sexta-feira, 23 de agosto de 2019

GIBRAN : O TEMPO


O

A pessoa que pergunta, obviamente tem a ver com aquilo que é perguntado. É a pessoa que teria condições de ter curiosidade sobre aquilo. Como Gibran pretende criar um mito, na estrutura mítica nada é por acaso. Tudo tem um sentido e tudo tem algo para ensinar. Isto não quer dizer que conseguiremos decodificar tudo, mas dentro do que é possível, interpreta-se as entrelinhas de tudo o que ele diz. Normalmente quando ele fala sobre o conceito de algo, não é de acordo com o que pensávamos ou esperávamos que fosse. Em geral é melhor do que a gente espera e é sempre surpreendente. Ele redefine tudo. Ele não irá falar sobre um tempo de relógio, mas sim, sobre um tempo real. Ele trabalha neste texto com o conceito de tempo muito parecido com o dos gregos. Os gregos têm uma estrutura de sucessão de deuses do Olimpo, que primeiro tem Uranus (que é um universo de potencial); depois vem Caos, depois vem Cronos e depois Zeus( que é o senhor do Olimpo – o senhor da eternidade).

            A humanidade em geral  está vivendo no Caos primordial, em Cronos ou em Zeus que representa a eternidade?

            Estaríamos vivendo no Caos porque Cronos não é tempo de relógio. Cronos é tempo real. E tempo real é medido pelo deslocamento do ser humano em direção ao ideal humano. Segundo a Filosofia, que Gibran adota  muito bem, todas as coisas estão em evolução em direção ao ideal humano. Que é a plenitude de valores, virtudes e sabedoria que se pode ter enquanto ser humano. Assim como existe o ideal das plantas que é fazer fotossíntese, fazer trocas gasosas com o meio;  existe o ideal dos animais que é o extinto de sobrevivência e perpetuação da espécie...O ideal do ser humano são valores, virtudes e sabedoria.

            Imagine encontrar um amigo e fizesse um diagnóstico em que momento ele está. Ele é muito crítico, tem uma tendência a inércia, é uma pessoa que tem algumas dificuldades, mas tb tem algumas facilidades...vc  faz um quadro: o perfil psicológico desta pessoa. Depois de 10 anos você o reencontra. Ele está 10anosfisicamentemais velho, mas continua crítico, com tendência à inércia...do jeitinho que você o encontrou há 10 anos atrás... Existiu um tempo real para esta pessoa? Do ponto de vista da distância para o ideal humano, ele não saiu do lugar. O tempo de relógio não é tempo real. Tempo real se mede por deslocamento em direção ao aperfeiçoamento de consciência. Em direção ao ideal humano.  Se não houve nem um passo, não houve tempo real. A pessoa nem entrou no tempo, ela está no Caos.

            Entrar no tempo significa se deslocar de um determinado lugar para atingir aquilo que se chama de eternidade, que é o Olimpo - mundo de Zeus.

            Até a etimologia das palavras diz isto – Olimpo vem de elimbo, aquilo que emergiu do limbo ( aquilo que se colocou acima do tempo e do espaço)- a eternidade, a sabedoria.

            Quando o homem supera o tempo, ele pode chegar ao Olimpo, mas superar o tempo significa vivê-lo como ser humano. Atravessá-lo. Cronos dá acesso a Zeus. Ele gera deslocamento da consciência. Se você não tem deslocamento de consciência, você não está no tempo. Tempo de relógio. Só a biologia cumpre o seu papel, o resto não.

            A psicologia, o espírito estão estagnados. Só o corpo cumpre o seu papel  ,porque não é mérito nosso, ele é tutelado pela vida. Ele trata o tempo numa outra chave. Ele questiona um pouco essas queixas que o ser humano tem em relação ao Tempo que passa, mostrando que o homem poderia conquistar um tempo que não passa. O tempo que fica; o tempo estável. O homem poderia conquistar a eternidade – que no fundo é a ânsia de todo mundo.

