HUMAN é um belíssimo documentário do cineasta francês
Yann Arthus-Bertrand que passou três anos viajando e conversando
com pessoas de diferentes continentes sobre vários temas: amor, morte,
guerra, felicidade..Não é um simples documentário, pois suas imagens já nos
remete a uma grande obra. Os cenários naturais alguns com uma trilha sonora que
aquece a nossa alma, nos deixa extasiados com tanta beleza, como as dunas no Paquistão, lencóis maranhences, o voo dos pássaros no Quênia..
Nos 60 países que percorreu,
conseguiu registrar o depoimento de 2000 pessoas das quais foram selecionados
200, entre eles, quatro brasileiros.
“Eu sonhei com um filme em que a
força das palavras ampliasse a beleza do mundo. As pessoas me falaram de tudo;
das dificuldades de crescer, do amor e da felicidade. Toda essa riqueza é o
centro do filme HUMAN. Esse filme representa todos os homens e mulheres que me
confiaram suas historias. O filme se tornou um mensageiro de todos eles“,
afirma Arthus-Bertrand no site do projeto. O documentário foi dividido em 3
volumes.
Destacarei aqui, algumas falas
que me tocaram em cada volume. O VOL.1 trata dos temas como o amor e suas particularidades.
Observamos na fala de Leonard, dos
EUA, um sentimento de arrependimento e
conforto. O primeiro sentimento, por ter
cometido dois homicídios e o segundo,por ter descoberto o sentimento – amor –
através da mãe e avó das vítimas. Seus olhos se enchem de lágrimas e a sua voz
em determinado momento fica embargada por outra voz que o silencia.
“ Eu me
lembro que meu padrasto me batia com extensões elétricas, cabides, pedaços de pau,
um monte de coisa.Sempre me dizia: “Dói mais em mim que em você.Só fiz isso
porque te amo.” Ele me transferiu uma ideia errada do que era o amor. Durante
muitos anos, achei que o amor tinha de fazer o mal. Eu fazia mal a todo mundo
que eu amava. Eu media o amor em relação à dor que alguém pudesse suportar. Foi
só quando vim para cadeia, esse ambiente desprovido de amor, que comecei a
entender melhor o que era o amor ,
porque viu além de minha condição, condenado à prisão perpétua pelo pior tipo
de assassinato: o de uma mulher e de uma criança. Foi Agnes, mãe e avó de
Patrícia e Chris, minhas vítimas, quem me deu minha melhor lição de amor. Ela
tinha todo direito de me odiar. Mas não me odiava. Com o passar do tempo, nessa
jornada que fizemos juntos...Foi incrível. Ela me deu amor. Ela me ensinou o
que era o amor.”
O Japonês, Sunao, nos conta sua desafiante e linda história
de amor. Conforta-nos perceber que no momento em que o casal estava tecendo
algemas para um cativeiro, eles construíram asas para a sua liberdade e refizeram o seu
destino.
“Como fui irradiado pela bomba atômica em Hiroshima, os pais
de minha namorada eram contra o casamento. E como não podíamos ficar juntos,
tomamos uma decisão: “Já que nosso amor é proibido nesse mundo, vamos nos amar
no além”. E tomamos soníferos para morrer juntos. Não sei se por sorte ou azar,
eu recobrei os sentidos. Depois nós choramos, os dois na colina. Como não
podíamos ficar juntos nesse mundo, queríamos morrer juntos, mas não
conseguimos. Que destino horrível! Choramos de toda alma. Foi isso o que
aconteceu. Minha saúde estava mais ou menos, mas eu sobrevivi. Os pais dela
acabaram permitindo. Depois de 7 anos e meio, finalmente pudemos nos casar.
Tendo vivido uma história como essa, quando encontro alguma dificuldade na
vida, eu penso nessa história e consigo superar tudo. Nós fomos um casal
maravilhoso.”
A Mexicana, Saul Morgana, nos
relata com muita naturalidade os seus medos, conquistas e toda mudança física,
psicológica e social que enfrentou sendo uma mulher transexual.
