quinta-feira, 30 de agosto de 2018

CLÁSSICO: ÚRSULA



Maria Firmina dos Reis foi a primeira mulher brasileira a ter um romance publicado. O livro é considerado pela maioria dos historiadores o primeiro romance abolicionista da literatura brasileira, e também, o primeiro romance da literatura afrobrasileira, isto é, uma obra produzida por uma autora afrodescendente. Maria Firmina dos Reis (1825 – 1917), escritora e educadora, nasceu na ilha de São Luís, capital da província do Maranhão. Foi registrada como filha de João Pedro Esteves e Leonor Felipe dos Reis.
Nessa cidade, onde foi criada, ingressou, em 1847, por concurso, no magistério público, para a cadeira de instrução Primária na vila de Guimarães, e lecionou até 1881, quando se aposenta. Em 1859 publica o romance ÚRSULA e passa a colaborar em jornais da época com textos poéticos
.

No prólogo do romance Úrsula, a autora afirma saber que  pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada e sem o trato e conversação dos homens ilustrados(...) Deixai, pois que a minha Úrsula, tímida e acanhada, e sem dotes da natureza, nem enfeites e louçanias de arte, caminhe entre vós”.

No Cap. 1 – Duas almas generosas.  O narrador descreve e elogia a Natureza e a Deus. Observamos um excesso de descrição com bastante adjetivos : “ A vista expande-se e deleita-se, e o coração volve-se a deus, e curva-se em respeitosa veneração, porque aí está Ele. O campo, o mar, a abóboda celeste ensinam a adorar o supremo Autor da Natureza, e a bendizer-lhe a mão, porque é generosa, sábia e previdente.”Logo após, aparece o primeiro personagem; Tancredo (jovem melancólico, encontra-se cansado, pois dá a entender que percorreu muitos lugares a cavalo) e aparece uma figura de linguagem, a prolepse, ou seja , o narrador antecipa o que o jovem pode estar sentindo: Talvez uma ideia única, uma recordação pungente, funda, amarga como a desesperação de um amor traído, lhe absorvesse nessa hora todos os pensamentos(...) Que intensa agonia ou que dor íntima que lhe iria lá pelos abismos da alma? Só Deus sabe.”

O cavalo cansado, abre as pernas e Tancredo cai, assim como o animal. A queda lhe ofendeu o crânio e o cavalo aprisionou o pé do seu cavaleiro que desmaia. Neste interim, aparece um jovem escravo de bom coração que o leva até a casa de uma senhora paralítica, que mora com a filha, chamada  Luíza B. Mais uma vez há a fala do narrador em relação aos escravos: “Gozos...só na eternidade os antevem eles! Coitado do escravo! Nem o direito de arrancar do imo peito um queixume de amargurada dor! Senhor Deus! Quando calará no peito do homem a tua sublime máxima- ama a teu próximo como a ti mesmo- e, deixará de oprimir com tão repreensível injustiça teu semelhante.”

Tancredo tem ideias abolicionistas e vê em Túlio um amigo, desta feita, quer recompensá-lo pelos seus afetos para com ele.

Cap 2 - O delírio

Ao chegar à casa de D. Luíza B a qual Túlio também morava. Tancredo delirava :“Eu a vi-exclamou erguendo a voz, num transporte de satisfação- vi-a, era bela como a rosa a desabrochar e em sua pureza semelhava a açucena cândida e vaporosa! E eu amai-a!...Maldição!..não..nunca a amei. E calou-se.”

Úrsula, garota caridosa, bela e tímida,   personagem que dá nome ao livro, filha de Luíza B, também não está conseguindo dormir e vai fazer companhia a Túlio (que velava por Tancredo). Esta chega perto do enfermo e agarra suas mãos que está queimando de febre. Por sua vez, o delírio continua e fala de sua mãe e de uma mulher chamada Adelaide que a descreve como assassina, desdenhosa e fria. Mais tarde, retornando um pouco sua lucidez, agradece a Úrsula pelo interesse para com ele. Ela por sua vez diz que não fez nada demais. Surge o amor a primeira vista, típico dos romances românticos.