            Se pararmos para observar, não existe um ser humano na face da Terra que não sinta um certo desconforto diante da morte. É tão paradoxal...que um ser que tem imaginação, vontade de criatividade, amor... de repente vira em nada...para onde foi tudo isto?

            Todo o Universo que vibra dentro de um ser humano foi para onde? É um paradoxo. É algo estranho. Todo ser humano desejaria superar a morte.

            Mas, o que diz Platão,  e Gibran vai também expressar neste texto- você tem de considerar que dentro daquilo que a gente chama VIDA, nós estamos mais inconscientes do que conscientes. Maior parte do tempo estamos desdobrados, dispersos. E do ponto de vista clássico, quando se fala em eternidade é eternidade de consciência. Se nós não conseguimos nem eternidade de consciência dentro da vida, como vamos conseguir depois da morte?  Nós estamos mais mortos do que vivos.

                                     E um astrônomo falou:

                                  Mestre, o que dizes do Tempo?

                                    E ele respondeu:

            Por que tem de ser um astrônomo perguntando sobre o TEMPO?

Ele tentou pegar uma pessoa que pensa grande sobreo Tempo, pois a maior parte das pessoas têm uma expectativa de tempo muito medíocre. Quando pensamos hoje no futuro, é  um futuro que teríamos daqui a quanto tempo? Normalmente é  um futuro para daqui a uma semana, daqui a dois meses, férias...alguém será que pensa no dia de hoje? Sabe por que nos afogamos no copo d’água? Porque somos do tamanho dele. Pensamos muito pequeno no Tempo. Como você pode estruturar aonde você quer chegar coma sua vida, se em nenhum momento pensa na obra final da sua vida. Pensar na obra final da sua vida significa confrontar a morte. Confrontar que um dia ela vai cessar. É como uma pessoa que vai construindo uma casa sem nunca fazer uma planta. Tem medo de fazer a planta, olhar para o futuro. Imagine você construir uma casa sem ter planta e sem saber aonde vai chegar com isto. Suponhamos que hoje eu cavo uma fundação para um prédio e amanhã eu abandono porque quero uma casa térrea...um dia quero que ela seja pro nascente, amanhã para o poente...na verdade, terei um monte de material espalhado e não vou ter uma casa. Um mestre de obra todos os dias olha para uma planta, pro futuro, pra casa pronta para saber o que vai fazer hoje. Nós não pensamos grande em relação ao Tempo e isto nos torna medíocre, com projetos pequenininhos: do tamanho de uma semana, um ano...e nunca do tamanho de uma vida. Então Gibran tenta imaginar um homem que poderia perguntá-lo sobre o tempo de uma maneira mais ampla, que não olha para as coisas pequenas da sobrevivência. Um homem que olha para as estrelas, que tenta entender o mistério do tempo. Alguém que pensa grande porque este teria condições de talvez entendê-lo.

Um astrônomo entenderia o tempo de uma maneira universal, além da mera sobrevivência.

                                  

                                     Gostaríeis de medir  o tempo,

                                     O ilimitado e o incomensurável.

                                     Gostaríeis de ajustar

                                     vosso comportamento

                                     e mesmo de reger

                                     o curso de  vossas almas

                                     de acordo com as horas e as estações.



Ou seja, você gostaria de medir aquilo que não tem medida. Porque o verdadeiro tempo que você está buscando, não é este do dia-a-dia, porque este você sabe o que é. Este por definição são 24 horas, cada hora com 60 minutos, cada minutos... todo mundo sabe. Agora, como as coisas podem passar? Como as coisas podem deixar de ser...como pode deter o tempo...estamos falando de outra dimensão e este não tem como medir. Não dá pra medir. Este existe. Temos de  atingir uma outra forma de avaliar  o mundo que  não através de uma régua. Porque ele não é físico, não é mensurável.

