quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

LIVRO: TORTO ARADO - ITAMAR VIEIRA JÙNIOR

 

TORTO ARADO

Ganhei este livro no meu niver!! Pense num livro que todos devem ler!! O livro você ler num fôlego só. Quando você começa a ler não que mais parar... muitooo lindoooo!!!  Aproveito estes últimos dias do ano de 2021 para agradecer e desejar a todos um NOVO ANO cheio de RENOVAÇÕES e ESPERANÇA!!! 

 A trama se passa no sertão baiano, em Água Negra, habitavam várias famílias. A maioria era negra e outras se diziam “índios”. Algumas dessas famílias chegaram há pouco, outras estão chegando; e outras ainda, estão lá há algumas gerações…  Na obra se observa o clima de atemporalidade, embora dê dicas de que tudo parece acontecer a partir da década de 70, 80 do século XX. Notamos que mesmo com a passagem dos séculos, muitos temas não foram consolidados, como:   violência, fome, desigualdade social, seca, preconceito, intrigas familiares, machismo, violência contra a mulher, menores violadas,  disputa de poder, assassinato pela posse da terra, novas formas de escravidão no Brasil pós-abolicionista, lutas sindicais. ...e o país em pleno século XXI sangra até hoje das mesmas feridas.

A obra é dividida em três partes: 

Primeira Parte: Fio de corte

Narrada por Bibiana,  ao assumir a observação dos acontecimentos que, por vezes, até confundem-se com uma narradora onisciente,  retrata a história de uma fazenda do interior da Bahia, na região conhecida como Chapada Diamantina; a região tem este nome porque no tempo do Império descobriram fontes de diamantes. Podemos imaginar a quantidade de pessoas que imigraram para lá afim de reconstruir suas vidas. Embora no contexto narrado não temos mais diamantes, mas se conservou fazendas e uma terra fértil, pois é uma região de serrado cortada por rios importantes com boa fertilidade. Numa fazenda chamada Água Negra, que é cortada pelo rio Utinga e Santo Antônio, vivem uma comunidade de trabalhadores da qual fazem parte duas irmãs: Belonísia e Bibiana. São muito próximas, pois a diferença de idade é de meses, porém num determinado dia, acontece algo muito trágico que vai marcar suas vidas. Elas abrem uma mala da avó para observar uma faca misteriosa com um belo cabo de marfim. O brilho do metal, as formas do objeto, encantam as meninas que o colocam na boca. Ocorre, então, o acidente que dará sentido ao romance. O mistério para a existência daquela faca será esclarecido mais no final do livro. Bibiana corta a boca seriamente, e Belonísia decepa a língua, o que a impede de falar. Na obra, ao longo dos anos, as irmãs vão seguir trajetórias que em algum momento se afastam, em outros, se unem. Estes fatos vão dar sentido para que elas contem em suas narrativas a história desta comunidade de trabalhadores rurais que vivem numa situação análoga à escravidão. Eles trabalham de sol a sol dentro das terras de uma família de fazendeiros e não têm direito ao salário e a única coisa que recebem em troca é o direito de morar lá, direito de ter um pedaço de chão para construir uma casinha de barro, pois eram impedidos de edificarem casas de alvenaria.  Não recebiam salários e não tinham nenhum tipo de proteção. Ignorados pelo estado, pois não sabiam ler nem escrever, pois a maioria nascia e morria sem tirar documentos...a maioria usava dinheiro...o máximo que conseguiam era: escondidos do capataz da fazenda  ir à feira em alguma cidade mais próxima vender algo, como: azeite de dendê que eles mesmos extraíam.  Bibiana vai ganhando uma consciência política crescente. É nesta parte que também aparece os primeiros indícios de um pensamento mais politizado, que se revelará mais para a frente. Quando Bibiana sabe de sua gravidez com o seu primo Severo e vê tudo o que  motiva sua fuga com o primo Severo,

“Somente uma das filhas teria a fala e a deglutição prejudicadas. Mas o silêncio passaria a ser nosso mais proeminente estado a partir desse evento.” pág 19