Cap 3-  Declaração de amor

O título já antecede o que vai acontecer neste capítulo. Muitos dias se passaram e Tancredo já se sentia melhor. Todos estão felizes com a sua recuperação. Um destaque ,é que Tancredo dá a liberdade do escravo: “Túlio, acompanhava-o. Tinha-se alforriado. O generoso mancebo assim que entrou em convalescença dera-lhe dinheiro correspondente ao seu valor como gênero, dizendo: -Recebe, meu amigo, este pequeno presente que te faço e compra com ele a tua liberdade.”

Túlio está disposto a seguir o Tancredo por onde ele for. Ele fica com uma gratidão eterna. Tancredo está indo embora e Úrsula fica fugindo dele para não sofrer mais, pois observa que sua mãe está a cada dia sucumbindo e agora... Tancredo vai embora.. Este antes de partir conversa com ela e faz-lhe uma declaração de amor. Conta-lhe sobre a mulher que ele falava no delírio. Ele vai dizer que todo o sentimento que sentia por Adelaide, morreu. E, principalmente agora, que conheceu Úrsula.

Cap. 4- A primeira impressão

Tancredo neste capítulo, fala da mãe dele. Diz que amava a mãe dele, mas teve de se afastar dela por 6 anos para estudar Direito em São Paulo, mas sempre com saudades da mãe. Um dia recebeu o grau de bacharel e retornou a terra natal. Queria rever a mãe, os amigos de infância...Quando vê a mãe observa que ela está  moralmente, muito abatida. A mãe neste momento, apresenta Adelaide- bela, sedutora -  que já se encontra morando lá. Então a mãe de Tancredo fala que Adelaide é filha de sua prima, órfão de pai e mãe e recolheu-a em sua casa como se fosse sua própria filha. Tancredo promete para sua mãe que irá cuidar de Adelaide; esta estende-lhe a mão ...termina apaixonando-se por Adelaide. Mais tarde o pai vem lhe felicitar. Tancredo diz que não tinha o mesmo amor pelo pai como por sua mãe. A mãe sempre foi submissa ao pai. Este tem um gênio muito forte, ditador.

Quando Tancredo fala do amor dele para Adelaide, percebe que é correspondido, porém ela comenta que é pobre e que jamais o pai dele consentiria esta união. Já sua mãe começa a desconfiar do que pode acontecer em relação a esta união. Segundo a mãe de Tancredo, o pai jamais iria aceitar este casamento.

No dia do aniversário de Adelaide, Tancredo resolve falar com o pai, porém a mãe tenta interceder e fala primeiro das intenções do filho. O pai arrogante e prepotente comenta: ” E acreditaste, senhora, que eu consentiria em semelhante união? Estais louca?! Sem dúvida perdeste a razão. Ide-vos e não continueis a alimentar no coração deste louco uma esperança que jamais lhe deveria ter nascido. – Mas, Senhor...- aventurou-se a retorquir-lhe minha desvelada mãe- Adelaide é a filha de uma parenta querida! Amo-a; e por que não será ela digna de meu filho?”



Cap. 5 - A Entrevista



Tancredo está contando tudo para Úrsula e então ele comenta que Adelaide era uma mentirosa, fingida..mas continua a conversa.

Tancredo volta ao flashback. Vai até o pai e fala do amor que sente por Adelaide. Este pergunta se ele sabe de quem ela é filha? Tancredo diz que não se importa com isto. Depois o pai concede esta relação, mas dá a Tancredo uma condição:

“(...) Adelaide, porém, é uma criança e a experiência de uma já longa existência obriga-me a importe a condição de esperar por essa união um ano.”

“– Adelaide é apenas uma criança; é tão nova... Tão pouco conheces suas qualidades que...- Mas meu pai!- interrompi-lhe – que dotes faltam ao espírito de Adelaide?”

