domingo, 29 de setembro de 2019

GIBRAN: O BEM E O MAL



Gibran irá tratar o mal como defeito, que tem sua origem latina, o espectro que significa, vazio, vácuo; ele não ira tratar o mal como maldade, perversidade, mas como a ausência do bem. Esta ausência de bem ainda não é pecaminosa, mas pode se tornar. É um vácuo, um vazio onde o bem ainda não dominou em você. Ele irá tratar o bem e o mal nessa acepção da virtude X vício, ou seja, qualidades e defeitos, pois o homem que tem um vácuo implica dizer que a virtude não foi conquistada e se esse vácuo não é ocupado pelo bem, pode ser ocupado pelo mal. Então, o que hoje simplesmente é uma pessoa ignorante, amanhã pode ser uma pessoa doente moral. Pode ser um agressor, uma pessoa com o comportamento totalmente desajustado.

                                               
                                               E um dos anciãos da cidade disse:

                                               Fala-nos do BEM e do MAL

                                               E ele respondeu:



Percebam quem faz a pergunta é um ancião (um homem que já no final de sua vida está querendo entender  a questão mais importante da vida, que é : o que é que é o BEM e o que é o MAL.

Platão diz que a coisa mais importante que temos de entender  na vida, é a ideia do BEM. O que é o BEM, porque na realidade, toda a nossa vida deveria ter servido a isto.

Se você não entende nem o que ele é; como pode direcionar a sua vida?

Então esse homem com idade avançada, já tem uma sabedoria mais consistente, não quer saber de superficialidades, e sim, de coisas profundas.

A ideia do ancião dentro das tradições antigas é essa: um ancião é um homem que ganhou em anos físicos e ganhou também em anos psicológicos, em anos morais. É uma pessoa que tem maturidade de alma e sabe o que é importante saber da vida. Percebam que esta definição do ancião, que vai dar origem em Roma à uma das instituições políticas mais antigas que a gente tem , que é o SENADO, que vem de seni (senil) isto não era pejorativo. Senil hoje é pejorativo. Se você disser que alguém é senil, está dizendo que você está numa velhice decrepta, mas antes não era. A ideia era uma pessoa idosa, o suficiente para ter conhecimento profundo da vida. Se considerava que a vida é como se fosse dois vetores que se entrecruzam: com o passar do tempo, tem um vetor que é descendente necessariamente ( é aquele da energia física) quanto mais você vive, menos energia tem. Isto não tem como discutir. Agora, existe um outro vetor   ascendente( que é o vetor da energia metafísica espiritual. Um é da física e o outro da metafísica.

À medida que o homem vai perdendo energia física, vai conquistando maturidade (capacidade de lidar de maneira profunda  com acontecimentos da vida). Uma vai compensando a outra, pois isso faz com que ele chegue diante da morte com lucidez e com algo para ensinar. As civilizações consideravam este homem uma preciosidade.

Quandoos Bárbaros atacavam Roma, os anciãos eram os primeiros a serem escondidos, protegidos para não serem mortos pelo espírito de Roma que poderia se perder. Imagine na sociedade atual se alguém se preocuparia em proteger idosos? Chega a ser engraçado.

Na tradição original indiana, não se falava que uma mulher era bonita quando era jovem; ela era atraente, bela era só uma idosa. Ou seja, aquela que tem maturidade para transmitir algo e que sabe o que transmitir.

 Então, isto é um ancião belo, que tinha curiosidade de chamar uma sábio e dizer: “me fala das coisas essenciais da vida, eu quero saber. Eu não quero deixar o mundo sem uma reflexão profunda sobre isso”. Essa é a ideia do sentido da vida, que vai se tornando mais profunda e de maior valor à medida que avança.

Na nossa sociedade parece que a vida vai ficando cada vez pior a medida que avança, porque o único valor é aos prazeres físicos. Se não é o único, pelo menos o mais venerado. Parece que a vida vai ficando pior.



                                               Do bem que está em vós,

                                               poderei falar,

                                               mas não do mal.

                                               Pois o  que é o mal

                                               senão o próprio bem

                                               torturado por sua fome e sede.



Uma das coisas mais recorrentes da filosofia grega é : existe o mal? O mal absoluto? Mal mesmo? Para a filosofia platônica, por exemplo, e várias outras, Não!!!