“Eu me apaixonei pela primeira vez aos doze anos. Sofri muito
por esse garoto porque não me dava bola. Claro... Ele não podia se apaixonar
por outro menino. Mas eu pensava: “ Sou uma menina. Por que ele não gosta de
mim?” Enfim, esse foi meu primeiro amor. Quer dizer, de infância. Meu primeiro
amor de verdade, amor no sentido real da palavra, foi aos 22 anos, por um homem
maravilhoso que até hoje é um dos meus melhores amigos. Foi muito complicado
,porque coincidiu com o momento em que decidi fazer minha transição sexual.
Decidi virar o que tentava ser desde pequeno: uma mulher. E foi complicado. Mas
foi muito lindo, muito lindo.”
No Senegal a cultura é totalmente
diferente da nossa, o depoimento de Aidra sobre a sua relação com o marido é de
muito orgulho e companheirismo. Ela se
sente privilegiada por ele ter apenas 2 mulheres, num país que você pode ter
até dez e também por ser a primeira, pois parece que isto é motivo de brio.
“Meu marido tem 2 mulheres. Ele é polígamo, tem
2 mulheres. Aqui no Senegal, com a poligamia, uns homens têm 4 mulheres. Outros
têm 3 ou 2. Mas alguns só têm 1 mulher. Eles escolhem. Têm homens com 6,7,8,9
até 10! Mas meu marido tem 2. Duas mulheres. Eu sou a primeira, a outra é a
segunda. Vivemos em harmonia. Ela é minha amiga. Ela me ama de verdade e eu a
ela.”
O VOL.2 trata dos temas da guerra, da morte e do perdão.
Achei o segundo volume o que mais me causou inquietações, por ver
depoimentos de pessoas tão jovens falar sobre algo tão brutal como uma guerra.
Alguns demonstrando não terem mais sentimentos, outros revoltados ...os dois
depoentes declaram a sua indignação pela guerra. A guerra na Síria , por
exemplo, está prestes a completar seu sexto ano, já morreram mais de 270.000
pessoas e provocou a maior crise migratória na história da Europa, desde a
segunda Guerra Mundial. Gerando assim,
sentimentos como iremos observar através dos relatos abaixo:
“Dois
partidos, ambos sírios, aos quais são filiados meus amigos e minha família;
estão dispostos a pegar em armas para matar o próximo. Só por política. Eles
esquecem o essencial: a humanidade. Política são relações entre grandes nações
e gente graúda. Nós somos pessoas simples. Não vamos mudar nada. Eu vi a morte
com meus olhos. Vi amigos no chão sem respirar mais. Quando as explosões
começaram, algumas foram perto da minha casa. Meu táxi ficou todo comprimido.
Ali, vi sangue, pernas, cabeças e braços pelo chão. Quando vi tudo aquilo,
fiquei tomado de tristeza. O homem pode virar um monstro. Não confio mais em
ninguém além de mim mesmo. Acabou. Por essa razão, me desinteressei pela alma :
o ser humano em todos os seus aspectos perdeu todo o significado.”
“Uma noite, quando eu era reservista, minha
unidade devia impedir um atentado suicida capturando um terrorista num povoado
perto de Shrem. Mobilizei nossas forças. Para desentocá-lo, disparamos nas
paredes como demonstração de força. Uma mulher saiu da casa com uma garotinha
nos braços e outra segurada na mão. Eram 3 da madrugada. Apavorada, a menina
correu em nossa direção. Tive medo que ela fosse atingida. Gritei em árabe para
ela parar. Ela continuou. Disparei por sobre a cabeça dela. Ela parou. Naquele
instante o tempo parou. Foi o momento mais curto e mais longo da minha vida. A
garotinha ficou viva. E eu também. Mas ao mesmo tempo, algo morreu em nós dois.
Quando se dispara numa criança, mata-se algo nela, embora eu não saiba o quê.
