quarta-feira, 19 de junho de 2019

GIBRAN: AUTOCONHECIMENTO


   Imaginem falar de coisas tão profundas como :  AUTOCONHECIMENTO numa superfície tão pequena. Isso é típico dos autores clássicos. Gibran tem de ser muito denso; ele tem de ter muita profundidade. Em pouca extensão dizem muita coisa.

                Nós somos o contrário disso: falamos muito e não queremos dizer quase nada, conversas muito superficiais, em geral.

                Esse tipo de leitura é trabalhosa, porque você tem de manter a atenção concentrada, e mastigar cada palavra.

                Trata-se de um mito , porque um mito significa que ele está teatralizando fora aquilo que está acontecendo dentro do homem.

                Todos os mitos têm um único personagem que é o homem, o personagem central. Os secundários são fatores psicológicos dele, projetados do lado de fora para que ele os veja.

                Jung fala muito disso: que os nossos sonhos e a estrutura onírica, é a mesma coisa.

                Todos os personagens dos seus sonhos, curiosamente é você mesmo. É a sua consciência se vendo fora, já que não consegue se vê dentro. É uma projeção, o mito; para que o homem possa fazer um processo de autoconhecimento.

                Então o homem está conversando consigo mesmo depois de um ciclo de 12 anos. Esses doze anos é como se representasse uma vida, uma encarnação. Como se ele estivesse fechando uma experiência de vida; dialogando consigo mesmo e concluindo quais as coisas ele aprendeu da vida. Como se ele estivesse somando todo aprendizado de uma vida. Interessante porque ele propõe um diálogo interno, um momento de vida interior.

                O ciclo da Natureza tem os Equinócios. Outono é um ciclo em que a Natureza recolhe suas energias para dar exatamente ao homem a oportunidade de vir para dentro e depois ir ao mundo na primavera-verão, tendo algo para compartilhar. Porque um homem vazio não tem nada para compartilhar.

                Vida interior – diálogo interno.

                A coisa mais comum na literatura antiga é que o homem foque sua vida em duas coisas: conhecer a si mesmo e dominar a si mesmo. E isso vai lhes permitir chegar ao seu alvo, que são valores, virtudes e sabedoria, o ideal humano.

                O famoso pórtico de Delfos, na Grécia-  “ homem, conhece-te a ti mesmo”; tão falado e repetido, mas tão pouco praticado, era a base da filosofia grega.

                Um poeta grego chamado Píndaro, ele dizia o seguinte: “Sê quem és, sabendo.” Como é que você vai ser mesmo se você não sabe quem é.

                A evolução nada mais é do que a evolução da consciência.

O que evolui em nós?  Luz sobre trevas, consciência daquilo que somos. Isso é a verdadeira evolução. Não adianta sermos, se não sabemos o que somos não vai nos adiantar.

A questão humana é: ser e existir. E existir exige que você tenha consciência do que você é. Se não, você existe superficialmente, sobrevive; ou existe como aquilo que você não é, como se fosse um bichinho.

Então esse elemento do autoconhecimento, não é à toa que é um dos capítulos mais conhecidos do Profeta. Muita gente recita, é muito bonito, como tudo dele é muito poético.

“ E um homem disse:

                             - Fala-nos do autoconhecimento

                              E ele respondeu dizendo:



No livro “ O Mundo de Sofia” do professor Joisten Gaarder bem no início do livro coloca um exemplo que ele diz: ‘ Imagine que você faça um boneco de barro e dê um sopro de vida nele e ele sai andando. O que você acharia se esse bonequinho saísse andando em frente e perguntando: Onde vou morar?

               O que é que eu vou vestir?

               Onde eu vou trabalhar? Quanto eu vou ganhar por mês? Faz todas as perguntas irrelevantes do Universo e em nenhum momento esse boneco para, detém o passo e pergunta: “Quem sou eu, hein?” “ Por que me construíram?” “O que você espera de mim?” “Você me fez pra quê?”.

