Escrevi recentemente sobre a vida ser ou não ser justa. Tipo de filosofia de fundo de quintal ou beira de praia. No meu caso, poltrona da sala. Concluí que ela (a vida...) nem é justa nem injusta, porque não é uma pessoa ou uma deusa, não pensa nem escolhe quem vai ajudar ou arrasar.
A vida apenas é. E corre como aquele rio do
tempo, nós sendo as pedras do fundo, buriladas ou esfoladas nesse curso que não
cessa. Pode ser - pode ser apenas - que a gente possa conferir algum sentido
aos nossos dias e noites e anos e décadas feitos de momentos. Há quem diga que
devemos nos fixar nos momentos. Mas... e o que vem de arrasto?
Se formos otimistas de natureza e por
convívio com família positiva, podemos dar a essa vida, apesar das trombadas e
tropeços, algum significado: estou aqui pra aprender, pra ser melhor, pra
produzir alguma coisa útil, seja ideia, casa, livro, cura, comida... para
cuidar desses que destino ou acaso ou minha vontade botaram junto de mim... pra
curtir, em suma.
O sentido talvez seja tentar ser uma boa
pessoa. Primeiro dilema: o que é isso? Boa, boazinha, boba? Decente, gentil,
esforçada, amiga, amorosa. Alegre quando possível, braba quando preciso,
indignada sem se tornar chata... fiel e leal, não abandonar pessoas nem pets
pelo caminho. Nem roubar dos ricos para dar aos pobres, nem dos pobres para
encher a carteira. Ou trabalhar mais do que o possível, matar-se de lutar sem
retorno, aguentar os chatos, os perversos, os burros arrogantes - pior de todas
as pragas? Desculpem, isso não é vida.
Nem creio que a vida seja justa, nem que a
gente deva ser sempre boa e merecedora do céu ou quaisquer alegrias. Mas acho,
sim, que a gente poderia se esforçar para ser melhor em tudo ou em alguma
coisa, até porque nós mesmos íamos nos sentir bem.
Lamentar-se demais não ajuda em nada, ficamos
cansados de nós mesmos. Muitos enfrentam com heroísmo calado dores
incalculáveis, físicas ou emocionais, e não jogam isso em cima de ninguém.
Outros, porque choveu quando queriam ir à praia, envenenam o clima da casa com
seu mau humor ridículo.
Viver é difícil, ah, sim. Por exemplo: fazer
e ter filho é tudo de bom, mas educar é aquele drama se não tivermos bom humor,
espírito prático e sensatez. Bom senso anda fora de moda, vivemos de
receituários malucos, mas, às vezes, é bom parar pra pensar (sem desmoronar): o
que seria melhor agora, com essa pessoa, essa amiga, esse filho ou parceiro,
ou... comigo mesma? Viver sozinho é o desejo de muitas pessoas, eu, por
exemplo, não me imagino só com cachorrinho e eventual diarista. Minhas
funcionárias estão comigo há décadas, são pessoas minhas. Filhos aparecem,
netos e netas idem, falamos muito no whats, e o marido está aqui firme, quieto,
amigo, e escrevendo suas coisas incríveis.
Não há respostas prontas, nem há essa justiça
da qual tanto reclamamos. Mais um trabalhinho para os pobres seres humanos:
inventar a vida.
(Eu não tenho a receita .)
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