domingo, 25 de fevereiro de 2018

CLÁSSICO - A COR PÚRPURA


 É um livro tenso e ao mesmo tempo lindo! Como pode um livro tenso ser lindo? Vou tentar explicar; ele é tenso porque aborda temas como: repressão, abuso tanto físico quanto psicológico, violência moral e social, racismo, machismo, entre outros para serem discutidos e analisados ainda hoje. Então, por que é lindo? Porque retrata a vida de uma mulher que não tem identidade, sexualidade, voz e vez, porém depois de muitos anos ela começa a se reconhecer no mundo.
Esta história se passa na 1ª metade do séc XX, no Sul dos EUA. É um livro epistolar em que a protagonista Celie, para aliviar sua dor começa a escrever cartas para Deus. Afinal, mãe havia pedido: “É melhor você nunca contar pra ninguém, só pra Deus. ”

Mas, qual a finalidade dela fazer esta súplica? Primeiro,o padrasto de Celie a estupra e os dois filhos que ela vem a ter dele, são arrancados de seus braços ainda bebês.Na realidade, ela fica durante muitos anos sem saber o que ele havia feito com as crianças; se havia matado,doado...
Meu Deus. Tenho catorze anos. Eu sempre fui uma boa menina. Quem sabe o senhor possa dar um sinal para eu saber o que está acontecendo comigo(...) Primeiro ele colocou a coisa dele na minha coxa e começou a mexer, depois agarrou meus peitinhos..”
 Celie começa a partir deste momento ter todo tipo de humilhação e a única pessoa que alivia um pouco este peso, é a sua irmã Nettie, mas esta convivência é por pouco tempo. Antes de Celie completar seus 20 anos, o padrasto a entrega para um viúvo que pretendia  casar-se com Nettie.
“ Eu não posso deixar o Sr..levar a Nettie, - disse ele falando muito devagar. – Ela é nova demais.(...) Mas pode levar a Celie. Já não está virgem, espero que saiba isso. Já a mancharam. Duas vezes. Mas você também já não precisa de uma mulher ainda virgem. - É feia, - dizia ele, - mas sabe trabalhar. E é limpa. Além disso Deus fez dela uma mulher mansa. Pode fazer-lhe o que quiser e não tem que a vestir nem que lhe dar de comer.”



 Com esta argumentação, Albert, que é um homem violento, frio e calculista, leva Celie e casa-se com ela; trata-a como escrava e a finalidade desta união é para que a mesma cuide dos seus filhos e faça as tarefas domésticas. Ele a  humilha e não está preocupado com nenhum tipo de sentimento que ela possa ter. É uma relação de poder e submissão.
Nettie foge de sua casa e vai para casa de Celie. Neste momento, Celie percebe que o Sr.  ainda tem desejos pela irmã quando  esboça palavras de admiração para a mesma: Tens um vestido muito bonito. Os sapatos também são bonitos. E essa pele. E esse cabelo. Esses dentes.” Quando ele  percebe que não há reciprocidade, ele a manda embora, mas antes ela implora para Celie:  Não os deixe mandar em ti, - diz a Nettie. - Tens que fazer com que percebam quem é que manda. Tens que lutar. Tens que lutar.” A única coisa que Celie sabia dizer : Mas eu não sei lutar. Apenas sei manter-me viva.” Isto por tudo que ela vem passando na vida. Neste momento, ela apela para Deus:enquanto puder soletrar o nome de D-e-u-s, hei de ter alguém ao pé de mim.”            Esta é a maneira que ela consegue sobreviver e manter a sua sanidade, contando para Deus os maus tratos que ela vem sofrendo. Esta lei do silêncio e da resignação vai marcar por muito tempo a personalidade de Celie, que não se queixa, não se impõe; naturalizando assim, tudo o que vem passando.
         A vida da protagonista começa a mudar com a chegada da amante do Sr. Albert que se encontrava doente. No início, percebemos uma certa desconfiança de Shug Avery, porém como Cilie já sentia uma certa admiração pela mesma antes de conhecê-la, este laço começa a se estreitar. Neste momento, começa haver uma relação de amor e amizade entre as duas. Shug, aos poucos, incentiva Celie a se impor diante do marido e a não aceitar os maus tratos. Faz com que ela se reconheça como mulher, que tem um corpo  que gera prazer e não apenas dor. Quantas mulheres até hoje em dia  nunca tiveram um orgasmo? Não sabem aonde fica o clítoris.. Deito-me de costas na cama e levanto o vestido. Baixo os meus culotes. Seguro o espelho entre as pernas. Uí! Tanto pêlo! Depois uns lábios que parecem negros. E na parte de dentro uma rosa úmida.”
É uma amizade em que ambas se constroem e se ajudam. Celie se encanta com a liberdade e independência da amiga, já Shug fica impressionada com a ingenuidade, pureza e força de Celie; falam sobre algumas  questões de gênero, como a utilização da calça comprida:” - Vamos fazer umas calças para ti. (...)É um escândalo a maneira como andas a lavrar com um vestido. Não sei como não cais ou como o arado não se prende no vestido. Não consigo perceber."
Há um momento de reflexão sobre Deus quando as duas estão conversando. Celie, questiona: “Que fez Deus por mim? E Shug, responde:- Celie! - diz ela, como se estivesse horrorizada. - Deu-te a vida, a saúde e uma mulher boa que há de gostar de ti até à morte. - Sim, - digo eu, - e deu-me um pai linchado, uma mãe louca, um padrasto que é um estupor desonesto e uma irmã que se calhar nunca mais vejo. Mesmo assim, o Deus a quem eu rezava e escrevia é um homem. E faz tudo o que fazem os outros homens que eu conheço. Engana, faz-se esquecido e não é honesto.” Shug apresenta um novo Deus a Celie. Um Deus que jamais ela havia pensado, refletido. Um Deus que lembra o de um escritor espiritualista mexicano, Francisco Javier, que se revela por si mesmo na harmonia de tudo o que existe. Aí é que está, - diz a Shug. - Nisso acredito. Deus está dentro de ti e de toda a gente.Vimos a este mundo com ele. Mas só aqueles que o procuram dentro de si é que o encontram.E por vezes revela-se quando não se está a olhar, ou não se sabe de que é que se anda à procura.”
         Paralelo a tudo isto,temos a história de Nettie que se  tornou missionária e vive na África.  Nettie aborda temas importantes como: a identidade negra, choque cultural, pois as mulheres na comunidade Olinka em que ela se encontrava, não estudavam. A exploração das terras africanas por grandes indústrias europeias..
            
É uma obra que nos emociona do início ao fim. Falando de mulheres fortes,cada uma com suas características específicas, que juntas, conseguem construir novas identidades para si mesmas.
 Alice Walker, nascida em 1944, conheceu a pobreza e o racismo de perto. Durante a faculdade iniciou sua participação como ativista pelos direitos civis afro-americanos. Chegou a ser presa, mas logo solta, por protestar contra a atuação estadunidense na Faixa de Gaza, em 2003.

“Nada, entre prêmios e fama, é mais importante do que o que sinto e quero dizer em defesa das minorias em todo o mundo”, explicou à Revista Cult.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

POEMA: PROMESSAS DE UM MUNDO NOVO - THICH NHAT HANH

Prometa-me Prometa-me neste dia Prometa-me agora Enquanto o sol está sobre nossas cabeças Exatamente no zênite Prometa-me: Mesmo que eles Ac...