente combinamos de não morrer.” Assim que o seu filho nasce, reflete:
 “Pois é, meu filho nasceu. Um pingo de gente. Quando Bica me mostrou nem tive coragem de olhar direito. Pequeno, tão pequeno! Deveria ter ficado na barriga da mulher, ou melhor, incubado como semente dentro do meu caralho. Quis cutucar o putinho com a ponta de minha escopeta. Bica se afastou como se o filho fosse só dela. Não sei para que o medo.”
              Idago, irmão de Bica, desde os onze anos já começou a ferir o código de honra na escola, quando traiu os colegas confessando a verdade para a diretora. Agora homem, também já dentro do tráfico, morre quando ia descendo o morro. Para Bica, sua irmã:
O saber compromete, penso eu. Idago sabia, falou, dançou. Morreu. Feriu o código de honra, a palavra dada. A palavra que não se escreve, pois escrita está na palma e na alma de cada um. Épreciso trazer sempre a mão aberta. O jogo é limpo. Traiu, caiu. Idago mereceu. Aliás,era traidor desde menino.”
Dorvi emprestou dinheiro do tráfico, sabia que seu fim estava próximo, mas queria acertar contas com o seu devedor primeiro. Comenta sobre o prazer de viver no perigo que chegou a gozar nas calças quando, pela primeira vez, atirou. Mas sonha com a morte do seu devedor:Quero boiar no profundo fundo do mar. Quero o fundo do mar-amor, onde deve reinar calmaria. É lá no profundo fundo que vou construir um castelo para a morada de meu filho. Bica, predileta minha, vai também. Ela sabe que da ponta da escopeta também sai carinho. No fundo do mar, mundo algum explode. Bica, dileta minha, a vida explode.”
            Chega um momento em que Dorvi matara Neo, colega ali do morro e estava sumido. Ninguém sabe aonde anda Dorvi. Por fim, Bica começa a desenvolver a cada dia uma habilidade que ela tinha, a escrita, e termina comentando:
” Eu sei que não morrer, nem sempre é viver. Deve haver outros caminhos, saídas mais amenas. Meu filho dorme. Lá fora a sonata seca continua explodindo balas. Neste momento, corpos caídos no chão, devem estar esvaindo em sangue. Eu aqui escrevo e relembro um verso que li um dia.“Escrever é uma maneira de sangrar”. Acrescento: e de muito sangrar, muito e muito...”

Ayoluwa, a alegria de nosso povo
        O terceiro conto: Este conto há algo profético: Primeiro de que a vida é cíclica VIDA X MORTE. Segundo,  a esperança nos liberta um pouco da dor vivida por uma comunidade que aos poucos vai desaparecendo através de vários aspectos, principalmente o social : desemprego, drogas, violência... até a Natureza é reflexo deste estado de espírito em que tudo parece morrer com o tempo:mãos para o trabalho, alimentos, água, matéria para os nossos pensamentos e sonhos, palavras para as nossas bocas, cantos para as nossas vozes, movimento, dança, desejos para os nossos corpos.”
Eis que surge esperança na fecundação de um novo ser.  Barmidele, a esperança, anuncia que irá ter um filho.
“Sabíamos que estávamos parindo em nós mesmo uma nova vida. E foi bonito o primeiro choro daquela que veio para trazer a alegria para o nosso povo. O seu inicial grito, comprovando que nascia viva, acordou todos nós. E partir daí tudo mudou. Tomamos novamente a vida com as nossas mãos.”
            A criança representa a reafirmação diante da vida como em : Morte e vida Severina que diante de tanta miséria termina com a vida que insiste em florescer..  Segundo Conceição, foi da resistência dos povos africanos e de seus descendentes na diáspora que ela retirou  a  inspiração para escrever : “Ayoluwa, a alegria de nosso povo”.
            Por fim: “Mas Ayoluwa, alegria de nosso povo, e sua mãe, Bamidele, a esperança, continuam fermentando o pão nosso de cada dia. E quando a dor vem encostar-se a nós, enquanto um olho chora, o outro espia o tempo procurando a solução.”

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