            Da mesma maneira que o corpo se adequa as horas e as estações: se está de dia, estamos ativos; se está de noite, estamos com sono...se está na primavera-verão temos muita energia; outono-inverno a gente tende a ficar mais sonolento, cansado.. Porque ele não é físico; não é mensurável.. Logo, da mesma maneira  que o corpo se adequa a natureza física da terra; nós queremos adequar também a nossa alma ( a nossa psique, o nosso eu espiritual). Porque cada dimensão tem a sua própria adequação de tempo.

            Existe uma teoria que diz o seguinte:  Existe em nós uma vida física que é assim: quanto mais a gente vive, menos energia tem, mais cansado fica, mais as suas funções corporais vão perdendo a sua eficácia, os sentidos começam a amortecer, a energia corporal não é a mesma de 30 anos atrás...

Uma explosão de energia quando nasce, no final, essa energia irá ficando mais fracionada, ou seja, a vida física ou biológica, a medida que ela avança, ela decai em termos de sua qualidade; porém, existe dentro do homem uma outra vida, a vida metafísica ou espiritual. Espiritual e psíquica que são esses planos sutis. Que ela deveria seguir uma trajetória totalmente oposta: Quanto mais você vive, mais você sabe. Mais terá imaginação, maturidade, capacidade de resposta à vida, energia

(porque dá energia também). Sabedoria dá energia, dá motivação, garra...O homem que sabe pelo que vive; que tem boas ideias, que quer fazer uma grande obra pelo mundo se transforma em capacidade de criação, de movimento...

            Quando a gente vê aqueles filmes antigos, em que tem aqueles mestres de artes maciais velhinhos e os discípulos tudo jovem e que não conseguiam bater neles. Então observamos uma tal capacidade de concentração de ver os detalhes que contrabalançavam com a energia física dos discípulos abobados (que não sabiam como usar essa energia).

            A energia metafísica compensa com vantagem a física.

            Quanto mais você vive e mais sábio se torna, isto te dá habilidades para lidar com as circunstâncias e compensa as perdas de energia física.

            Agora, se crescemos e não amadurecemos...crescemos por fora  e não crescemos por dentro; a vida fica sem sentido, porque não tem mais nada que contrabalance, que compense.

            Neste texto Gibran questiona: você está querendo medir a idade da sua alma pela idade do seu corpo? Então ele chama atenção: É o contrário. Quanto mais o corpo amadurece mais a lama tem de estar jovem: vitalizada, cheia de energia, cheia de ideias, profunda, com capacidade de ação.

            Uma coisa curiosa, em Roma, quando os Bárbaros invadiam, a 1ª preocupação que eles tinham era de tirara os anciãos (porque era um patrimônio da sociedade e tinha de protegê-los).

            O nome SENADO é a expressão política mais antiga, derivada de senis(senil). Não era um nome pejorativo, e sim, um elogio. Os idosos são o patrimônio da cultura, da história desta civilização.

            Imagine no nosso momento histórico se alguém iria pensar uma coisa dessas?

            As idades avançadas se tornaram quase que um peso na nossa mentalidade atual. Por quê? Porque não sabemos mais considerar a vida de maneira correta e não sabemos usar o tempo de maneira correta.

            Então Gibran diz: “Não mede o tempo do teu corpo pelo tempo da tua alma. O tempo da tua alma pode ser sempre ascendente. Não usa o mesmo relógio. Embora o teu corpo esteja em pleno inverno, mas atua alma pode estar em pleno verão (permanentemente ativa, cheia de ideias). Ela não precisa seguir o ciclo do corpo porque ela não e da mesma dimensão e você tem de aprender a entrar na dimensão da sua alma.

            No Egito, quando morria uma pessoa, eles colocavam um monte de estátuas pequenas dentro do túmulo( que era para acelerar a consciência da pessoa para que elas se adaptassem a um outro plano, a um outro tempo de vibração, um plano mais sutil), o plano da alma.

            O tempo em cada plano tem uma dinâmica própria. O tempo no plano da alma não envelhece, no sentido de tirar atributos. Pelo contrário, ele dá atributos.



