Sérgio Buarque de Holanda foi um grande historiador brasileiro, crítico literário, jornalista, acadêmico reconhecido e requisitado em importantes universidades brasileiras e estrangeiras. Seu livro Raízes do Brasil é um clássico da historiografia brasileira e uma obra basilar de estudos sociológicos. Buarque de Holanda introduziu o estudo de Max Weber no Brasil e, baseado em sua teoria, desenvolveu o conceito de “homem cordial”, que, décadas depois, continua sendo um modelo explicativo do homem brasileiro.
Biografia de Sérgio Buarque de Holanda
Nasceu em São Paulo, em 1902. Era filho de Cristóvão Buarque de Hollanda Cavalcanti, farmacêutico e professor universitário, e Heloísa Gonçalves Moreira Buarque de Hollanda, dona de casa. Seu pai era pernambucano, e sua mãe, fluminense. Nascido em uma família de classe média, Sérgio Buarque estudou nas melhores escolas de São Paulo, desfrutando de uma formação abrangente e humanista.
Aos 18 anos começou a escrever para o Correio Paulistano. Nesse período, participou do movimento modernista e aproximou-se de figuras centrais nesse movimento, como Mário de Andrade e Oswald de Andrade.
Em 1921 mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde cursou Direito na Universidade do Brasil (1925). Continuou em contato com o movimento modernista, atuando na revista Klaxon e na revista Estética. Seguiu trabalhando como jornalista, crítico literário e editor.
Em 1929 mudou-se para Berlim como enviado especial d’O Jornal, para cobrir o desenrolar dos fatos na Alemanha, Polônia e União Soviética. Nessa época aprofundou seus estudos em História e Ciências Sociais, bem como na leitura de autores alemães. Traduziu filmes alemães para o português e escreveu para a Revista Duco, publicação brasileira vinculada à Câmara de Comércio Brasil-Alemanha |1|.
No contexto de ascensão do nazismo, retornou ao Brasil em 1931, com uma grande bagagem intelectual e com reflexões manuscritas que seriam a base de seu principal projeto historiográfico, o livro Raízes do Brasil. Em 1936 assumiu a vaga de professor de História da América e Cultura Luso-Brasileira na Universidade do Rio de Janeiro, que era a capital do Brasil.
Sérgio Buarque de Holanda casou-se, em 1936, com Maria Amélia Alvim Buarque de Holanda, conhecida como Memélia, com quem esteve unido por toda a vida. Com ela, teve sete filhos: Heloísa Maria, Sérgio, Álvaro Augusto, Francisco, Maria do Carmo, Ana Maria e Maria Cristina. No meio artístico, destacaram-se o cantor, compositor e escritor Chico Buarque; a cantora, consagrada pela bossa nova, Miúcha (Heloísa Maria); e a ex-ministra da Cultura Ana de Holanda.
Colaborou como crítico literário para diversos jornais e revistas, como o Estado de S. Paulo, e cooperou com a fundação da Associação Brasileira de Escritores, em 1942, da qual, posteriormente, foi presidente. Também nesse período trabalhou no Instituto Nacional do Livro e na Biblioteca Nacional.
Em 1946, a família retornou para São Paulo e Sérgio Buarque passou a lecionar na Escola Paulista de Sociologia e Política, bem como passou a dirigir o Museu Paulista.
No início dos anos 50, foi professor de Estudos Brasileiros na Universidade de Roma, permanecendo por dois anos na Itália. Em 1957, após apresentação da sua segunda obra de maior relevância, Visão do Paraíso, assumiu a cátedra de História da Civilização Brasileira na Universidade de São Paulo (USP), onde criou o Instituto de Estudos Brasileiros (IMB), em 1962, e permaneceu até 1969, quando se desligou em protesto ao Ato Institucional nº 5, que havia cassado alguns dos seus colegas professores. Participou do Centro Brasil Democrático, grupo opositor à ditadura militar.