O que pensaríamos sobre este boneco? Ele está com defeito de fabricação, deixa eu fazer outro; não é isso? Enlouqueceu, o coitado. Está alienado.

Não perguntar nunca quem somos nós e que vivemos fazer aqui, é como se fôssemos isso. E é lógico que toda pergunta, toda curiosidade, toda busca de saber teria de começar por isso – isso é a base da FILOSOFIA.

Quem somos nós? É descobrir como nos completamos, qual é o nosso ideal, e quais as ferramentas que nos permitem caminhar por essa estrada.



 Vosso coração conhece, em silêncio,

                              o segredo dos dias e das noites,

                              mas nossos ouvidos anseiam por ouvir

                             o que o vosso coração sabe.

               

Coração é o simbolismo do Centro. Na verdade, o nosso verdadeiro coração é um centro, uma essência que as tradições todas dizem que o homem tem, que o homem tem uma essência imortal e uma aparência transitória. Esse centro no qual a vida gravita, esse é o verdadeiro coração. E desse Centro, dessa identidade irradia uma certa intuição que conhecemos e sabemos.

                Quando nos defrontamos, com uma das coisas mais inquietantes da vida, que é a morte. Existe coisa mais paradoxal do que a morte?

                Por muito que você leia a respeito, por muito que você conheça do assunto, por muito que tenha suas crenças, mas não é estranho que toda essa vida que vibra dentro de um ser humano, de repente... foi-se...

É um boneco inerte, frio. Cadê imaginação, vontade, amor, inteligência...toda vida que vibrava ali? Não é uma loucura que o ser humano de uma hora pra outra não seja? Como não é?

Essas coisas têm de ter uma solução de continuidade. Não podem desaparecer. Isso é um paradoxo; isso é um contra-senso.

Para onde vai aquilo que nós chamamos de ser humano?

Existe dentro de nós alguma coisa que se revolta e diz “Não”. Isso não é real.

Esse é o teu coração dizendo: A morte não é uma realidade. Aí vem a mente racional, concreta, essa prática: “Ah, besteira, deixa isso pra lá”, propaganda, destrói essa nossa percepção íntima e profunda.

Vocês percebem que isso ecoa ao longo da história da humanidade, num protesto íntimo contra isto que nos dizem que é real e que não pode ser. É muita coisa para de repente virar nada de uma hora pra outra.

E esse eco de incompreensão e de revolta contra esse paradoxo ecoa tão antigo quanto a existência do homem. Então nós intuímos que existe algo mais; que o homem tem uma essência imortal,, algo que vibra por trás da aparência. Mas a nossa razão prática não sabe disso. Às vezes até o pensamento sabe: “Ah, Platão diz que possuímos uma essência imortal”. Isso é bonito de dizer, né? Dá um status. Todo mundo vai pensar: “Ela lê Platão.” Às vezes, até como uma ideia, a gente sabe; mas uma razão prática que norteia nossa vida e uma ação condizente com isso, a gente não tem. Aí esses dois mundos ficam desconectados, um necessitando do outro. Nosso coração necessitando se realizar no mundo e a nossa vida no mundo necessitando de um sentido mais profundo. E o mito do amor romântico dessas histórias antigas, no fundo é isso: é o homem querendo encontrar a sua alma, uma essência mais profunda.

