Nessa época de pandemia, acho incrível diante de tantas mortes que as pessoas não consigam pensar sobre a nossa essência de uma maneira natural.
Assim que
vi o único exemplar na loja, comprei. Primeiro porque tenho grande admiração
pelo trabalho de Dra Ana Claudia, segundo, porque tinha certeza de que esta
leitura me faria ter mais consciência da finitude. A morte é um dia que vale a pena viver
conta relatos de sua vivência como especialista em Cuidados Paliativos, ao
cuidar de inúmeros pacientes em estado terminal.
Mas...Por que a MORTE é um dia
que vale a pena viver? Porque ela está inclusa em nossas vidas e é através
dessa consciência que descobrimos qual o sentido da nossa existência. Segundo a
autora, muitos médicos profetizam quando têm doentes em fase terminal: “Não
há nada mais a fazer”. Mas eu descobri que isso não é verdade. Pode
não haver tratamentos disponíveis para a doença, mas há muito mais a fazer pela
pessoa que tem a doença. Minha busca pelo conhecimento a respeito de como cuidar
das pessoas com doenças graves e incuráveis, em todas as suas dimensões,
especialmente quando se aproximam do fim da vida, sempre foi fruto de muito empenho
e teimosia (hoje me dizem que não sou teimosa, sou “determinada”). Teimosia ou
determinação dizem respeito à mesma energia, mas são identificadas somente no
fim da história. Se deu errado, era teimosia. Se deu certo, era determinação. Pág. 44
Refletindo bem sobre a morte e o
que acontece antes dela ocorrer, podemos concluir que há pessoas que
"morrem" absolutamente "curadas"...Há um relato que
me deixou impactada quando ela, ainda como estudante de
medicina, foi fazer anamnese num paciente, Sr. Antônio; este estava sentindo muitas dores. Então ela
que havia pedido remédio para conter a dor deste homem ouviu isso de uma
enfermeira:
“ – Minha querida - retrucou ela, em um tom irônico -,
no dia em que você for médica, vai poder dar mais remédio. Já falei com o
médico de plantão e tentei convencê-lo a sedar o paciente. O Sr. Antônio
precisa morrer logo.
-Morrer? Mas por que ele não pode ter menos dor antes de morrer?” Pág.24
Em alguns
momentos, Dra Ana
mostra-nos que o cuidado do outro
requerer antes de tudo, o cuidado com o nosso próprio eu; a valorização do que somos e estamos vivendo.
O que deveria nos assustar não é a morte em si, mas a possibilidade de chegarmos
ao fim da vida sem usarmos nosso tempo
da maneira que gostaríamos. Neste primeiro exemplo, ela havia sido convidada
para uma comemoração do dias das mulheres onde assistiu a uma peça:
” Gandhi, um líder servidor.”
“Uma mãe levou o filho até Mahatma Gandhi
e implorou-lhe:
-Por favor, Mahatma, diga a meu filho
para não comer mais açúcar...
Depois de uma pausa, Gandhi pediu à
mãe:
-Traga seu filho de volta daqui a duas
semanas.
Duas semanas depois, ela voltou com o
filho.
Gandhi olhou bem no fundo dos olhos do
garoto e lhe disse:
-Não coma açúcar...
Agradecida, porém perplexa, a mulher
perguntou:
- Por que me pediu duas semanas? Podia
ter dito a mesma coisa a ele antes!
E Gandhi respondeu-lhe:
-Há duas semanas, eu estava comendo
açúcar.”
A peça termina, e eu não consigo
aplaudir. Fico em pé, olhando Gandhi com minha alma nua. Uma epifania;
definitivamente, uma epifania. Em poucos instantes, eu compreendi o que estava para
ser o grande passo da minha carreira, da minha vida. Naquele dia, eu me dei
conta de que a maior resposta que eu procurava havia chegado: todo o trabalho
de cuidar das pessoas na sua integralidade humana só poderia fazer sentido se,
em primeiro lugar, eu me dedicasse a cuidar de mim mesma e da minha vida. Me
lembrei dos meus tempos de carola. Me lembrei de um ensinamento importante de
Jesus: Ama a teu próximo como a ti mesmo.” E cheguei a conclusão de que tudo o
que estava fazendo pelos meus pacientes, por minha família,,, por meus amigos
era uma imensa, enorme, pesada e insuportável hipocrisia. Nesse dia, fui tomada
por uma fortaleza e uma paz que eu jamais imaginei que morasse em mim. Desse
dia em diante eu teria a certeza de estar com os pés no meu caminho: posso cuidar
do sofrimento do outro porque estou cuidando do meu. Págs.
39/40
Neste outro trecho ela faz uma
reflexão sobre EMPATIA E COMPAIXÃO
“Empatia é a habilidade de se colocar no lugar do outro. (...) A empatia tem seu perigo; a compaixão, não. Compaixão vai além da capacidade de se colocar no lugar do outro: ela nos permite compreender o sofrimento do outro sem que sejamos contaminados por ele. A compaixão nos protege desse risco. A empatia pode acabar, mas a compaixão nunca tem fim. Na empatia, às vezes cega de si mesma, podemos ir em direção ao sofrimento do outro e nos esquecermos de nós. Na compaixão, para irmos ao encontro do outro, temos que saber quem somos e do que somos capazes. (...) Quem cuida do outro e não cuida de si acaba cheio de lixo. Lixo de maus cuidados físicos, emocionais e espirituais. E lixos não servem para cuidar bem de ninguém. Simples assim. Muitas vezes ouço relatos como este: “eu cuido da minha mãe, eu cuido do meu pai, eu cuido da minha irmã, eu cuido do meu marido, eu cuido dos meus filhos. Não tenho tempo para me cuidar.” E aí eu digo: Não conte isso para ninguém, então! É um vexame. Para mim é como evacuar nas calças. Você não chega contando:´Eu fiz cocô nas calça!´É um mico. Uma irresponsabilidade. E quando você afirma que a vida do outro vale mais do que a sua, está mentindo: a vida do outro vale para você se valorizar. Para você dizer: ´Olha só como eu sou legal! Me mato para cuidar da vida dos outros!´ Págs. 54/55
A morte faz o tempo ficar mais relativo. O que separa o nascimento da morte é o tempo.
A Vida é o que fazemos dentro desse
tempo. Como diz o próprio subtítulo "Um
excelente motivo para se buscar um novo olhar para a vida". Lembra
também a música Epitáfio de Titãs: “Queria ter aceitado as pessoas como elas são, cada
um sabe a alegria e a dor que traz no
coração .”
Logo, ela reflete :
"Quando passamos a vida esperando pelo fim do dia, pelo fim de semana, pelas férias, pelo fim do ano, pela aposentadoria, estamos torcendo para que o dia da nossa morte se aproxime mais rápido." Pág 70
Sem dúvida que recomendo essa
leitura. Abordagem de um assunto que é tão tabu , mas que ao mesmo tempo é uma
das poucas certezas dessa vida. Uma análise profunda e tocante da experiência
que todos vamos passar, seja a nossa ou a de um ente querido.
"Seja como espectadores, seja
como protagonistas, a morte é um espaço onde as palavras não chegam."
- Rilke (página 63)
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