Maria Firmina dos Reis foi a primeira mulher brasileira a ter um romance
publicado. O livro é considerado pela maioria dos historiadores o primeiro
romance abolicionista da literatura brasileira, e também, o primeiro romance da
literatura afrobrasileira, isto é, uma obra produzida por uma autora
afrodescendente. Maria Firmina dos Reis (1825 – 1917), escritora e educadora,
nasceu na ilha de São Luís, capital da província do Maranhão. Foi registrada
como filha de João Pedro Esteves e Leonor Felipe dos Reis.
Nessa cidade, onde foi criada, ingressou, em 1847, por concurso, no magistério
público, para a cadeira de instrução Primária na vila de Guimarães, e lecionou
até 1881, quando se aposenta. Em 1859 publica o romance ÚRSULA e passa a
colaborar em jornais da época com textos poéticos.
No prólogo
do romance Úrsula, a autora afirma saber que
“pouco vale este romance, porque
escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada e sem o trato
e conversação dos homens ilustrados(...) Deixai, pois que a minha Úrsula,
tímida e acanhada, e sem dotes da natureza, nem enfeites e louçanias de arte,
caminhe entre vós”.
No Cap. 1 – Duas almas generosas. O narrador descreve e elogia a Natureza e a
Deus. Observamos um excesso de descrição com bastante adjetivos : “ A vista expande-se e deleita-se, e o coração
volve-se a deus, e curva-se em respeitosa veneração, porque aí está Ele. O
campo, o mar, a abóboda celeste ensinam a adorar o supremo Autor da Natureza, e
a bendizer-lhe a mão, porque é generosa, sábia e previdente.”Logo após,
aparece o primeiro personagem; Tancredo (jovem melancólico, encontra-se
cansado, pois dá a entender que percorreu muitos lugares a cavalo) e aparece
uma figura de linguagem, a prolepse, ou seja , o narrador antecipa o que o
jovem pode estar sentindo: Talvez uma
ideia única, uma recordação pungente, funda, amarga como a desesperação de um
amor traído, lhe absorvesse nessa hora todos os pensamentos(...) Que intensa
agonia ou que dor íntima que lhe iria lá pelos abismos da alma? Só Deus sabe.”
O cavalo cansado, abre as pernas e Tancredo cai, assim como o
animal. A queda lhe ofendeu o crânio e o cavalo aprisionou o pé do seu
cavaleiro que desmaia. Neste interim, aparece um jovem escravo de bom coração
que o leva até a casa de uma senhora paralítica, que mora com a filha,
chamada Luíza B. Mais uma vez há a fala
do narrador em relação aos escravos: “Gozos...só
na eternidade os antevem eles! Coitado do escravo! Nem o direito de
arrancar do imo peito um queixume de amargurada dor! Senhor Deus! Quando calará no peito do homem a tua sublime máxima- ama
a teu próximo como a ti mesmo- e, deixará de oprimir com tão repreensível
injustiça teu semelhante.”
Tancredo tem ideias abolicionistas e vê em Túlio um amigo,
desta feita, quer recompensá-lo pelos seus afetos para com ele.
Cap 2 - O delírio
Ao chegar à casa de D. Luíza B a qual Túlio também morava.
Tancredo delirava :“Eu a vi-exclamou
erguendo a voz, num transporte de satisfação- vi-a, era bela como a rosa a
desabrochar e em sua pureza semelhava a açucena cândida e vaporosa! E eu
amai-a!...Maldição!..não..nunca a amei. E calou-se.”
Úrsula, garota caridosa, bela e tímida, personagem que dá nome ao livro, filha de
Luíza B, também não está conseguindo dormir e vai fazer companhia a Túlio (que
velava por Tancredo). Esta chega perto do enfermo e agarra suas mãos que está
queimando de febre. Por sua vez, o delírio continua e fala de sua mãe e de uma
mulher chamada Adelaide que a descreve como assassina, desdenhosa e fria. Mais
tarde, retornando um pouco sua lucidez, agradece a Úrsula pelo interesse para
com ele. Ela por sua vez diz que não fez nada demais. Surge o amor a primeira
vista, típico dos romances românticos.