                Se vocês virem o poema de Fernando Pessoa – Eros e Psiquê  é isso: o Príncipe buscando a sua alma adormecida, os dois, um precisando do outro. A essência precisando da aparência e vice-versa. Então ele diz: “vossos ouvidos anseiam por ouvir aquilo que seu coração sabe. Vossos olhos anseiam por ver. Uma hora, vai ter que ter uma comunicação entre esses dois mundos, porque senão você morre sem ter vivido. Você se torna eternamente um estranho para si próprio. E isso é muito esquisito. O que nós viemos fazer na nossa vida, se não conhecer a nós mesmos? O que nós fizemos ao longo de toda uma vida, não deu tempo pra isso? O que você fez com o tempo? O que era mais importante que isso, não é curioso? É como você ir na esquina comprar um jornal e voltar sem o jornal. Não deu tempo. Como assim? Você não foi lá pra isso? Nós viemos ao mundo pra quê? Senão para conhecer a nós mesmos e caminhar. Não deu tempo. Isso é meio paradoxal, né? Deu tempo pra quê? O que você fez com o tempo?

Lembra da parábola bíblica dos talentos? – Não fiz nada. Uma vida perdida. E olha que somos tão apegados à vida e a jogamos fora. Jung fala sobre isso: que o homem do sé XX, que fala tanto de economia, é um esbanjador. Esbanja o mais precioso: o espírito.



 Desejais conhecer em palavras

                              aquilo que sempre conhecestes em pensamento.

                              Quereis tocar com os dedos o corpo nu de vossos sonhos.

                              E é bom que o desejeis.



Ou seja, esse monte de ideias, esse monte de tradições, que dizem que existe uma essência dentro de você, esperando ser descoberta. Bom, eu quero ver. Eu quero que isso venha ao mundo e faça diferença em minha vida. Eu quero numa ação prática, perceber que eu já não tenho tanto medo assim, porque eu me sinto um ser que vai perdurar além da morte. Eu quero numa ação prática, perceber que eu sou um ser humano e que isso é mais do que meramente um ser instintivo. Que existem valores. Existem virtudes dentro de mim. Eu quero me ver e quero me reconhecer. Só para ressaltar, no livro “ O diário de Marilyn Monroe e num determinado momento, ela para e fala o seguinte: “as pessoas não gostam realmente de mim. Gostam de uma imagem que foi criada pelo cinema. Elas não podem gostar de mim; elas não me conhecem. E na verdade, sabe de uma coisa? Eu também não me conheço, portanto, nem eu gosto de mim. Quem sou eu? “

Então todos nós desejamos arredar essa sombra material e descobrir o que é que palpita dentro de nosso coração. Quem são de fato nós? Quais são os nossos sonos? O que realmente nos realiza? O que realmente nos faz feliz? O que nos dá paz? Isso é muito curioso, porque nós somos às vezes, tão mecanizados pelos hábitos da sociedade, que até para nos divertirmos, nós fazemos o que é padrão. Então: férias aqui, trabalho ali, descansar acolá.

Somos estranhos para nós mesmos. Por  quanto tempo? Espero que não por toda vida. Então todos nós temos essa ânsia de unir esses dois mundos: tocar com os nossos dedos a verdadeira identidade; o nosso verdadeiro rosto.



A fonte secreta de vossa alma

                             precisa brotar e correr murmurando, para o mar.

                             E o tesouro das vossas profundezas ilimitadas

                             Precisa revelar-se a vossos olhos.



Uma das coisas mais antigas que existe dentro da Filosofia é a ideia , a teoria da alma prisioneira. Diz que essência, ela precisa se expressar; ela veio ao mundo pra isso. É como se você imaginasse uma luva que você coloca na mão para que você mexa, por exemplo, no jardim. A tua mão precisa se expressar. Essa luva não pode ter os dedos todos grudados  de tal maneira que a mão não se mexa lá dentro. Ela tem de ser maleável ao domínio da mão. É como se de repente, você fizesse da luva uma cárcere da tua mão. E ela não se mexesse lá dentro e aí ficasse ansiosa por mexer na terra, por atuar no mundo, e não consegue se expressar. A alma prisioneira.