“Sua educação não está completa; ademais, continuou apresentando-me um papel dobrado, e selado - eis aqui um despacho, que obtive para ti, meu filho. Honroso é o emprego que te oferecem, e eu ouso esperar que o meu Tancredo não só o não recusará, porque foi solicitado por seu pai, como não deixará de partir breve, obedecendo às ordens superiores que o mandam a cidade de ***.”

“-Meu pai, por que não desposarei Adelaide antes de partir para a terra do exílio?”

“--- Tancredo, dei-te a minha palavra, Adelaide será tua esposa, é um sacrifício: impus-te uma condição, aceitaste-a. É sacrifício por sacrifício. A condição é fácil de aceitar-se, mas..”

Tancredo aceita e irá ficar um ano fora daquele convívio familiar e distante de Adelaide.

Cap. 6 –Despedida

A mãe pergunta para Tancredo se o pai havia recusado o casamento dele com Adelaide, então aquele responde que não, porém impôs uma condição: que ele teria de se ausentar por um ano.

Esta separação forçada, representa para o Tancredo uma grande dor. Tancredo fala para o pai que esta separação vai ser ruim. Pede para o pai cuidar da mãe. E o pai manda ele se preparar para o exílio. E ao se despedir de Adelaide percebe os seguintes sentimentos: “(...)-Ela deu-me um derradeiro olhar, tão terno, tão apaixonado, tão expressivo de mágoa íntima, e de sincero reconhecimento, que as lágrimas que me gotejavam no coração, por fim me ressaltaram as faces, e prorrompi um copioso pranto. Nesse olhar, em que me estava a alma, disse-me a infeliz seu derradeiro adeus.”

Cap. 7 – Adelaide

Tancredo vai para o exílio. Fica um ano pensando no futuro, cheio de esperança.. Lembre-se de que ele está contando toda esta história para Úrsula. Então divaga : “ (...) Não podia imaginar que sob as aparências de um anjo essa pérfida ocultava um coração traidor como o do assassino dos sertões.”

Ele quando se encontra distante, vai recebendo cartas da mãe falando de Adelaide e animava o filho, mas não comenta nada de ruim do pai. Adelaide por sua vez, vai mandando cartas com menos frequência, até parar de escrever. Tancredo fica choroso, acaba ficando doente também.

Prolongou-se a minha enfermidade apesar dos esforços dos médicos, e eles recearam pela minha vida; porém o amor e a esperança salvaram-me. Recobrei finalmente a vida, e quando achei-me com forças para empreender viagens, pensei em rever o objeto de minha terna afeição.”

Tancredo não realizou o seu desejo, pois havia sido incumbido de uma missão na comarca de ***. De volta da missão, encontra uma carta, cuja letra era trêmula e mal traçada e a data era anterior a sua enfermidade. Era de sua mãe se queixando de angustia. Diante deste contexto, ele tenta retornar o mais rápido possível a sua casa.

“No cabo de quinze dias bati à noite à porta da casa onde nasci e onde morrera minha infeliz mãe. “

“-Meu pai? - Perguntei com voz trêmula e convulsa.

-Está fora Senhor – tornou-me tristemente.

-E Adelaide? Onde está ela?

-No salão -redarguiu o negro, no mesmo tom. Entrei.”

“Era Adelaide, adornava-o um rico vestido de seda cor de pérolas, e no seio nu ondeava-lhe um precioso colar de brilhantes e pérolas e os cabelos estavam enastrados de joias de não menor valor.”

Então, ela revela que agora era mulher de seu pai. O pai de Tancredo aparece e o filho pede para que restitua as duas mulheres que o havia recomendado. Ele amaldiçoa Adelaide. Termina assim, toda a narração para Úrsula. E fala para Úrsula “eis a narração da minha vida, eis os meus primeiros amores; o resto toca-vos. Fazei-me venturoso. Oh! Em vossas mãos está a minha sorte.”