Imaginem vocês, se uma coisa é absoluta, por exemplo: O BEM. Deus é o BEM absoluto! Se existe um absoluto, não pode haver dois. Se houver dois absolutos, todos dois são relativos. Se uma coisa é absoluta, não pode ter outra, absoluta.

Se você admite que  alguma coisa é absolutamente má, você está negando Deus.

Digamos que uma caneta fosse absolutamente má, seria uma injustiça com ela, porque nenhum lugar do universo ela serviria pra nada, a não ser para prejudicar as pessoas. E ao mesmo tempo geraria um paradoxo, porque se ela é absolutamente má, tem dois  absolutos no Universo; então nenhum dos dois é absoluto, todos dois se tornam relativos.

O mal absoluto do ponto de vista da filosofia, não existe.

Então ele diz: eu posso falar do bem e não do mal.

Porque o mal nada mais é do que um vácuo onde a consciência ainda não trouxe o BEM à tona, mas mal absoluto mesmo, do ponto filosófico, não tem.

O que é o mal senão essa dor, esse sofrimento que surge nos seres quando o bem está querendo vir à tona. É como se fossem as dores do parto.

O sofrimento que está sempre associado ao mal é falta de bem. É o bem querendo aflorar na consciência. É uma virtude que está querendo nascer em você, e tudo aquilo que quer nascer tem essas dores do parto que te faz sofrer e te deixa angustiado.

Uma pessoa absolutamente inconsciente de que necessita ter virtudes sem nenhuma falta dela  e feliz com os defeitos  que tem, isto é um psicopata. Este não está sofrendo. O sofrimento vem exatamente no sentido da falta de algo que não sabemos bem o que é. É o bem querendo vir à tona em nós, é este o nosso destino: encarnarmos o bem, sermos conscientemente bons. Os seres vieram à Natureza, todos eles para cumprir uma função. Desde as pedras que resistem (no mundo mineral tem essa função da resistência, da inércia).

Se um ladrão tenta arrombar a porta da casa e não arromba, ela é uma boa porta, resistente. As coisas no mundo material prima-se a resistência.  O diamante é a pedra mais resistente que tem e por isso é tão valiosa, segundo às qualidades dela. As virtudes do plano vegetal são capacidade de geração de energia (as plantas são todas base da cadeia alimentar ).Elas geram energia e alimenta todo sistema alimentar, ou seja, transforma no seu processo metabólico, àquilo que elas recebem da luz solar em energia. Os animais vivem em função de dois instintos que é a sobrevivência e a perpetuação da espécie. E o homem? O que veio fazer no mundo? Os minerais estão resistindo; os vegetais estão gerando energia; os animais estão sendo instintivos e o homem veio aportar o que no mundo? Segundo se diz classicamente, o homem veio aportar: valores, atitudes e sabedoria. Se ele não faz isso, é um ser que não está fazendo aquilo que se espera dele. Não nasceu como ser humano. Quando você ver um ser humano, cujo único objetivo de vida é sobreviver confortavelmente e procriar prazerosamente, a consciência dele ainda está no mundo animal (são corpo é humano) e se isso existisse de forma absoluta na consciência do homem, em geral essa pessoa não suporta lucidamente isso. Em geral , enlouquece, é um psicopata. É totalmente brutal e também não tem problema de consciência. Por exemplo, matou a mulher e depois foi ao cinema. Isto não é uma pessoa normal. Em geral, todo vício provoca um estado de dor, de sofrimento... é dor de não sermos aquilo que a natureza espera que sejamos. A dor de não termos correspondido àquilo que se espera de nós. A nossa própria alma espera isso de nós, então daí bem o sofrimento, daí vem esse vácuo que tem de ser preenchido.



                                               Em verdade, quando o bem sente fome,

                                               procura alimento até nos antros escuros, e,

                                               quando sente sede, sacia-se até em águas estagnadas.



Sinto necessidade de algo, angústia, mas eu não sei o que é. Eu vou tentar  saciar essa angústia com o que eu tenho, entende?

Hoje grande parte do que chamamos depressão, é angústia existencial. As pessoas estão sentindo falta de algo, a sociedade diz pra elas que são falta de  coisas, então elas compram coisas, coisas ...e continuam angustiadas.

