Gibran irá tratar o mal como
defeito, que tem sua origem latina, o espectro que significa, vazio, vácuo; ele
não ira tratar o mal como maldade, perversidade, mas como a ausência do bem.
Esta ausência de bem ainda não é pecaminosa, mas pode se tornar. É um vácuo, um
vazio onde o bem ainda não dominou em você. Ele irá tratar o bem e o mal nessa
acepção da virtude X vício, ou seja, qualidades e defeitos, pois o homem que
tem um vácuo implica dizer que a virtude não foi conquistada e se esse vácuo
não é ocupado pelo bem, pode ser ocupado pelo mal. Então, o que hoje
simplesmente é uma pessoa ignorante, amanhã pode ser uma pessoa doente moral.
Pode ser um agressor, uma pessoa com o comportamento totalmente desajustado.
E um dos anciãos da cidade disse:
Fala-nos do BEM e do MAL
E ele respondeu:
Percebam quem faz a pergunta é
um ancião (um homem que já no final de sua vida está querendo entender a questão mais importante da vida, que é : o
que é que é o BEM e o que é o MAL.
Platão diz que a coisa mais
importante que temos de entender na
vida, é a ideia do BEM. O que é o BEM, porque na realidade, toda a nossa vida
deveria ter servido a isto.
Se você não entende nem o que ele é; como pode direcionar a sua vida?
Então esse homem com idade
avançada, já tem uma sabedoria mais consistente, não quer saber de
superficialidades, e sim, de coisas profundas.
A ideia do ancião dentro das
tradições antigas é essa: um ancião é um homem que ganhou em anos físicos e
ganhou também em anos psicológicos, em anos morais. É uma pessoa que tem
maturidade de alma e sabe o que é importante saber da vida. Percebam que esta
definição do ancião, que vai dar origem em Roma à uma das instituições
políticas mais antigas que a gente tem , que é o SENADO, que vem de seni
(senil) isto não era pejorativo. Senil hoje é pejorativo. Se você disser que
alguém é senil, está dizendo que você está numa velhice decrepta, mas antes não
era. A ideia era uma pessoa idosa, o suficiente para ter conhecimento profundo da
vida. Se considerava que a vida é como se fosse dois vetores que se
entrecruzam: com o passar do tempo, tem um vetor que é descendente necessariamente
( é aquele da energia física) quanto mais você vive, menos energia tem. Isto
não tem como discutir. Agora, existe um outro vetor ascendente( que é o vetor da energia metafísica
espiritual. Um é da física e o outro da metafísica.
À medida que o homem vai
perdendo energia física, vai conquistando maturidade (capacidade de lidar de
maneira profunda com acontecimentos da
vida). Uma vai compensando a outra, pois isso faz com que ele chegue diante da
morte com lucidez e com algo para ensinar. As civilizações consideravam este
homem uma preciosidade.
Quandoos Bárbaros atacavam
Roma, os anciãos eram os primeiros a serem escondidos, protegidos para não
serem mortos pelo espírito de Roma que poderia se perder. Imagine na sociedade
atual se alguém se preocuparia em proteger idosos? Chega a ser engraçado.
Na tradição original indiana,
não se falava que uma mulher era bonita quando era jovem; ela era atraente,
bela era só uma idosa. Ou seja, aquela que tem maturidade para transmitir algo
e que sabe o que transmitir.
Então, isto é um ancião belo, que tinha curiosidade
de chamar uma sábio e dizer: “me fala das coisas essenciais da vida, eu quero
saber. Eu não quero deixar o mundo sem uma reflexão profunda sobre isso”. Essa
é a ideia do sentido da vida, que vai se tornando mais profunda e de maior
valor à medida que avança.
Na nossa sociedade parece que
a vida vai ficando cada vez pior a medida que avança, porque o único valor é
aos prazeres físicos. Se não é o único, pelo menos o mais venerado. Parece que
a vida vai ficando pior.
Do bem que está em
vós,
poderei falar,
mas não do mal.
Pois o que é o mal
senão
o próprio bem
torturado por sua fome
e sede.
Uma das coisas mais
recorrentes da filosofia grega é : existe o mal? O mal absoluto? Mal mesmo? Para
a filosofia platônica, por exemplo, e várias outras, Não!!!
Imaginem vocês, se uma coisa é
absoluta, por exemplo: O BEM. Deus é o BEM absoluto! Se existe um absoluto, não
pode haver dois. Se houver dois absolutos, todos dois são relativos. Se uma
coisa é absoluta, não pode ter outra, absoluta.