                                               Do tempo, gostaríeis de fazer um rio,

                                               na margem do qual vos sentaríeis

                                               para observar correr as águas.



            Normalmente gostamos de ver como passam as modas, como passam os costumes, mas nunca gostamos de ver como passamos NÓS.

            Muitas vezes gostaríamos de estar à margem desse processo.

            O tempo pode passar, mas normalmente queremos que ele não nos atinja, que ele não chegue a nos tocar.

            Como nos colocaríamos à margem do tempo? Porque tudo o que você ama, está dentro do rio do tempo e ele leva tudo! A tendência é irmos juntos.

            As coisas passam, mudam e são transitórias. Se tudo o que você ama é transitório; você também é transitório porque você corre atrás das coisas que ama.

            Na tradição Egípcia tem um momento que ilustra bem o que Gibran fala.

            Quando o homem morria, era levado a um local onde a deusa Maat tem uma balança com dois pratos. Ela colocava o coração do morto num prato e no outro ela colocava uma pluma que ela tinha na cabeça. Quando o coração do morto pesava menos do que a pluma de Maat, ele subia para o além- a terra de Amo; quando pesava mais, ele voltava ao mundo.

            Por quê? Por que Maaat era malvada? Não!!!

            Imagine vocês o que é que um homem pode amar para pesar menos que uma pluma? Se ele ama a fraternidade, a bondade...essas coisas não tem peso. Ele vai ao mundo onde essas coisas reinam.

            Se ele ama coisas, sensações, prazeres, objetos...isto pesa. Ele vai ficar no mundo onde essas coisas reinam. O homem sempre vai para onde o seu coração aponta; logo, não adianta você estar à margem do rio, se tudo o que você ama, o rio leva. Tudo o que você ama é transitório.

            Aonde você está se fixando para ficar à margem do tempo?

            Se você está se fixando nas coisas que são transitórias, o tempo irá te arrastar junto com elas.

            Ou seja, não temos uma qualidade de consciência para que nos permita estarmos fora do tempo. Isto não é impossível! Mas é impossível para quem vive como nós vivemos: tão transitórios quanto o tempo. Nada em nós permanece. Não sabemos quem somos. Não temos uma visão profunda de vida que vá só se aprofundando; não temos sentimentos profundos que o tempo seja capaz de levar...ou seja, tudo é transitório e o rio do tempo vai nos arrastar.



                                               Contudo, o que, em nós,

                                               escapa ao tempo,

                                               sabe que a vida também

                                               escapa ao tempo

                                               E sabe que ontem é

                                               apenas a recordação

                                                   de hoje,

                                               e amanhã,

                                               o sonho de hoje.



                Ele quer nos induzir a pensar: quais foram os momentos de nossas vidas que mais nos ensinaram, que mais nos permitiu crescer?

                Momentos em que a nossa consciência estava mais lúcida, e aquele fato gerou um crescimento, um amadurecimento...este fato não está no tempo...Você pode viver mil anos , você não vai perder isto! Ele é eterno. Ele é um marco na nossa vida.  É como se  fosse um novo degrau de consciência.

                O momento que temos mais conscientes de nossas vidas, o tempo não é capaz de roubar de nós.

                Vida é sinônimo de tempo consciente; logo, os tempos conscientes que tivemos em nossas vidas são momentos de eternidade no meio do tempo.

                Será que existe algo que esteja vivo e não tenha algum grau de consciência?

                A planta tem grau de consciência ( se move com o vento, gera sementes). Tudo o que está vivo tem algum grau de consciência. O momento mais conscientes em que temos de nossas vidas, o tempo não é capaz de roubar de nós.

                Há alguns anos atrás fizeram as seguintes  experiências: pegaram pessoas na faixa etária de 30-40 anos e pediram para elas contarem TUDO o que lembravam de suas vidas... TUDO!!! Essa pesquisa foi feita com um grupo de aproximadamente 30 pessoas. Pessoas de memória excepcional, levavam cerca de 4 a 5 horas para contar toda sua vida. Imaginem em 30 anos,4 ou 5 horas (com todos os detalhes que elas lembravam); e o resto do tempo? Caiu no buraco negro da inconsciência. No piloto automático da mecanicidade.

