quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

CONTO: QUANDO ELA SE FOI



Estava eu no Pilates, quando chega uma colega e comenta que perdera o pai. Bem, neste momento, ficamos muitas vezes sem palavras, até porque, quem já perdeu seus familiares sabem a tamanha dor..então como sabia que ela ama gatos, comentei:
-Li um conto que me lembrei de você!!! Na verdade, era uma forma de dizer ’eu posso acalentar tua dor através de algumas palavras que não são minhas, mas que as contemplo e que tenho certeza que te confortarão’. Logo que cheguei em casa enviei para ela o texto.
Gosto da maneira como  este conto nos mostra as perdas, a nossa dor e suas soluções. Afinal, quem vem para este Planetinha e não tem suas horas de dores e tristezas?  Parece que hoje temos de estar eternamente felizes e de bem com a vida.
Não gostaria que a minha colega se libertasse da dor, gostaria apenas que ela observasse que existem possibilidades, caminhos para amenizá-la. A dor é um elemento para instigar a nossa consciência para novos valores, ela nos convida a crescer, não obriga. Então, o que é bom, não é o que nos agrada, mas o que nos faz crescer e liberta.
Tudo parece um pouco sem sentido quando falo isto, mas quero dizer que conheço muitas pessoas que vivem analisando seus problemas em fatos do passado. Fechar ciclos é fundamental para nossa existência. Vontade de crescer está mais baseada em síntese voltada para o futuro. Eu quero, eu posso e .. vida que segue...
Não esquecendo nunca de que estamos numa escada e os obstáculos surgem para irmos para um  outro patamar e não,  permanecermos no mesmo...alguns preferem regredir..sentem-se cansados..exaustos.
Temos sempre de nos perguntar: “o que a vida está querendo me ensinar com isto?” Depois, da situação passada, quando conseguimos atravessar os obstáculos e estamos num outro nível de consciência, quando olhamos para trás, respiramos aliviados e dizemos para nós mesmos: “Gratidão!!! O que passei me permitiu ver melhor, ser melhor e consegui sobreviver.
É difícil? Sim, dificílimo, mas não é impossível. É um aprendizado diário.E não sou uma excelência no assunto, mas tento não me vitimar com as adversidades da vida. Tento ser otimista e esperançosa. Segue o conto abaixo

Quando ela se foi
Ela era uma linda gatinha, de apenas seis meses. Brincávamos muito, e ela me fazia sentir mais criança que ela mesma. Quando a levei para castrar, pensei:  “-Ficará enjoadinha e eu a mimarei por alguns dias.” O telefonema dizendo que ela não tinha resistido e faleceu me feriu como um golpe, aquele das coisas duras da vida, quando não esperamos por elas, e se tornam ainda mais duras pelo fator da surpresa.
Ela chegou num momento muito especial para mim; era mais que um animal de estimação: era encanto, era alegria, era pureza. Era o focinho mais molhado do universo, ao encostar no meu nariz, ato mágico que levava embora todas as tristezas. Dois olhos enormes, azuis, quase grudados aos meus, indagavam, desafiadores: travessuras! Topa? E a vida inteira se convertia numa gigante possibilidade de travessuras.
Mas ela se foi, e eu cheguei em casa, desolada e sozinha, com uma caixa de gatos vazia na mão. Agora, assimilar no coração o amor a ela, agradecer e continuar vivendo. Usei o meu velho truque de sempre, ensinado por um mestre maravilhoso, um dos presentes mais eficazes já recebidos: trabalho. A bicicleta se equilibra no movimento.
Havia grandes queijos curados, em cima da geladeira, esperando pelo conserto do processador ou por um ralador bem disposto. Neste momento, o pesado e repetitivo trabalho me apareceu como a melhor oportunidade que já existiu.. Alinhei ralador, bandeja, queijos, e comecei, com ritmo e determinação. Cuidava para as lagrimas não se misturarem com o queijo. Quando o braço doía, jogava as dores do coração todas nele. Braço dói pouco, e a gente leva bem.
Como um carrossel, foram passando pela minha mente , as coisas que quis conquistar, e as que conquistei e pensei ter perdido. Ralei-as todas. Ralei mágoas e orgulhos feridos, Aliás, as mágoas, ralei-as ainda com maior determinação. As ilusões, as mentiras da minha mente... pensar que a vida se vai, pensar que se perde a beleza e as coisas sagradas da vida? Ralo nelas!
Agora, o bendito queijo ralado, que cresceu como uma montanha à minha frente,se converteu numa montanha de esperanças e de fé. As lágrimas também foram raladas, e eu, forte e renovada, prossigo. Vi a noite nascer, por meio das frestas do ralador, e vi estrelas surgirem. Estou de pé, e eu sou esperança, fé e gratidão. Renasci.
Agradecer é necessário, pois meu coração, que era dor, agora, transborda só em graça. Agradeço aos mestres, ao trabalho, à vida, À pureza dos gatos e à resistência dos queijos curados, capazes de despertar tanta resistência em nós. E ao Ser que há em mim, que é um grande processador, capaz de transformar em luz a morte e a vida, a alegria e a dor. E aqui estou, dedos ralados, alma inteira e agradecida, pronta, de novo, para outra jornada. Compartilho essa pequena experiência com a esperança de que meu segredo, tão preciosamente presenteado, possa ser passado para frente e possa ser, talvez, útil para você. Não demanda muita coisa: só um bom ralador, e uma vontade grande, enorme, de apostar na vida e de integrar a dor.  Lúcia Helena Galvão (Prof. de Filosofia da Nova Acrópole)

3 comentários:

  1. Não é fácil. Mas é assim que a gente deve enfrentar essas situações dolorosas da vida e, com certeza sairmos fortalecidos para enfrentar outras situações que, com certeza, aparecerão pelo caminho.

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    1. Exatamente, Eleonora. Em nossas caminhadas
      temos muitas surpresas..e algumas não são tão agradáveis e nos surpreendem de bastante. Para isto, temos de ter muita fé.

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