Aposentado, continuou atuando como tradutor, articulista de jornais, ensaísta, coordenador de uma série de livros sobre a história da civilização brasileira. Foi também professor convidado em universidades estrangeiras, como a Universidade de Nova York (1965), Universidade de Columbia (1965), Universidade de Yale (1966) e Harvard (1966). Ao final da década de 70, atuou na fundação do Partido dos Trabalhadores (PT).
Sérgio Buarque de Holanda faleceu em 1982, aos setenta e nove anos. Foi um dos maiores pensadores brasileiros do século XX, reconhecido e prestigiado nacional e internacionalmente.
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Sérgio Buarque de Holanda na Sociologia
O surgimento da Sociologia no Brasil é marcado por dois grandes ciclos. O primeiro ciclo, denominado pré-científico, ocorreu na segunda metade do século XIX, durante o Segundo Reinado, quando ainda não havia universidades no Brasil e o estudo no âmbito das ciências humanas era feito por juristas e literatos, na intenção de compreender a cultura brasileira, a identidade nacional e a formação de nossa sociedade.
A década de 1930, com o surgimento da primeira universidade (USP), tornou-se o período de transição para o segundo grande ciclo, em que o intercâmbio com professores e estudiosos de outros países, bem como a formação de estudantes nessa disciplina, propiciou a produção de uma Sociologia científica, especializada, metódica e diversificada. Nesse período de transição entre os dois grandes ciclos, duas obras fundamentais foram produzidas: Casa-Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda.
Sérgio Buarque de Holanda introduziu o estudo de Max Weber no Brasil. Weber, um dos três principais expoentes da Sociologia Clássica, desenvolveu sua teoria por meio de tipos ideais, marcados por um conjunto de características a partir das quais a realidade poderia ser analisada conforme se aproximasse mais de um tipo ou de outro.
Influenciado por esse método de análise, Sérgio Buarque de Holanda desenvolveu o conceito do homem cordial, um modelo de análise do brasileiro em suas relações sociais e políticas. Sua interpretação histórica do Brasil foi e ainda é a narrativa hegemônica sobre o que é o Brasil nas ciências humanas. Historiográfico e analítico, o livro Raízes do Brasil faz um diagnóstico histórico e social, aponta um caminho para a construção de uma nação moderna, liberal e democrática, bem como capta o tensionamento entre continuidade e mudança da sociedade brasileira.
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Obras de Sérgio Buarque de Holanda
A produção literária de Sérgio Buarque de Holanda, fruto de pesquisa historiográfica ampla e profunda, dissertou sobre a tradição colonial do Brasil e o que se entendia por Nação durante o Império e posteriormente durante a República, voltando-se para como a colonização, a escravidão e as bases da economia conformaram as estruturas sociais, a cultura, as relações.
Para além de uma identidade nacional culturalista, buscou compreender essa identidade também em sua dimensão política e se propôs, num exercício futurístico, a apreender como se daria a Revolução Brasileira em direção a uma democracia política e social, o que para ele só seria possível quando fossem definitivamente superadas as práticas e a mentalidade coloniais.
A primeira obra é também a principal e mais conhecida: Raízes do Brasil, lançada em 1936, sendo a primeira da coleção Documentos Brasileiros, dirigida por Gilberto Freyre. Em 1959, trouxe a público sua segunda obra mais importante: Visão do Paraíso: Os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil.
Suas obras:
- Raízes do Brasil (1936)
- Cobra de Vidro (1944)
- Monções (1945)
- Expansão Paulista em Fins do Século XVI e Princípio do Século XVII (1948)
- Caminhos e Fronteiras (1957)
- Visão do Paraíso: Os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil (1959)
- Do Império à República (1972)
- Tentativas de Mitologia (1979)
- O Extremo Oeste (1986 – postumamente)
Algumas coletâneas com textos publicados em jornais também foram lançadas após sua morte. Sua pesquisa acurada e meticulosa se desenvolvia durante anos, por isso suas obras geralmente são separadas por um considerável espaço de tempo entre uma publicação e outra.
Raízes do Brasil
Como já vimos, o autor segue uma linha weberiana de análise. Seu objeto de estudo nesse livro é a colonização do Brasil e os seus desdobramentos políticos e culturais. Estudaremos essa importante obra conforme a divisão analítica feita pelo sociólogo Sérgio Costa (2014) |2|.