Cap 3- Declaração de amor
O título já antecede o que vai acontecer neste capítulo.
Muitos dias se passaram e Tancredo já se sentia melhor. Todos estão felizes com
a sua recuperação. Um destaque ,é que Tancredo dá a liberdade do escravo: “Túlio, acompanhava-o. Tinha-se alforriado. O
generoso mancebo assim que entrou em convalescença dera-lhe dinheiro correspondente
ao seu valor como gênero, dizendo: -Recebe, meu amigo, este pequeno presente
que te faço e compra com ele a tua liberdade.”
Túlio está disposto a seguir o Tancredo por onde ele for. Ele
fica com uma gratidão eterna. Tancredo está indo embora e Úrsula fica fugindo
dele para não sofrer mais, pois observa que sua mãe está a cada dia sucumbindo
e agora... Tancredo vai embora.. Este antes de partir conversa com ela e
faz-lhe uma declaração de amor. Conta-lhe sobre a mulher que ele falava no
delírio. Ele vai dizer que todo o sentimento que sentia por Adelaide, morreu.
E, principalmente agora, que conheceu Úrsula.
Cap. 4- A primeira
impressão
Tancredo
neste capítulo, fala da mãe dele. Diz que amava a mãe dele, mas teve de se
afastar dela por 6 anos para estudar Direito em São Paulo, mas sempre com
saudades da mãe. Um dia recebeu o grau de bacharel e retornou a terra natal.
Queria rever a mãe, os amigos de infância...Quando vê a mãe observa que ela
está moralmente, muito abatida. A mãe
neste momento, apresenta Adelaide- bela, sedutora - que já se encontra morando lá. Então a mãe de
Tancredo fala que Adelaide é filha de sua prima, órfão de pai e mãe e
recolheu-a em sua casa como se fosse sua própria filha. Tancredo promete para
sua mãe que irá cuidar de Adelaide; esta estende-lhe a mão ...termina
apaixonando-se por Adelaide. Mais tarde o pai vem lhe felicitar. Tancredo diz
que não tinha o mesmo amor pelo pai como por sua mãe. A mãe sempre foi submissa
ao pai. Este tem um gênio muito forte, ditador.
Quando
Tancredo fala do amor dele para Adelaide, percebe que é correspondido, porém
ela comenta que é pobre e que jamais o pai dele consentiria esta união. Já sua
mãe começa a desconfiar do que pode acontecer em relação a esta união. Segundo
a mãe de Tancredo, o pai jamais iria aceitar este casamento.
No
dia do aniversário de Adelaide, Tancredo resolve falar com o pai, porém a mãe
tenta interceder e fala primeiro das intenções do filho. O pai arrogante e
prepotente comenta: ” E acreditaste,
senhora, que eu consentiria em semelhante união? Estais louca?! Sem dúvida
perdeste a razão. Ide-vos e não continueis a alimentar no coração deste louco
uma esperança que jamais lhe deveria ter nascido. – Mas, Senhor...-
aventurou-se a retorquir-lhe minha desvelada mãe- Adelaide é a filha de uma
parenta querida! Amo-a; e por que não será ela digna de meu filho?”
Cap. 5 - A Entrevista
Tancredo
está contando tudo para Úrsula e então ele comenta que Adelaide era uma
mentirosa, fingida..mas continua a conversa.
Tancredo
volta ao flashback. Vai até o pai e fala do amor que sente por Adelaide. Este
pergunta se ele sabe de quem ela é filha? Tancredo diz que não se importa com
isto. Depois o pai concede esta relação, mas dá a Tancredo uma condição:
“(...) Adelaide, porém, é uma criança e
a experiência de uma já longa existência obriga-me a importe a condição de
esperar por essa união um ano.”
“– Adelaide é apenas uma criança; é tão
nova... Tão pouco conheces suas qualidades que...- Mas meu pai!- interrompi-lhe
– que dotes faltam ao espírito de Adelaide?”