Será que a depressão não é infelicidade? Angústia existencial por você não saber o que você veio fazer na vida? Não encontrar um sentido de vida mais profundo. Sentir  falta e a sociedade diz: é falta de coisas. É falta de dinheiro; é falta de um emprego melhor e você consome, consome, consome essas coisas e permanece angustiado. Você tenta saciar a angústia com aquilo que você tem na mão. Se eu estou com sede e só tenho uma poça de água na mão, vai ela mesmo. Eu tento saciar a minha sede comprando mais carro, comprando mais roupa e continuo com a mesma sede. Inclusive isto é manipulado. Platão no mito da caverna fala sobre isto: a angústia existencial do homem. Então eu consumo o que eu tenho: a água que tenho...e isto não me sacia porque não é disto que eu estou sentindo falta. Mas isto inclusive pode ser uma das causas que a gente tem para o consumismo. Então você se alimenta até em antros escuros e sacia-se até em águas estagnadas, mas nem este alimento nem esta bebida matam tua fome e tua sede. Você sente fome e sede do corpo, então alimenta o corpo, mas a tua alma, ainda que você não acredite nela, ela existe porque a verdade não depende da opinião dos seres humanos que também tem fome e também tem sede. Enquanto você não percebê-la e não souber do que ela se alimenta, não passa tua angústia existencial.

Você vê uma pessoa 20-30 anos dependente de um monte de terapia para viverem com a sua depressão, mas passar, não passa. Curar não cura.



                                               Vós sois bons quando vos identificais

                                               com vós mesmos. Mas não sois maus quando

           deixais de vos identificar com vós mesmos.



Imagine o seguinte: Uma pessoa =, quando ela tem identidade é como se ela consumisse a sua vida como se fosse um veículo. Vai lá no volante e assume a direção do carro: vai na direção que ela quer, na velocidade que ela quer; porém identifiquei e dominei o meu veículo. Agora, não identifiquei o que eu sou nem o que eu vim fazer no mundo. Uma pessoa meio perdida; caí aqui de paraquedas e estou sentado no banco de trás. Bom, agora o carro está parado; não tem ninguém sentado no banco da frente.

Neste momento, eu não estou sendo mal, eu só estou sendo inerte. Mas se você deixar esse banco da frente desocupado, pode vir alguém e tomar o volante da sua vida.

Dirigir na direção que não é a que você quer e numa velocidade que não é a que você quer, você pode fazer vítimas usando o teu veículo.

Quando a avó dizia: mente vazia é a oficina do diabo, neste caso não é só a mente, é a vida vazia e acaba sendo joguetes na mão de interesses coletivos de massificação; de interesse midiático. Se você não toma às rédeas de tua vida, mais tarde alguém vai tomar.



                                               Pois a casa que se divide não se torna antro de ladrões;

                                               é apenas uma casa dividida.

                                               E um navio sem leme pode vaguear sem rumo

                                               entre recifes perigosos e não se afundar.



Eu não tomo posse da minha vida, eu sou um barco à deriva, pode ser que fique à deriva há muito tempo...ele não pode ser engolido por uma onda? Pode ser estraçalhado numa pedra? Pode. Pode se destruir ou então trombar com alguém que esteja nadando e machucar uma pessoa. Pode ser que navegando aí à deriva não cause nenhum mal e pode causar. A Natureza não deixa vácuos ! Se você não ocupa sua vida com finalidade e uma direção, cuidado! Por enquanto é só uma casa vazia, só um ser humano vazio...daqui a pouco um ser humano cheio de coisas que a gente não sabe o que é. Um homem vazio ainda não é um homem perverso, mas pode ser um homem a ser manipulado em direção da perversidade.



                                               Vós sois bons quando vos esforçais

                                               por dar de vós próprios.

                                               Mas não sois maus quando

                                               vos limitais a procurar o lucro.

                                               Pois, quando lutais pelo lucro,

                                               sois simplesmente raízes

                                               que se agarram à terra e lhe

           sugam o seio.



Bem, buscamos recursos para sobreviver; mas uma planta completa tem raízes, galhos e dá frutos. Se eu só tenho raízes, eu tenho uma meia planta, ou seja, eu só me preocupo em ficar sugando os nutrientes da terra e recebendo energia, eu tenho meia planta. Você não diria que uma raíz debaixo da terra, é uma planta. Você não diria que um homem que só quer receber recursos, dinheiro, atenção e status é um homem completo. É meio homem. A mesma coisa é uma vida que só busca isto. É meia vida. Entendem: É meia planta. Meio homem, meia vida.  Meio. Só a fase da sobrevivência foi desenvolvida. A fase de gerar frutos presente ao mundo, dizer que veio, nem começou a se desenvolver. Isso ainda não é humano. É uma possibilidade de ser humano.  Isto é mal? É o começo. Mas...vai dar frutos ou não vai? Porque senão vai morrer sem ser uma planta. Quem só tem a fase raiz, ou seja, passa a vida inteira querendo ganhar recursos; só foi raiz. Não foi uma planta completa.