                Quatro ou cinco horas foi o tempo que se eternizou, que não foi corroído pelo esquecimento. É só isto que é realmente TEU! O resto, o tempo já levou. Você está lutando para viver sempre, só que o tempo já levou a maior parte da sua vida!

                Agora, estas 4 ou 5 horas foram vividas com tanta intensidade, que o TEMPO não conseguiu roubar de você! O rio do tempo não conseguiu arrastar! Isto foi realmente VIDA, o resto foi só SOBREVIVÊNCIA.

                Existe uma frase que diz: “ TODOS OS HOMENS MORREM, MAS NEM TODOS OS HOMENS VIVEM.” Alguns só SOBREVIVEM. A rotina da SOBREVIVÊNCIA o TEMPO irá levar. Agora, o que você tem de VIDA, isto é eterno.

                Dizem os sábios do passado: que um momento que você fosse capaz  de viver com toda intensidade, com consciência plena, ele daria tanta informação que é como se tudo o que você tem para aprender na vida, tivesse contido em cada momento da sua vida. No Oriente chamavam isto de iluminação. Às vezes, um mestre falava para um discípulo uma frase, e a pessoa se iluminava, porque naquela frase, ele conseguia juntar todas as peças de um quebra-cabeça da sua vida. Em cada momento existe uma fresta para a eternidade.

                Se em cada momento estivéssemos de corpo e alma presente, ele teria detalhes para nos ensinar. A vida é toda pedagógica; ela que que você reflita oque você está fazendo no mundo, quem é você e onde você tem de chegar.

                Em cada instante do tempo existe uma fresta para eternidade, onde ali estaria contido tudo o que você veio fazer nesta vida.

                Há uma história zen que diz que tinha um homem que era excepcionalmente sábio, e um dia perguntaram: o que o Senhor faz para ser tão sábio assim?  Ele respondeu: Simples, quando eu estou descascando uma laranja, eu estou descascando uma laranja.100% da minha consciência está na casca da laranja e da faca. Eu compreendo que a vida é inteiramente pedagógica. Se eu estou vivendo aquilo, é porque tem algo para me ensinar. Cada momento da VIDA é um mistério. Se eu mergulho ali dentro, eu saio com alguma coisa. Eu saio com algo que eu posso me transformar num ser humano melhor. Em cada minuto, em cada instante, a vida está nos transmitindo algo. A vida é inteiramente simbólica.

                No livro tibetano dos mortos diz que, se houvesse um momento em nossa vida que não tivesse nada para nos ensinar, ele já teria sido tirado de nossa vida.



                                      E aquilo que conta e medita em vós

                                     continua a morar dentro daquele

                                   primeiro momento em que as estrelas

                                     foram semeadas no espaço.



                Sempre se diz que o homem tem uma essência ( que é imortal) e uma aparência (que é transitória). E o que é a morte? Você se identificar com aquilo que você temporariamente está.

E o que é a eternidade?  Você se identificar com aquilo que você realmente é.

                Superar o tempo,  seria se identificar com aquilo que dentro de você não morre (que é realmente você). Inteligência vem disto:  intelegere (escolher dentre). Dentre as inúmeras sugestões que o mundo faz, o que realmente você pensa? Dentre as inúmeras ideias que chegam até você, quem é realmente você?

                Saber se achar dentro de si mesmo. Quem sou eu? O que eu vim fazer no mundo? Qual é a minha identidade.

                Quanto mais você se aproxima de encontrar a si mesmo, mas você supera aquilo que é transitório. Àquilo que é realmente teu , não pode ser tirado de ti.