                Platão dizia que, na verdade, educar é abrir as grades da cela,   dessa alma prisioneira, para que entre ar, para que ela não sufoque. Educar é romper as barreiras que te impedem de ter vida interior, de conhecer a si próprio. Educar era muito mais profundo do que extenso. “Eduzir” é trazer à tona aquilo que você tem de real. Inteligência também vem disso: “Intelegere”, escolher dentre. Dentre tudo aquilo que você não é, quem é você, por exemplo. Encontrar a tua verdadeira identidade é o máximo ato de inteligência. Então, a tua alma, ansiosa dentro de você, quer se expressar no mundo. E você o que está fazendo no mundo, se não falando pela tua alma? O que você veio fazer aqui? Qual recado que você tem para dar ao mundo?

                Quando Beethoven já completamente surdo, escreve uma carta ; “ O testamento de Heilingenstadt” em que diz o seguinte: ele não terminava com a sua vida ali porque ele tinha um recado para dar ao mundo, que Deus tinha pedido que ele comunicasse aos homens, que era a sua música, e  ele não tinha terminado de dar esse recado. Portanto, ele não podia se isentar dessa missão enquanto não estivesse completa. Será que também não temos nosso recado para dar? E quem está mandando esse recado? Nós não ouvimos, não sabemos o que viemos fazer aqui. Nós não podemos tombar sem ter dado o nosso recado. Não podemos deixar de cumprir a nossa missão. A alma precisa se expressar e nós precisamos que ela se expresse para que a nossa vida tenha algum sentido, para que faça diferença.



                                      Mas não useis balanças para

                                     pesar vossos tesouros desconhecidos.

                                     E não procureis explorar

                                     as profundezas do vosso conhecimento

                                     com uma vara ou uma sonda.



                Uma das coisas mais  complicadas que tem quando você considera, pelo menos como possibilidade que o homem tem uma existência e uma essência, algo imortal por trás dessa aparência. Imaginem que isso exista. Vocês percebem que a gente quer prova disso do mesmo jeito que a gente tem provas disso?

                Então, eu tenho um corpo: Qual é a altura? Um e 63. Qual é o peso? Não vou contar porque está um pouco excessivo. Qual é a cor do cabelo?...

                Você quer mensurar, você quer medir, você quer colocar uma vara, ver o comprimento. Eu tenho alma? Que tamanho que é ela? Que modelo? São umas coisas que a gente não entende , que são dois mundos que se comunicam e cada mundo tem suas leis próprias. Não dá pra mensurar dessa forma, até porque existe uma curiosidade ai, essa nossa alma, isso é a coisa mais complicada de se entender, é como se fosse uma célula de uma grande alma “anima mundi”, a lama do mundo  que é uma só. Na Índia, dizem  que nós somos, como se fôssemos uma perolazinha de um colar por onde passa um fio. E esse fio passa por todas as coisas do Universo. Quando você quer ver tua essência, você vê um pedacinho de fio. Mas num determinado momento, você vai perceber que esse pedacinho de fio é só um momento de um grande fio, que passa por dentro de tudo no Universo. Ou seja, a tua essência é uma célula da grande essência do Universo, que é uma só. A tua essência é uma gota de um grande oceano. Então, é muito difícil, como tua essência pertence ao mundo da unidade e o teu corpo pertence ao mundo da multiplicidade, são duas coisas que não dá para você conhecer com as mesmas ferramentas.

                Existe um conjunto de pseudo-cientistas que se metem a escrever, livros , por exemplo, pra dizer que Deus não existe. Um  inclusive, fez muito sucesso : “Deus, um delírio”. É a coisa mais insólita que você possa imaginar. Imaginem, que a nossa mente concreta, prática ela trabalha para conhecer as coisas por um critério muito simples, por adjetivação. Não tem jeito de você conhecer as coisas a não ser através de adjetivos: pequeno, cilindrico,laranja... E todo adjetivo é uma limitação. O verdadeiro cientista, não vai fazer uma coisa dessas, vai fazer ciência, não vai se meter em coisas dessa natureza.