                                               Certamente, a fruta não pode dizer à raiz:

                                               “Sê como eu, madura e plena e sempre generosa

                                               de tua abundância.”

                                               Pois para a fruta, dar é uma necessidade, assim como,

                                               para a raiz, receber é uma necessidade.



Então aquele que está vivendo a fase de receber que é a fase raiz, esse é o momento dele, mas é natural que ele tenha ambição de um dia lançar ramos e dar frutos. Isso é fundamental. Todo ser tem essa necessidade, até as plantas têm essa necessidade de dar frutos ao mundo e não simplesmente sugar do mundo.

Hoje temos o hábito de achar que as pessoas que têm muitas coisas são importantes. Qual o homem da história que ficou importante porque tinha coisas? Quem era rico na era de Platão? De Sócrates? E por que eles ficaram famosos e cruzaram dois mil anos com o seu nome? Sabe por quê? Porque deram muita coisa. Os homens são grandes pelo tamanho da sua generosidade. Não são grandes pelo que acumulam. Porque se as pessoas precisam ter coisas para ser grandes, a grandeza é das coisas, e não deles.

Os homens que se imortalizaram na história foi porque deram muita coisa.



                                               Vós sois bons quando falais plenamente acordados.

                                               Porém, não sois maus quando adormeceis enquanto

                                               vossa língua balbucia coisas sem propósito.

                                               Mesmo um discurso guaguejante,

           pode fortalecer uma língua débil.



Os balbucios são admissíveis aos dois meses (quando uma criança nasce), mas a partir de determinada idade, você vai ter de falar uma língua. Quais são os temas de nossas conversas?

Será que há profundidade naquelas palavras? Então até determinado momento de nossas vidas isto é admissível; o que não é admissível é a falta de crescimento nosso.

Você para ser humano tem de se deslocar, tem de buscar a profundidade das coisas.



                                               Vós sois bons quando andais rumo ao vosso objetivo,

                                               firmemente e com passos intrépidos. Porém, não sois

                                               maus quando ides mancando; mesmo aqueles que mancam,

            não andam para trás. Mas vós, que sois fortes e velozes,

            guardai-vos de mancar por complacência da presença dos mancos.





Ou seja, uma pessoa está se deslocando numa velocidade pequena, está mancando...se está indo sem pressa e sem pausa e está crescendo, é digna de respeito, é aceitável. É muito melhor do que aquele que está parado ou andando para trás. Mas é possível! Uma pessoa que ao longo de sua vida, não cresceu nada como ser humano, simplesmente sugou os recursos da terra. Ao longo de sua vida já foi negativa, porque ele não acrescentou nada e recebeu muito. A vida investiu muito nele para mantê-lo vivo por 60-70...anos

E aqueles que foram fator de subtração na vida dos outros? Fizeram com que a consciência das pessoas baixassem; fizeram com que as pessoas sofressem; fizeram com que as pessoas ficassem mais materialistas... todo mundo que cruzou com ele saiu pior do que estava antes. Esses não só,  não somaram, como subtraíram. O homem que está crescendo, avançando ainda que lentamente, está bom, respeite. Confúcio falava “se você perdeu uma perna, não despreze aquele que chora pela dor de um unheiro”. Ou seja, não considere que aquela pessoa que vai devagar, é negativa, pois ela está andando...está bem.

Se você tem um ritmo, se você tem um sentido de vida, se você quer fazer diferença como ser humano; quer crescer e disser ao outro que vai ficando pra trás: “oh...coitadinho, está ficando pra trás”. Isto não é justo nem com você nem com os outros que precisam de referência. Se você anda, você prova que é possível andar; se você tem velocidade, você prova que é possível ao ser humano fazer isto.  Crescer é um ato de amor.



                                               Vós sois bons de inúmeras maneiras,

                                               e não sois maus quando não sois bons.

                                               Estais apenas ociosos e indolentes.

                                               Pena que as gazelas não possam ensinar

                                               A velocidade às tartarugas.

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