                Todas às vezes que você vê algo que pode ser tirado de você, isto ainda não é o que você é. Mergulhar dentro de si próprio e quando encontrar algo que NADA nem NINGUÈM pode tirar de você, significa que está se aproximando de sua identidade e está se aproximando também da eternidade. Isto te coloca além do TEMPO. Isto é uma coisa que nós muito pouco praticamos e muito pouco conhecemos., que é chamado de VIDA INTERIOR.  Por isto que somos tão solitários! Solidão não é falta dos outros e sim, falta de nós mesmos. Nós somos estranhos para nós mesmos.

                Há algo dentro de nós que sempre soube que o tempo é ilusório, mas se nós encontramos este algo, nós ficamos serenos porque nos colocamos acima do tempo.

                Existia uma psiquiatra que trabalhava com doentes terminais (tanatologista) e ela escreveu uma série de livros mostrando entrevistas com os pacientes. Ela dizia o seguinte: Quanto mais a pessoa é materialista, menos chance de confrontar a morte consciente( porque tudo o que ela se identificou, necessariamente, ela vai perder) –a consciência fica sem base. Quando ela tem algum grau de espiritualidade real, ela é serena, ela confia em algo que nada nem ninguém pode tirar dela.

                Na verdade, a morte é o resultado da maneira como encaramos a vida. Só flutuamos na periferia de nós mesmos. Essa periferia não é nossa. E quando ela se for, ficamos com o quê? Quem somos? O que vamos levar de tudo isto? Qual a nossa contribuição para nós mesmos e para o mundo?



                                               Quem, dentre vós, não sente

                                               que seu poder de amor é ilimitado?



                O verdadeiro amor, quanto mais você ama mais você sente que pode amar. O verdadeiro amor gera expansão.

                Cícero, pensador romano, dizia: “Se amas e te tornas mais justo, mais nobre, mais honrado, mais fraterno e mais altruísta; realmente, amas. Se amas e te tornas mais egoísta, mais isolado, mais mesquinho e mais voltado para os teus interesses; não amas e não ama ninguém que assim o faça.”

                 Aquele que se isola por causa de um amor, aquele que se torna mais egoísta por causa de um amor; isto não é amor, é paixão. Característica do AMOR é EXPANSÃO.

                Se eu amo um ser humano, através da expansão eu amo mais a humanidade. Eu me torno melhor como ser humano. Me torno mais integrado à natureza; tenho mais respeito, tenho mais paciência e tenho mais compaixão.

                Através de um  canal que o meu AMOR se expressa, ele se expande em todas as direções, então o que Gibran quer dizer? Quando nós vivemos um verdadeiro amor, sentimos que dentro de nós existe alguma coisa que é infindável ( que eu posso amar cada vez mais, que é ilimitado); existe dentro de nós uma sede de expansão do amor.

                Como pode um ser limitado e mortal ter dentro de si  uma coisa ilimitada e imortal? Se você tivesse um sentimento deste, você teria certeza da imortalidade.

                Quando experimentamos os valores humanos, eles nos provam que nós somos eternos. Se eles cabem dentro de nós, eles são eternos e nós também. Ao experimentara natureza humana, experimentamos também a eternidade.



                                               E, contudo, quem não sente

                                       esse amor, embora ilimitado,

                                      circunscrito dentro de seu

                                      próprio ser, e não se movendo

                                           de um pensamento amoroso a

                                      outro, e de uma ação amorosa

                                      a outra?

                Interessante, porque você sente que tem dentro de você um potencial de amor à humanidade inteira, e você, por opção, reduziu isto a um ser humano, dois...e meia dúzia de objetos...

                Sabe o que quer dizer carência afetiva? A gente acha que é falta de nos amarem, mas carência afetiva é a falta de libertarmos a nossa própria capacidade de amar.

                Vocês não vão encontrar uma pessoa carente, se ela durante todo o seu dia, em tudo o que ela faz deposita o seu amor; transborda amor por onde passa. Você percebe que esta expansão contínua do amor, ela acha a si mesmo e a um monte de pessoas. Ela não necessita receber amor de fora, pois ela tem uma fonte infinita de amor.

