Em
meio ao medo e comoção, moradoras da Maré e amigas lamentam a perda da figura
que conseguiu, na política, dar visibilidade às causas da comunidade: "É
como se um pedaço de nós fosse tirado, mas vamos continuar”.
'Tristeza
não dá conta de explicar. A Maré está em frangalhos”, descreve a artista Tereza
Onã, coordenadora de projetos sociais no conjunto de favelas da Zona Norte do
Rio de Janeiro onde morava a vereadora Marielle Franco, do Psol, assassinada na
noite de quarta-feira (14).
“O clima estava cinzento. Nas
ruas, todos estão com o semblante fechado”, relata Joelma de Souza, educadora
social que vive na Nova Holanda, uma das favelas que integram a Maré e amiga de
Marielle há 16 anos. “Aqueles que não tinham uma proximidade com ela, tanto
política como de trabalho, paravam a gente na rua, abraçavam. A favela está de
luto”.
Joelma e Marielle se conheceram no
pré-vestibular comunitário da Maré, em 2002. “A gente tinha a percepção que o
acesso a lugares privilegiados, como a universidade, traria um desenvolvimento
para a região e, de fato, isso aconteceu. Em comparação a outras favelas, a
Maré tem muitas ações que movimentam a comunidade. A Marielle construiu isso
durante esses anos. Antes de ser vereadora, ela já era uma força ali dentro”,
conta, durante a homenagem que reuniu uma multidão diante da Câmara dos
Vereadores.
Comoção em
torno do caixão de Marielle
Há três semanas, Marielle usou sua
fala na tribuna da Câmara dos Vereadores do Rio para lembrar a ocupação militar
do conjunto de favelas entre 2016 e o ano passado e criticar a atual
intervenção federal.
“Eu vivi na Maré a intervenção
militar por 14 meses. Os favelados e faveladas sabem exatamente o que é o
barulho do tanque na sua porta. Onde vai ser essa intervenção? Para onde a
ponta do fuzil vai ser apontada? A Defensória Pública é contra, o Ministério
Público é contra. Na Maré, durou mais de 14 meses e custou mais de 600 milhões
de reais”, discursou.
Marielle foi a quinta vereadora
mais votada nas eleições municipais de 2016 do Rio de Janeiro. Era a primeira
vez que ela concorria a um cargo eletivo. Antes, tinha trabalhado como
assessora parlamentar do deputado estadual Marcelo Freixo, também do Psol.
Moradores da região e outras
favelas do Rio ouvidos pela reportagem enfatizaram que, em meio ao luto, estão
divididos entre a necessidade de seguir na luta por direitos e o imobilismo
provocado pelo medo.
“É uma tentativa de calar não só a mulher, mas
a representatividade da mulher preta e favelada. A gente vem saindo de um lugar
invisível e ganhando força na política. Parece que não adianta a gente se
colocar, senão seremos mortas. É como se um pedaço de nós fosse tirado, mas a
gente tem que continuar”, diz Joelma.
“Estou assustada. Pediram para eu
não dar entrevista. Paz sem voz é medo. Eu tenho que botar meu sapato e sair
para trabalhar como se estivesse tudo bem, como se eu tivesse os mesmos
direitos. Uma mulher que não é da favela, que não é negra, pode estar sentindo,
mas ela não sabe o que é não ter voz”, desabafa Tereza Onã.
No último
sábado, Marielle fez uma postagem em sua rede social na qual chamava o 41º
Batalhão de Polícia Militar como “batalhão da morte”, após três jovens terem
morrido na favela de Acari.
Uma integrante do coletivo “Fala
Akari”, que denuncia violações de direitos cometidos por forças policiais na
comunidade, diz que os moradores da região estavam muito assustados na manhã de
desta quinta e manifestaram temor pelos integrantes do grupo.
“Nós ficamos, ao mesmo
tempo, ameaçados e com mais garra para lutar. Nossa organização tem uma postura
apolítica, mas a Marielle era uma voz muito importante que ajudava a ecoar
nosso grito. A gente dá uma cambaleada com a notícia, mas não vamos cair”,
afirmou.
A necessidade de dar continuidade
à luta da vereadora também foi enfatizada por Tereza Onã. “O corpo dela pode
ter morrido, mas não vamos deixar a voz dela morrer. Meus ancestrais apanharam
de chicote para eu poder estar aqui agora. A voz dela tem que estar presente,
senão outras mulheres negras não vão ter coragem de se pronunciar”, desabafou.
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