                Quando você está falando da unidade, porque a nossa essência pertence a unidade, se você adjetivar, ela deixa de ser. Ela vira duas, três, quatro...Qualquer adjetivo que você der ao mundo espiritual, que é uno por natureza, ele deixa de ser porque os adjetivos limitam. Vocês já viram uma mente trabalhar dessa maneira? Porque a característica do mundo espiritual é ser uno. Ele é tudo ao mesmo tempo. Pensem num ser que é assim? Não dá pra pensar...

                Ahhh...então tem outras ferramentas de conhecimento...temmm!!!! Tem aquela intuição, que nós falávamos, que vem do centro, vem do nosso coração que percebe a unidade e temos uma razão prática, como dizia Kant, que percebe a multiplicidade. São duas ferramentas para conhecer dois mundos. Você não vai vir com uma fita métrica para medir sua alma. Não vai dá!!! Ahh...então aquilo que eu não avalio com a fita métrica, não existe. Tá bommm...Tá bom, é um critério bem redutivo, o seu. Porque existem muitas coisas que hoje  a ciência já prova que existem e que não dá pra medir com fita métrica, certo? Então é um critério muito materialista e redutivo. Assim são esses cientistas que querem dizer que Deus não existe porque as equações matemáticas reduzidas deles não abrangem Deus. Então não dá para conhecer a nossa essência como uma vara, como uma fita métrica, seja lá com o que for.



                                                 Porque o Eu é um mar

                                                 sem limites  e sem medidas.



                Aquilo que desconhecemos de nós é muito maior do que aquilo que conhecemos de nós. E aquilo que desconhecemos de nós é o quê? É como se você fosse um momento em que a água se condensou, e se tornou, ilusoriamente, gelo( uma coisa que é particular), mas continua sendo água.

                O PROFESSOR Jorge Ângelo Livraga, que é um filósofo, fundador da Nova Acrópole. Ele dizia o seguinte: você passa o dedo na areia e faz um sulco. Passa o dedo na areia e faz outro sulco. Aí você diz: tem dois sulcos. O primeiro é o quê? Areia. O segundo? Areia. O intervalo entre eles? Areia. Então você tem o quê? Areia momentaneamente diferenciada. Então, essa ideia da separatividade, que pra gente é um vício difícil de imaginar- e que é a base do egoísmo- é difícil a gente imaginar viver sem ela; é um impedimento para que a gente conheça a nossa essência. Por isso que diz que o homem quanto mais altruísta é, provavelmente tem mais autoconhecimento. O homem é do tamanho da sua generosidade. Vocês percebem os homens grandes da história não eram os que tinham muita coisa, eram os que davam muita coisa. Davam muito de si. Mudaram a história pelo tanto que deram. O homem é do tamanho da sua entrega.



                                            Não digais: Encontrei a verdade.

                                            Dizei de preferência: Encontrei uma verdade.



               

                 Sócrates falava disto de uma maneira muito curiosa. Um dia perguntaram a Sócrates:

“Mestre, eu encontrei um homem que disse que encontrou a verdade “. Sócrates disse: “ Olha, ou ele encontrou mesmo e é um sábio completo; não sei nem o que ele está fazendo aqui ou ele não sabe nem o que é verdade, é um ignorante completo e petulante. Em nenhum dos dois casos essa pessoa que você encontrou serve para filósofo.” Porque o filósofo sabe que não tem “ a verdade”. Ele tem um momento, onde ele, de repente, olha para a vida e diz: “não é possível que isso seja só essa aparência”. Há algo por trás, há algo nos bastidores. Ele vê um momento de beleza e vê que a beleza é algo que passa pelo mundo e volta para o seu mundo, mas que ela é eterna. Ele não acredita que a beleza cesse. Ele não acredita que a bondade, a justiça cessem. Ele percebe que elas se refletem e voltam para o lugar de onde vieram, mas que ela é algo eterno ou não existe. Porque algo tão profundo, tão marcante, deixa pegadas tão grandes no mundo, isso não pode ser real. Isso não pode ser ilusório. Esse momento, onde você tem esse “insight”, você teve um momento de vida interior, você teve uma verdade. Você vislumbrou a verdade. Mas, a grande verdade? Não. Um momento. Um flash. Um ângulo do prisma.