“Nos primeiros meses após perder a língua fomos tomadas de um sentimento de união que estava embotado com aquele passado de brigas e disputas infantis (...) Uma seria a voz da outra. Deveria se aprimorar a sensibilidade que cercaria aquela convivência a partir de então. Ter a capacidade de ler com mais atenção os olhos e os gestos da irmã.” Pág 23

 

Segunda Parte: Torto Arado

 

Neste segundo momento quem narra a história é BELONÍSIA. Uma mulher que tem uma conexão enorme com a terra, com a Natureza. Sua sabedoria mostra-se relacionada aos conhecimentos ancestrais ignorados pela chamada Ciência Moderna dos “homens civilizados” , Belonísia demonstra a insubordinação diante dos movimentos de exploração que não sabia exatamente como nomear, mas os quais reconhecia e enfrentava. Ao se casar com Tobias, encontra-se em uma situação muito pior do que a vivida na casa de seus pais, mas se vê inexplicavelmente impedida de escapar de seu infortúnio.

    Com Zeca Chapéu Grande me embrenhava pela mata nos caminhos de ida e de volta, e aprendia sobre as ervas e raízes. Aprendia sobre as nuvens, quando haveria ou não chuva, sobre as mudanças secretas que o céu e a terra viviam. Apprendia que tudo estava em movimento – bem diferente das coisas sem vida  que a professora mostrava em suas aulas. Meu pai olhava para mim e dizia: “o vento não sopra, ele é a própria vibração”, e tudo aquilo fazia sentido. “Se o ar não se movimenta, não tem vento, se a gente não se movimenta, não tem vida”, ele tentava me ensinar. Pág.99

 

Belonísia, antes aparentemente frágil, demonstra que sua força de mulher é resistente como a terra e suas raízes, acolhendo outra mulher vítima de violência. Finalmente demarca-se a posição de enfrentamento em relação ao próprio marido:

 Tentava entender o que ele dizia, e sem chance de me proteger, o prato veio na minha direção. Olhei para o chão e vi a comida espalhada. Aquele chão onde havia curvado meu corpo para varrer e assear com zelo. Senti raiva naquele instante, perguntei a mim mesma quem aquele vaqueiro ordinário pensava que era. Pág.120 Belonísia agia com o vigor da terra em memórias das nações africanas nas quais a mulher é respeitada, assim como o foram suas mãe e avó: “Mas eu já me sentia diferente, não tinha medo de homem, era neta de Donana e filha de Salu, que fizeram homens dobrar a língua para se dirigirem a elas.” pág 121

Assim, permanecia em luta: “Que se atrevesse a vir me agredir que faria o mesmo com sua carne: a faria soltar da face com um golpe apenas. Antes que qualquer homem resolvesse me bater, arrancaria as mãos ou cabeça, que não duvidassem de minha zanga” pág.121.

 

Terceira Parte: Rio de sangue

 

Na terceira e última parte, o autor introduz mais uma força feminina para tomar conta da narração. Santa Rita Pescadeira, que desde o início aparece no jarê por meio de dona Miúda, conduz a resolução dos mistérios em meio à polifonia. A entidade vaga sobre a fazenda, que já não é mais a mesma. O abandono enrustido de liberdade é cada vez mais evidente. Após a perda de duas lideranças, os moradores de Água Negra estão dispostos a lutarem pelo o que pertence a eles por direito, pelo pedaço de terra que sempre cuidaram e cultivaram. E na linha de frente estão as irmãs e a encantada, as três potências femininas que impulsionam o romance.

 

Cada mulher sabe a força da natureza que abriga na torrente que flui da sua vida. (página 260).

Belonísia era a fúria que havia cruzado o tempo. Era filha da gente forte que atravessou um oceano, que foi separada de sua terra, que deixou para trás sonhos e forjou no desterro uma vida nova e iluminada. Gente que atravessou tudo, suportando a crueldade que lhes foi imposta. (página 261)

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

POEMA: PROMESSAS DE UM MUNDO NOVO - THICH NHAT HANH

Prometa-me Prometa-me neste dia Prometa-me agora Enquanto o sol está sobre nossas cabeças Exatamente no zênite Prometa-me: Mesmo que eles Ac...