Se você admite que alguma coisa é absolutamente má, você está
negando Deus.
Digamos que uma caneta fosse
absolutamente má, seria uma injustiça com ela, porque nenhum lugar do universo
ela serviria pra nada, a não ser para prejudicar as pessoas. E ao mesmo tempo
geraria um paradoxo, porque se ela é absolutamente má, tem dois absolutos no Universo; então nenhum dos dois
é absoluto, todos dois se tornam relativos.
O mal absoluto do ponto de vista
da filosofia, não existe.
Então ele diz: eu posso falar
do bem e não do mal.
Porque o mal nada mais é do
que um vácuo onde a consciência ainda não trouxe o BEM à tona, mas mal absoluto
mesmo, do ponto filosófico, não tem.
O que é o mal senão essa dor,
esse sofrimento que surge nos seres quando o bem está querendo vir à tona. É
como se fossem as dores do parto.
O sofrimento que está sempre
associado ao mal é falta de bem. É o bem querendo aflorar na consciência. É uma
virtude que está querendo nascer em você, e tudo aquilo que quer nascer tem
essas dores do parto que te faz sofrer e te deixa angustiado.
Uma pessoa absolutamente
inconsciente de que necessita ter virtudes sem nenhuma falta dela e feliz com os defeitos que tem, isto é um psicopata. Este não está
sofrendo. O sofrimento vem exatamente no sentido da falta de algo que não
sabemos bem o que é. É o bem querendo vir à tona em nós, é este o nosso
destino: encarnarmos o bem, sermos conscientemente bons. Os seres vieram à
Natureza, todos eles para cumprir uma função. Desde as pedras que resistem (no
mundo mineral tem essa função da resistência, da inércia).
Se um ladrão tenta arrombar a
porta da casa e não arromba, ela é uma boa porta, resistente. As coisas no
mundo material prima-se a resistência. O
diamante é a pedra mais resistente que tem e por isso é tão valiosa, segundo às
qualidades dela. As virtudes do plano vegetal são capacidade de geração de energia
(as plantas são todas base da cadeia alimentar ).Elas geram energia e alimenta
todo sistema alimentar, ou seja, transforma no seu processo metabólico, àquilo
que elas recebem da luz solar em energia. Os animais vivem em função de dois
instintos que é a sobrevivência e a perpetuação da espécie. E o homem? O que
veio fazer no mundo? Os minerais estão resistindo; os vegetais estão gerando
energia; os animais estão sendo instintivos e o homem veio aportar o que no
mundo? Segundo se diz classicamente, o homem veio aportar: valores, atitudes e
sabedoria. Se ele não faz isso, é um ser que não está fazendo aquilo que se
espera dele. Não nasceu como ser humano. Quando você ver um ser humano, cujo
único objetivo de vida é sobreviver confortavelmente e procriar prazerosamente,
a consciência dele ainda está no mundo animal (são corpo é humano) e se isso
existisse de forma absoluta na consciência do homem, em geral essa pessoa não
suporta lucidamente isso. Em geral , enlouquece, é um psicopata. É totalmente
brutal e também não tem problema de consciência. Por exemplo, matou a mulher e
depois foi ao cinema. Isto não é uma pessoa normal. Em geral, todo vício
provoca um estado de dor, de sofrimento... é dor de não sermos aquilo que a
natureza espera que sejamos. A dor de não termos correspondido àquilo que se
espera de nós. A nossa própria alma espera isso de nós, então daí bem o
sofrimento, daí vem esse vácuo que tem de ser preenchido.
Em verdade, quando o
bem sente fome,
procura alimento até
nos antros escuros, e,
quando sente sede,
sacia-se até em águas estagnadas.
Sinto necessidade de algo,
angústia, mas eu não sei o que é. Eu vou tentar
saciar essa angústia com o que eu tenho, entende?
Hoje grande parte do que
chamamos depressão, é angústia existencial. As pessoas estão sentindo falta de
algo, a sociedade diz pra elas que são falta de
coisas, então elas compram coisas, coisas ...e continuam angustiadas.