                Jung costumava dizer que essas situações, que acontecem com todos nós, felizmente, e que são os momentos mais sagrados de nossa vida- a gente deveria guarda-los numa caixinha de joias, porque são as nossas verdadeiras joias.

                O homem acha que viu toda verdade e Jung chama isto de inflação do ego, que pode girar um tipo de delírio. Ele vislumbrou por mérito, ele rasgou um pouquinho os véus da ilusão e deu uma olhadinha na luz. Mas ele ainda está aqui embaixo, ainda tem muito  que caminhar para ver um pouquinho mais de luz. Então nós encontramos uma verdade, por mérito, às vezes rasgamos o véu de Maya, como dizem os indianos, e vemos um pouco da verdade.



                                               Não digais:

                                               “Encontrei o caminho da alma”.

                                               Dizei de preferência:

                                               “Encontrei a alma andando em meu caminho.”



De repente eu tive a sensação ninguém pode tirar aquilo que eu sou, eu não preciso estar tão inseguro. Não preciso estar tão ferido pelo que as pessoas fazem comigo, porque aquilo que elas atingem, não sou  realmente eu. Aquilo que eu sou profundamente, ninguém pode tocar, ninguém pode ferir, ninguém pode magoar. Aí você sente um estado de segurança e de liberdade como se fosse essa alma que dança. Vislumbrei! Olha!! Tem alguém nos bastidores. Tem um ator por trás dessa máscara. Isto existe em todo canto.  Existe uma passagem do Egito que está escrito nas paredes de um templo, muito bonita.  Está n”O Livro dos Cantos Potentes”, que diz: "O teu nome é mais poderoso do que o nome dos Deuses. O teu nome escrito sobre o teu escudo, o nome do Deus, sentado no centro da tua barca. Oh barqueiro! Detém o teu reino, vira-te e olhe nos olhos daquele que vive no centro da tua barca”.

            Existe algo divino no centro da nossa barca e nós estamos remando, alienados. Em uma hora-  para isso, olha para trás e vê quem você é. Vê quem é o dono da barca, quem é o passageiro. E aí passa a respeitar mais, não enfia essa barca em qualquer cantinho, em qualquer lodaçal porque você tem um ser divino dentro dela. Percebam que essa visão é “respicere”, é saber ver? E aí você passa a se respeitar. Eu não posso levar minha barca pra qualquer lodaçal, tem um passageiro divino dentro dela. Eu me respeito. Por quê? Porque eu sei quem eu sou. Ainda que vislumbre só de vez em quando...eu sei que existe algo e que merece respeito. E aí eu posso respeitar os outros, porque eu sei que existe algo dentro de mim, começo a também ter a possibilidade de acreditar nisso nos demais. Senão, somos meras cascas. Por que respeitar cascas? Caímos nessa forma de relacionamento que nós temos nos nossos dias. Todos nós. Tão dolorosa e tão superficial.



                                   Porque a alma anda por todos os caminhos...



                Ou seja, se ela é uma gota d’água no meio do oceano, por onde o oceano não passa? Se ela é uma célula da grande alma do Universo, qual o espaço que a grande alma, o Universo não penetra? Então você não encontrou o caminho da tua alma, você vislumbrou um momento da tua alma, mas ela é muito maior do que você imagina. Nós queremos que esta separatividade que nós temos aqui embaixo seja lá em cima também. E lá em cima somos um episódio de algo que é eterno, sem limites no tempo e no espaço. Portanto, você não viu tudo, porque se visse, não suportaria.