                Imaginem Madre Tereza sofrendo de carência afetiva. Ela não tinha nem tempo de pensar nisto. Quem jorra amor, não sente falta de amor.

                Nós nascemos, por definição, com uma capacidade de expansão de amor de 360º, aí por egoísmo a gente pega este amor de 360º e concentra num raio só e despeja em cima do marido, filho...Isto é um raio laser. Fulmina qualquer pessoa. Ninguém suporta! É possessivo...além da gente se tornar egoísta e frio pra tudo, sufocamos aquela pessoa com uma intensidade de amor que é desproporcional.

                Como conseguiremos dormir tranquilamente quando ouvimos o barulho do caminhão de lixo e observamos aqueles homens pendurados muitas vezes com apenas uma mão e sem máscaras. Respirando aquele cheiro infecto. Poderia ser um filho nosso... é cruel isto não doer em nossos corações! Como não dói?! Por que não dói? Por que aquele ser humano não tem direito ao teu coração? Então o teu coração está muito limitado, está com defeito. O certo seria que tudo o que fosse passado pela tua consciência, fosse recebido em teu coração.

                Isto é problema nosso! Helena Blavastki dizia: “Não deixe que seque a lágrima que corre do teu rosto enquanto não secares a lágrima que corre do último dos mortais”. Comprometa-se com a dor humana; considere que é um problema teu; considere como tua família! Você pode dizer: “Ah... vai ser desconfortável!” Desconforto não é a melhor coisa do mundo. Consciência, sim! É a mais humana. Conforto acomoda nossa alma. Mata aquilo que temos de mais nobre.



                                                               E não é o tempo,

                                                    exatamente como o amor,

                                                               indivisível e insondável?



                Temos uma caixinha, como se fosse uma caixa de joias que colocamos dentro os momentos do tempo, onde o tempo foi uma eternidade. Esses momentos preciosos, que você despertou, é como se você tivesse rasgado o véu da ilusão e visse alguma coisa de Deus do outro lado; alguma coisa de realidade. Os momentos que tocou profundamente o teu coração e parece que você entendeu alguma coisa. Momentos muito simples porque não acontecem coisas fantásticas na vida de pessoas como nós! Acontecem coisas do nosso tamanho, mas suficientes para despertar a nossa consciência. Momentos de beleza, momentos de honra, momentos de profundidade, momentos de compreensão... às vezes coisas extremamente  simples. Um gesto bonito de uma pessoa; uma dor de um ser humano que conseguimos aplacar um pouco; uma resposta que encontramos para perdoar alguém; uma conciliação de uma angústia que você tinha e você já sabe compartilhar porque você já resolveu aquilo, portanto, quem sofrer daquele mesmo mal você já tem uma resposta... Quando a gente vê algo muito belo , ali está um momento de Deus. A beleza não pode ser mortal. Ela é tão perfeita, tão completa. Essa característica de unidade é uma característica divina: Nada sobra, nada falta. E você começa a ter a certeza que há coisas dentro de você que o tempo não é capaz de devorar. Pequenos momentos de honra, de consciência, de beleza...esses pequenos momentos são cofres de ouro porque vai ser um passaporte para uma outra dimensão de tempo.

                                              



                                       Se todavia, deveis dividir o tempo em estações,

                                               que cada estação envolva todas as outras estações.



                Numa fresta do tempo, você pode ter todo tempo ali dentro.

                Imaginem que você vai fazer um suco de laranja. Você espreme a laranja e toma este suco.  Suco de laranja é muito rico em vitamina “C”. Vai aumentar tua resistência, vai fazer com que você fique menos susceptível a gripe. Essas qualidades do suco de laranja, vão com você mas as cascas você põe no lixo.

                Como fazemos em relação à vida? A vida nos dá uma experiência dura, dolorosa... Você espreme a experiência e tira só o que ela tem para te alimentar e joga a casca fora? Ou você sai arrastando um saco de cascas pela vida afora?