“Sua educação não está completa;
ademais, continuou apresentando-me um papel dobrado, e selado - eis aqui um
despacho, que obtive para ti, meu filho. Honroso é o emprego que te oferecem, e
eu ouso esperar que o meu Tancredo não só o não recusará, porque foi solicitado
por seu pai, como não deixará de partir breve, obedecendo às ordens superiores
que o mandam a cidade de ***.”
“-Meu pai, por que não desposarei
Adelaide antes de partir para a terra do exílio?”
“--- Tancredo, dei-te a minha palavra,
Adelaide será tua esposa, é um sacrifício: impus-te uma condição, aceitaste-a.
É sacrifício por sacrifício. A condição é fácil de aceitar-se, mas..”
Tancredo aceita e irá ficar um ano fora daquele convívio
familiar e distante de Adelaide.
Cap. 6 –Despedida
A
mãe pergunta para Tancredo se o pai havia recusado o casamento dele com
Adelaide, então aquele responde que não, porém impôs uma condição: que ele
teria de se ausentar por um ano.
Esta separação forçada, representa para o Tancredo uma grande
dor. Tancredo fala para o pai que esta separação vai ser ruim. Pede para o pai
cuidar da mãe. E o pai manda ele se preparar para o exílio. E ao se despedir de
Adelaide percebe os seguintes sentimentos: “(...)-Ela
deu-me um derradeiro olhar, tão terno, tão apaixonado, tão expressivo de mágoa
íntima, e de sincero reconhecimento, que as lágrimas que me gotejavam no
coração, por fim me ressaltaram as faces, e prorrompi um copioso pranto. Nesse
olhar, em que me estava a alma, disse-me a infeliz seu derradeiro adeus.”
Cap. 7 – Adelaide
Tancredo vai para o exílio. Fica um ano pensando no futuro,
cheio de esperança.. Lembre-se de que ele está contando toda esta história para
Úrsula. Então divaga : “ (...) Não podia
imaginar que sob as aparências de um anjo essa pérfida ocultava um coração
traidor como o do assassino dos sertões.”
Ele quando se encontra distante, vai recebendo cartas da mãe
falando de Adelaide e animava o filho, mas não comenta nada de ruim do pai.
Adelaide por sua vez, vai mandando cartas com menos frequência, até parar de
escrever. Tancredo fica choroso, acaba ficando doente também.
“Prolongou-se a minha
enfermidade apesar dos esforços dos médicos, e eles recearam pela minha vida;
porém o amor e a esperança salvaram-me. Recobrei finalmente a vida, e quando
achei-me com forças para empreender viagens, pensei em rever o objeto de minha
terna afeição.”
Tancredo não realizou o seu desejo, pois havia sido incumbido
de uma missão na comarca de ***. De volta da missão, encontra uma carta, cuja
letra era trêmula e mal traçada e a data era anterior a sua enfermidade. Era de
sua mãe se queixando de angustia. Diante deste contexto, ele tenta retornar o mais
rápido possível a sua casa.
“No cabo de quinze dias bati à noite à porta da casa
onde nasci e onde morrera minha infeliz mãe. “
“-Meu pai? - Perguntei com voz trêmula e convulsa.
-Está fora Senhor – tornou-me tristemente.
-E Adelaide? Onde está ela?
-No salão -redarguiu o negro, no mesmo tom. Entrei.”
“Era Adelaide, adornava-o um rico vestido de seda cor
de pérolas, e no seio nu ondeava-lhe um precioso colar de brilhantes e pérolas
e os cabelos estavam enastrados de joias de não menor valor.”
Então,
ela revela que agora era mulher de seu pai. O pai de Tancredo aparece e o filho
pede para que restitua as duas mulheres que o havia recomendado. Ele amaldiçoa
Adelaide. Termina assim, toda a narração para Úrsula. E fala para Úrsula “eis a narração da minha vida, eis os meus
primeiros amores; o resto toca-vos. Fazei-me venturoso. Oh! Em vossas mãos está
a minha sorte.”