Será que a depressão não é
infelicidade? Angústia existencial por você não saber o que você veio fazer na
vida? Não encontrar um sentido de vida mais profundo. Sentir falta e a sociedade diz: é falta de coisas. É
falta de dinheiro; é falta de um emprego melhor e você consome, consome,
consome essas coisas e permanece angustiado. Você tenta saciar a angústia com
aquilo que você tem na mão. Se eu estou com sede e só tenho uma poça de água na
mão, vai ela mesmo. Eu tento saciar a minha sede comprando mais carro,
comprando mais roupa e continuo com a mesma sede. Inclusive isto é manipulado.
Platão no mito da caverna fala sobre isto: a angústia existencial do homem.
Então eu consumo o que eu tenho: a água que tenho...e isto não me sacia porque
não é disto que eu estou sentindo falta. Mas isto inclusive pode ser uma das
causas que a gente tem para o consumismo. Então você se alimenta até em antros escuros
e sacia-se até em águas estagnadas, mas nem este alimento nem esta bebida matam
tua fome e tua sede. Você sente fome e sede do corpo, então alimenta o corpo,
mas a tua alma, ainda que você não acredite nela, ela existe porque a verdade
não depende da opinião dos seres humanos que também tem fome e também tem sede.
Enquanto você não percebê-la e não souber do que ela se alimenta, não passa tua
angústia existencial.
Você vê uma pessoa 20-30 anos
dependente de um monte de terapia para viverem com a sua depressão, mas passar,
não passa. Curar não cura.
Vós sois bons quando
vos identificais
com vós mesmos. Mas
não sois maus quando
deixais de vos identificar com vós mesmos.
Imagine o seguinte: Uma pessoa
=, quando ela tem identidade é como se ela consumisse a sua vida como se fosse
um veículo. Vai lá no volante e assume a direção do carro: vai na direção que ela
quer, na velocidade que ela quer; porém identifiquei e dominei o meu veículo.
Agora, não identifiquei o que eu sou nem o que eu vim fazer no mundo. Uma
pessoa meio perdida; caí aqui de paraquedas e estou sentado no banco de trás.
Bom, agora o carro está parado; não tem ninguém sentado no banco da frente.
Neste momento, eu não estou
sendo mal, eu só estou sendo inerte. Mas se você deixar esse banco da frente
desocupado, pode vir alguém e tomar o volante da sua vida.
Dirigir na direção que não é a
que você quer e numa velocidade que não é a que você quer, você pode fazer
vítimas usando o teu veículo.
Quando a avó dizia: mente
vazia é a oficina do diabo, neste caso não é só a mente, é a vida vazia e acaba
sendo joguetes na mão de interesses coletivos de massificação; de interesse
midiático. Se você não toma às rédeas de tua vida, mais tarde alguém vai tomar.
Pois a casa que se
divide não se torna antro de ladrões;
é apenas uma casa
dividida.
E um navio sem leme
pode vaguear sem rumo
entre recifes
perigosos e não se afundar.
Eu não tomo posse da minha vida,
eu sou um barco à deriva, pode ser que fique à deriva há muito tempo...ele não
pode ser engolido por uma onda? Pode ser estraçalhado numa pedra? Pode. Pode se
destruir ou então trombar com alguém que esteja nadando e machucar uma pessoa.
Pode ser que navegando aí à deriva não cause nenhum mal e pode causar. A
Natureza não deixa vácuos ! Se você não ocupa sua vida com finalidade e uma
direção, cuidado! Por enquanto é só uma casa vazia, só um ser humano
vazio...daqui a pouco um ser humano cheio de coisas que a gente não sabe o que
é. Um homem vazio ainda não é um homem perverso, mas pode ser um homem a ser
manipulado em direção da perversidade.
Vós sois bons quando
vos esforçais
por dar de vós
próprios.
Mas não sois maus
quando
vos limitais a
procurar o lucro.
Pois, quando lutais pelo
lucro,
sois simplesmente
raízes
que se agarram à terra
e lhe
sugam o seio.
Bem, buscamos recursos para
sobreviver; mas uma planta completa tem raízes, galhos e dá frutos. Se eu só tenho
raízes, eu tenho uma meia planta, ou seja, eu só me preocupo em ficar sugando
os nutrientes da terra e recebendo energia, eu tenho meia planta. Você não
diria que uma raíz debaixo da terra, é uma planta. Você não diria que um homem
que só quer receber recursos, dinheiro, atenção e status é um homem completo. É
meio homem. A mesma coisa é uma vida que só busca isto. É meia vida. Entendem:
É meia planta. Meio homem, meia vida.