Cap. 8 - Luíza B



Luíza B é a mãe de Úrsula, começa a se lamentar achando que a filha havia esquecido dela. Úrsula pede perdão, pois estava se sentindo incomodada e que precisava respirar o ar fresco da manhã...

“-Minha filha- continuou afetando tranquilidade- o nosso hóspede intenta deixar-nos hoje: pediu que me queria ser apresentado, e eu te aguardava para fazer-lhe as honras desta pobre casa.”

‘- E o nosso Túlio que também se vai?- É verdade!- Tomou a pobre paralítica- e a nossa casa vai-se tornando cada vez mais isolada e triste.” Neste momento, chega Tancredo e ao se aproximar do leito de Luíza B observa que a qualquer momento ela pode morrer. Se despede e fala que jamais irá esquecer a franqueza, a humildade, a bondade da Luíza. Manifesta o desejo de pedir para ele cuidar de Úrsula, mas não o faz. Fala que tem um irmão  o comendador F de P**, que a odeia e que se não fosse este sentimento poderia proteger sua filha, Úrsula. Comentou que os dois se amavam muito, porém um dia ela o desagradou e ele acabou  a odiando e conta o que aconteceu: “- Mais tarde um amor irresistível levou-me a desposar um homem, que meu irmão no seu orgulho julgou inferior a nós pelo nascimento e pela fortuna. Chamava-se Paulo B.”

Paulo B não era um bom marido e foi assassinado. E ninguém ficou sabendo quem o assassinou e depois ela ficou paralítica e o irmão comprou a fazenda Santa Cruz. Tancredo, antes de ir embora, promete que irá cuidar de Úrsula, pois a ama. Ele se identificou com o sobrenome e percebe-se que ele é primo da Úrsula.



Cap. 9 – A preta Susana

Havia uma mulher escrava, e negra como ele (Túlio); mas boa e compassiva, que lhe serviu de mãe enquanto lhe sorriu essa idade lisonjeira e feliz, única cuja recordação nos apraz, e em que... Susana, chama-se ela.”

Já era velha e Susana pergunta a Túlio para onde ele vai? Ele responde que irá acompanhar o Sr. Tancredo. Fala que agora está livre.No entanto, sua nova condição é desmascarada por Mãe Susana, quando esta ironiza a “liberdade” do alforriado – que afinal, irá conduzi-lo à morte – comparando-a à vida que levava em África:

“- Tu! tu livre? Ah não me iludas! – exclamou a velha africana abrindo uns grandes olhos. (...) Liberdade... eu gozei em minha mocidade! – continuou Suzana com amargura. Túlio, meu filho, ninguém a gozou mais ampla, não houve mulher alguma mais ditosa do que eu.

Além de reforçar a própria condição afro-descendente do texto, a entrada em cena da velha africana confere maior densidade ao sentido político do mesmo. É Mãe Susana quem vai explicar a Túlio o sentido da verdadeira liberdade, que não seria nunca a de um alforriado num país racista. Para tanto, a velha escrava recordava sua terra natal, a infância livre, o amor de seu companheiro e a vida feliz que levavam junto à filhinha até o dia em que foi capturada pelos “bárbaros” mercadores de seres humanos. Segue-se a narrativa do aprisionamento e da crueldade com que foi tratada ao deixar para sempre “pátria, esposo, mãe, filha, e liberdade”:

“Foi embalde que supliquei em nome de minha filha, que me restituíssem a liberdade: os bárbaros sorriam-se de minhas lágrimas, e olhavam-me sem compaixão. (...) Meteram-me a mim e a mais trezentos companheiros de infortúnio e de cativeiro no estreito e infecto porão de um navio. Trinta dias de cruéis tormentos, e de falta absoluta de tudo quanto é necessário à vida passamos nessa sepultura até que abordamos as praias brasileiras. Para caber a mercadoria humana no porão fomos amarrados em pé para que não houvesse receio de revolta, acorrentados como animais ferozes das nossas matas que se levam para recreio dos potentados da Europa.”

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