                No livro tibetano dos mortos, nos diz: Se nós acumulamos uma quantidade grande de mágoa, amargura, que já não nos permite dar um passo em direção ao crescimento, nós escolhemos morrer. A natureza só executa, porque  não existe vida possível  se não há possibilidade de crescimento.

                Então, você passa por um inverno doloroso, um outono difícil, uma primavera maravilhosa, e um verão de plenitude. Tudo isto são o suco de laranja. O preço que você pagou, lixo.

                Então, em qualquer momento a vitamina ”C” está dentro de você, etá incorporada a tua resistência.

                Em qualquer momento a essência da vida está em você e está incorporada as suas respostas à vida.

                Você extraiu àquilo que elas têm de mais profundo e isto te permitiu caminhar. Tudo isto está embutido naquilo que você é. Você não só sobreviveu. Você extraiu a essência da vida e isto está com você sempre. Isto faz com que todo tempo seja eterno.

                                      

                                       E que vosso presente

                                               abrace o passado com nostalgia,

                                               o futuro, com ânsia e carinho.



Quando o ser humano encontrar dentro de si algo que está além do tempo, ele passa a confiar na vida. Ele perde a ansiedade, perde o medo... Ansiedade é mal do nosso tempo e é um mal incurável! Por que nós consideramos que somos apenas matéria e a matéria caminha para o abismo. Como um ser que só pensa na matéria não pode ficar ansioso(a)? Se ele(a) imaginar que nada vai sobreviver àquilo que está caminhando para o abismo...como irá viver tranquilo(a) e sereno(a) assim?

A partir do momento que você encontra algo que está além do tempo, você aceita as experiências que o tempo traz.  Você aceita o passado, o presente e o que o futuro trouxer...

No filme “ O Gladiador” existe uma cena em que, quando o Gladiador (ele era general romano e foi tornado Gladiador) se encontra com vários gladiadores no campo, no meio da Arena e vem uns soldados romano saindo detrás da porta, então ele vira para os homens que estão com ele e diz: “Seja o que for que vier detrás daquela porta, se permanecermos unidos, sobreviveremos!”

Seja o que for que vier detrás da porta do futuro, se eu permanecer coesa, íntegra, eu sobrevivo. Então eu não terei MEDO. Eu tenho integridade, eu tenho algo que está acima do tempo.

Se eu permanecer fiel a mim mesma, eu me garanto diante de qualquer coisa que seja necessária que a vida traga para mim.

Eu compreendo que a vida é necessária, ela não é injusta. Ela traz as experiências que eu preciso viver para que eu extraia o sumo desta experiência e eu caminhe melhor.

O prof. Michel Echenique  dizia: Existe algo em nós que faz parte da geografia terrestre(cumes e vales).  E existe algo em nós que é solar, luminoso ( que fica lá de cima estável observando a geografia terrestre, mas não oscila).

Se a tua consciência se identifica só com aquilo que é da Terra, ela fica subindo e descendo...

Se identificar com algo mais acima, você observa o relevo da Terra e não sobe e desce com ele; já não é mais um joguete na mão das circunstâncias. Venha o que vier, sobreviverá. Não tem mais amarguras com o passado nem medo do futuro. Aceitação é uma virtude que exige identidade.

A identidade acima das circunstâncias te dá aceitação das circunstâncias. Ela vem porque necessitamos dela. Não temos amargura, revolta; aceito. Extraio da melhor maneira possível a essência das circunstâncias para me tornar cada vez melhor como ser humano.

Que nós possamos fazer as pazes com o tempo, quando percebermos que ele não leva o que somos. Ele leva as cascas e nós temos de ser capaz de espremer  a laranja e não ficarmos apegados às cascas e arrastando um saco de cascas pela vida.

Sermos capazes de encontrar dentro de nós àquilo que o tempo não toca. Se ele não toca em nós, então fica difícil! É necessário que a gente toque, que a gente encontre aquilo dentro de nós que somos nós mesmos.

A nossa identidade mais profunda, que paira acima do tempo.

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