Quando um adulto dispara numa criança, mata algo em si. Algo morre e outra
coisa tem de nascer. Tive vergonha de disparar nela. Uma vergonha dolorosa.
Acima de tudo lembro a sensação do meu dedo puxando o gatilho e disparando na
garotinha. Desse dedo no gatilho tinha de nascer algo novo.”
O VOL.3 trata dos temas da felicidade, da
educação, da deficiência, da corrupção e do sentido da vida.
Quando perguntam a Nade da Etiópia, o que é
educação, ele responde com muita simplicidade e clareza, num país em que o IDH
é um dos menores do mundo, metade dos etíopes sofrem de subnutrição e o índice
de analfabetismo é 64%, porém ele tem
consciência do poder de transformação
que a educação pode exercer num cidadão. Como bem falava Mandela: “a educação é a arma mais poderosa que você pode
usar para mudar o mundo.”
“Educação é uma coisa boa. Quem estudou pode
mudar as coisas. É preciso mudar porque não está bom assim. Nossa região
precisa melhorar, os tiroteios e as brigas devem parar. A paz deve voltar para
o nosso país. Os outros podem sempre se enganar, mas nós que estudamos, vamos
poder aconselhá-los. A paz vai voltar. É o que eu acho.”
Enquanto alguns anseiam pelo
supérfluo, outros gostariam de ter apenas o necessário, então quando perguntam
a Prasad da Índia, o que é felicidade, ele
responde:
“A
felicidade para mim é ter o que comer. Se eu tivesse 5 katha, 650m² de terreno e um lugar para dormir; se eu
tivesse eletricidade e não ficasse no escuro, eu seria feliz.Mas durmo no chão,
sem nem sequer um lençol. Durmo sobre feno. A eletricidade traria luz para a
vida dos meus filhos.”
A história de Sophie da Irlanda,
nos prova que existem pessoas como Paul, seu professor de Educação Física, que
fez toda diferença em sua vida. Sophie desacreditava até dela mesma, quando
encontra alguém com uma nobreza de alma que a acolhe e faz com que ela se
perceba que na vida encontramos pessoas que cultivam grandes virtudes como:
generosidade, paciência, ética e outras virtudes que fazem com que não deixemos
de ter esperança na vida.
“O momento decisivo da minha vida foi quando eu
morava num refúgio para mulheres, num apartamento social. Vi um amigo morrer
tragicamente de overdose. Tive de dizer aos pais dele, no Tribunal porque
aquele garoto tinha perdido a vida. Eu me vi diante de 2 caminhos: segui-lo
rumo à morte ou fazer algo com a minha vida. Dias depois fui ao colégio do
bairro e pedi a eles: “ Por favor, me ensinem. Eu quero aprender.” Tinha um
professor incrível lá na época. Ele se chamava Paul. E Paul me disse: “Venha
aprender comigo. Ensino Educação Física e quero você nas minhas aulas, Sophie.”
Lembro que pensei : “Esse cara é demais!” Ele me aceita sem eu ter
qualificações. Paul me pegava nas pensões para os sem-teto e me levava ao
ringue de boxe.Um dia, eu estava lutando com Paul, dando socos na barriga dele.
Ele gritava de dor. Perguntei qual era o problema e ele disse que tinha câncer
no estômago. Paul passou os últimos dois anos da vida interagindo comigo para
me fazer acreditar em mim mesma. Ele morreu antes de eu me formar, mas acreditou
que eu podia entrar na universidade. E ele fez isso tudo nos dois últimos anos
da vida. É preciso ser alguém excepcional para encarar a morte e se dizer: “Não vou desistir, vou ajudar as
pessoas a acreditarem em si.” Ele fez isso por mim e me fez perceber que eu
podia vencer.”
Esta é uma pequena mostra da grandiosidade do documentário! Onde
um universo de multiplicidade cultural e social estão presentes ali, ricos,
pobres, negros, brancos, cristãos, muçulmanos..que mexem com os nossos
sentimentos, ora nos fazendo rir, refletir, chorar, repensar o que nos
torna e nos faz humanos.
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