Meio. Só a fase da sobrevivência foi desenvolvida. A fase de gerar
frutos presente ao mundo, dizer que veio, nem começou a se desenvolver. Isso
ainda não é humano. É uma possibilidade de ser humano. Isto é mal? É o começo. Mas...vai dar frutos
ou não vai? Porque senão vai morrer sem ser uma planta. Quem só tem a fase
raiz, ou seja, passa a vida inteira querendo ganhar recursos; só foi raiz. Não foi
uma planta completa.
Certamente, a fruta
não pode dizer à raiz:
“Sê como eu, madura e
plena e sempre generosa
de tua abundância.”
Pois para a fruta, dar
é uma necessidade, assim como,
para a raiz, receber é
uma necessidade.
Então aquele que está vivendo
a fase de receber que é a fase raiz, esse é o momento dele, mas é natural que
ele tenha ambição de um dia lançar ramos e dar frutos. Isso é fundamental. Todo
ser tem essa necessidade, até as plantas têm essa necessidade de dar frutos ao
mundo e não simplesmente sugar do mundo.
Hoje temos o hábito de achar
que as pessoas que têm muitas coisas são importantes. Qual o homem da história
que ficou importante porque tinha coisas? Quem era rico na era de Platão? De
Sócrates? E por que eles ficaram famosos e cruzaram dois mil anos com o seu
nome? Sabe por quê? Porque deram muita coisa. Os homens são grandes pelo tamanho
da sua generosidade. Não são grandes pelo que acumulam. Porque se as pessoas
precisam ter coisas para ser grandes, a grandeza é das coisas, e não deles.
Os homens que se imortalizaram
na história foi porque deram muita coisa.
Vós sois bons quando
falais plenamente acordados.
Porém, não sois maus
quando adormeceis enquanto
vossa
língua balbucia coisas sem propósito.
Mesmo um discurso
guaguejante,
pode fortalecer uma língua
débil.
Os balbucios são admissíveis
aos dois meses (quando uma criança nasce), mas a partir de determinada idade,
você vai ter de falar uma língua. Quais são os temas de nossas conversas?
Será que há profundidade
naquelas palavras? Então até determinado momento de nossas vidas isto é
admissível; o que não é admissível é a falta de crescimento nosso.
Você para ser humano tem de se
deslocar, tem de buscar a profundidade das coisas.
Vós sois bons quando
andais rumo ao vosso objetivo,
firmemente e com
passos intrépidos. Porém, não sois
maus quando ides
mancando; mesmo aqueles que mancam,
não andam para trás. Mas vós, que sois fortes e velozes,
guardai-vos de mancar por complacência da presença dos mancos.
Ou seja, uma pessoa está se
deslocando numa velocidade pequena, está mancando...se está indo sem pressa e
sem pausa e está crescendo, é digna de respeito, é aceitável. É muito melhor do
que aquele que está parado ou andando para trás. Mas é possível! Uma pessoa que
ao longo de sua vida, não cresceu nada como ser humano, simplesmente sugou os
recursos da terra. Ao longo de sua vida já foi negativa, porque ele não
acrescentou nada e recebeu muito. A vida investiu muito nele para mantê-lo vivo
por 60-70...anos
E aqueles que foram fator de
subtração na vida dos outros? Fizeram com que a consciência das pessoas
baixassem; fizeram com que as pessoas sofressem; fizeram com que as pessoas
ficassem mais materialistas... todo mundo que cruzou com ele saiu pior do que
estava antes. Esses não só, não somaram,
como subtraíram. O homem que está crescendo, avançando ainda que lentamente,
está bom, respeite. Confúcio falava “se você perdeu uma perna, não despreze
aquele que chora pela dor de um unheiro”. Ou seja, não considere que aquela
pessoa que vai devagar, é negativa, pois ela está andando...está bem.
Se você tem um ritmo, se você
tem um sentido de vida, se você quer fazer diferença como ser humano; quer
crescer e disser ao outro que vai ficando pra trás: “oh...coitadinho, está
ficando pra trás”. Isto não é justo nem com você nem com os outros que precisam
de referência. Se você anda, você prova que é possível andar; se você tem
velocidade, você prova que é possível ao ser humano fazer isto. Crescer é um ato de amor.
Vós sois bons de
inúmeras maneiras,
e não sois maus quando
não sois bons.
Estais apenas ociosos e
indolentes.
Pena
que as gazelas não possam ensinar
A velocidade às
tartarugas.
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