Cap. 8 - Luíza B
Luíza
B é a mãe de Úrsula, começa a se lamentar achando que a filha havia esquecido
dela. Úrsula pede perdão, pois estava se sentindo incomodada e que precisava respirar
o ar fresco da manhã...
“-Minha filha- continuou afetando
tranquilidade- o nosso hóspede intenta deixar-nos hoje: pediu que me queria ser
apresentado, e eu te aguardava para fazer-lhe as honras desta pobre casa.”
‘-
E o nosso Túlio que também se vai?- É verdade!- Tomou a pobre paralítica- e a
nossa casa vai-se tornando cada vez mais isolada e triste.” Neste momento,
chega Tancredo e ao se aproximar do leito de Luíza B observa que a qualquer
momento ela pode morrer. Se despede e fala que jamais irá esquecer a franqueza,
a humildade, a bondade da Luíza. Manifesta o desejo de pedir para ele cuidar de
Úrsula, mas não o faz. Fala que tem um irmão
o comendador F de P**, que a odeia e que se não fosse este sentimento poderia
proteger sua filha, Úrsula. Comentou que os dois se amavam muito, porém um dia
ela o desagradou e ele acabou a odiando
e conta o que aconteceu: “- Mais tarde um
amor irresistível levou-me a desposar um homem, que meu irmão no seu orgulho
julgou inferior a nós pelo nascimento e pela fortuna. Chamava-se Paulo B.”
Paulo
B não era um bom marido e foi assassinado. E ninguém ficou sabendo quem o
assassinou e depois ela ficou paralítica e o irmão comprou a fazenda Santa
Cruz. Tancredo, antes de ir embora, promete que irá cuidar de Úrsula, pois a
ama. Ele se identificou com o sobrenome e percebe-se que ele é primo da Úrsula.
Cap. 9 – A preta Susana
“Havia uma mulher escrava, e negra
como ele (Túlio); mas boa e compassiva, que lhe serviu de mãe enquanto lhe
sorriu essa idade lisonjeira e feliz, única cuja recordação nos apraz, e em
que... Susana, chama-se ela.”
Já era velha e Susana pergunta a Túlio para onde ele vai? Ele responde
que irá acompanhar o Sr. Tancredo. Fala que agora está livre.No entanto, sua
nova condição é desmascarada por Mãe Susana, quando esta ironiza a “liberdade”
do alforriado – que afinal, irá conduzi-lo à morte – comparando-a à vida que
levava em África:
“- Tu! tu livre? Ah não me iludas! –
exclamou a velha africana abrindo uns grandes olhos. (...) Liberdade... eu
gozei em minha mocidade! – continuou Suzana com amargura. Túlio, meu filho,
ninguém a gozou mais ampla, não houve mulher alguma mais ditosa do que eu. “
Além de reforçar a própria condição
afro-descendente do texto, a entrada em cena da velha africana confere maior
densidade ao sentido político do mesmo. É Mãe Susana quem vai explicar a Túlio
o sentido da verdadeira liberdade, que não seria nunca a de um alforriado num
país racista. Para tanto, a velha escrava recordava sua terra natal, a infância
livre, o amor de seu companheiro e a vida feliz que levavam junto à filhinha
até o dia em que foi capturada pelos “bárbaros” mercadores de seres humanos.
Segue-se a narrativa do aprisionamento e da crueldade com que foi tratada ao
deixar para sempre “pátria, esposo, mãe, filha, e liberdade”:
“Foi embalde que supliquei em nome de minha filha,
que me restituíssem a liberdade: os bárbaros sorriam-se de minhas lágrimas, e
olhavam-me sem compaixão. (...) Meteram-me a mim e a mais trezentos
companheiros de infortúnio e de cativeiro no estreito e infecto porão de um
navio. Trinta dias de cruéis tormentos, e de falta absoluta de tudo quanto é
necessário à vida passamos nessa sepultura até que abordamos as praias
brasileiras. Para caber a mercadoria humana no porão fomos amarrados em pé para
que não houvesse receio de revolta, acorrentados como animais ferozes das
nossas matas que se levam para recreio dos potentados da Europa.”