                Existe  uma passagem da mitologia grega que uma das inúmeras namoradas de Zeus, Sêmele, pede pra ele: “Me mostre na sua plenitude”. Zeus havia prometido que qualquer coisa que ela pedisse, ele atenderia, e ele se vê numa enrascada. E ele se mostra como o Todo. E ela fica tão horrorizada, que morre fulminada. Não temos como ver o Todo da nossa alma. Nós vemos um episódio, um momentozinho. E vamos juntando pecinhas, para que um dia, cheguemos a sabedoria, que é a visão do Todo. Mas um flash desses é o momento mais belo de nossa vida. O momento em que você olha e vê que a sua alma não se submete nem ao tempo nem ao espaço, esperando que você a liberte, que você deixe –a bailar na tua vida.

                Um momento, já é muito porque a alma anda por todos os caminhos. E nós vimos um momento de um caminho.



                                               A alma não marcha numa linha reta

                                               nem cresce como um caniço.

                                               A alma desabrocha

                                               qual um lótus de mil pétalas.



                Essa particularidade da alma é muito semelhante à descrição que ele mesmo faz do amor. O amor, por exemplo, se você quer ter no amor algo sagrado, algo divino, não pense que esse amor vai subir feito um caniço. Só naquele canalzinho. Para que você ame o divino, você tem de ir espalhando as suas pétalas em todas as direções, você tem de amar toda a humanidade. Não há como você ver a Deus se você não vir em todas as coisas. Se você não vir a Deus em todas as coisas, não o verá em coisa nenhuma. Então ele apenas não se verticaliza, ele também ganha espaço. Abrange todo Universo manifestado, com as suas múltiplas pétalas.Mil pétalas é como se fosse o símbolo do Universo. A tradição indiana, quando quer dizer que uma coisa é infinita, usa esse número: mil. Mil faces, mil momentos, mil pétalas. Ou seja, a nossa alma se expande e se une à alma de todos os seres. E só assim ela se eleva. Por isso diz que a fraternidade é um dos sentimentos mais nobres do ser humano. Porque fraternidade, generosidade é sintoma de autoconhecimento. A verdadeira fraternidade, a verdadeira generosidade, sem interesses, sem segundas intenções, mas como sede de alma, como necessidade de realização, é sintoma de autoconhecimento. O homem que conhece profundamente a si próprio, ele sabe que um pouco dele está em todos os seres à sua volta. Então, quando o ser humano cai nos abismos, ele sabe que é uma parte dele que desceu e que vai ter de ser resgatada e se sente responsável. Quando um ser humano se eleva, ele sabe que algo dele se elevou e ele sente um pouco dessa plenitude. Ele sabe que ele e a humanidade são um só. Na verdade, nós e o Universo. Em essência se diz que é isso. Então o autoconhecimento não se verticaliza isolado, isso é ilusão que a gente tem, que o intelectualismo gerou em nós. Se eu sou intelectual, eu tenho diplomas, eu tenho títulos, são só meus, não são de mais ninguém. Ninguém se beneficia pelo fato de que eu tenha pós , pós , pós -graduação. Doutorados e mais doutorados.. Ele é uma coisa limitada aos meus próprios interesses pessoais. A sabedoria, não. A sabedoria ela se expande, ela se demonstra criando laços entre os homens e toda a humanidade. A sabedoria ela se demonstra. Pelas vossas obras, vos conhecereis. Ela se reconhece pela capacidade de criar laços, de tomar a humanidade como um problema teu,  como parte de você mesmo. E só assim você se eleva, isoladamente, não. Então a alma é isso: como um lótus de mil pétalas. E conhecer a si próprio, reconhece—se –  O homem  que conhece a si próprio, também se reconhece em todos.

Nunca diz, como diz mais uma veza bíblia: “dessa água não beberei”, ele sempre diz: “eu vou cuidar mais desse defeito em mim”, para que outras pessoas não caiam através dele. Ele reconhece que o Universo inteiro está também dentro dele, um microcosmo.


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