Sérgio Buarque de Holanda coloca a ideia de um padrão colonial ibérico, diferenciando a colonização portuguesa e espanhola da colonização de outros povos europeus (ingleses, franceses, alemães). Para ele, a colonização espanhola, em muito caracterizada pela violência, modificou suas colônias de modo mais veemente. Já os portugueses, para quem a colônia era apenas um lugar de passagem, desenvolveram uma relação menos impositiva, racional e coordenada inicialmente. Esses dois povos, com uma nobreza frágil e uma sociedade pouco hierárquica, lançaram-se à aventura de explorar novas terras e ao trabalho de nelas fazer riqueza, sendo os pioneiros das Grandes Navegações.
O autor atribui aos portugueses uma adaptabilidade que favorecia o surgimento de relações interétnicas no povoamento da colônia, baixa capacidade de organização social e uma rudimentar moral de trabalho. A motivação histórica para isso seria o fato de a burguesia portuguesa não destituir, mas se aliar à antiga nobreza.
Os reflexos dessas características dos colonizadores portugueses no Brasil foram uma colonização não planejada, realizada por dois tipos de pessoas: aventureiros e trabalhadores, que, por não terem uma nobreza forte, não eram ligados ao ócio e buscavam nas expedições aventureiras construir riquezas e prestígio. Essas pessoas logo se adaptaram ao trabalho na colônia, transformando-a em grandes latifúndios de monocultura. Portanto, a estrutura social e cultural do sistema colonial português teve grande reflexo na formação da sociedade brasileira.
Patriarcado rural
O segundo marco da formação brasileira é o patriarcado rural. O autor faz um levantamento minucioso de como era a administração colonial e as bases econômicas da colônia, bem como uma estratificação social parecida ao sistema de castas, com pessoas classificadas e posicionadas conforme a cor (brancas, negras, índias).
Nas propriedades rurais, como os engenhos de cana-de-açúcar, os proprietários tinham poderes ilimitados sobre aqueles que estivessem sob seu território, fossem familiares, escravizados ou trabalhadores livres. As grandes propriedades de terra funcionavam como Estados particulares, marcados pelo coronelismo.
A hegemonia do patriarcado rural, para o autor, era o impeditivo da formação de uma burguesia urbana que propiciasse uma cultura liberal. Esse modelo de exercício de poder pelos grandes fazendeiros conformaria a política e se tornaria um empecilho para a construção de uma cultura democrática sem personalismos ou afeições pessoais, determinando a relação entre governantes e governados.
Em relação à educação brasileira, Sérgio Buarque de Holanda aponta que a cristianização promovida pelos jesuítas imprimiu como parâmetro do ensino no Brasil a lógica da disciplina e da obediência em vez de um parâmetro científico e técnico.
Ao contrário de outras análises economicistas, Sérgio Buarque de Holanda analisou os ciclos da cana pela perspectiva cultural. Para o autor, a escravidão, para além de uma relação econômica, tornou-se uma cultura que fundamentava costumes, opiniões e comportamentos.
O processo de abolição foi tardio, lento e gradual. Mesmo após o marco legal da Lei Áurea (1888), a mentalidade e o comportamento escravagista permaneceram e ressignificaram-se não só nas novas relações de trabalho, mas nas relações sociais como um todo e nas instituições.
Em relação ao Estado brasileiro, Sérgio Buarque de Holanda desenvolveu o conceito de funcionário patrimonial, aquele funcionário público que se valeria dessa posição para atender a interesses particulares seus ou de pessoas a ele ligadas. A atuação dos funcionários patrimoniais geraria imprevisibilidade jurídica e institucional em razão da não observância de normas escritas previamente estabelecidas.
Para o autor, no Brasil, desenvolveu-se uma confusão entre interesse público e interesse privado, o que ensejou o desenvolvimento de uma prática de apropriação do patrimônio público em benefício de pessoas e grupos específicos, bem como seu uso como barganha de favores e retribuições. O conceito de patrimonialismo foi trabalhado posteriormente por Raymundo Faoro em seu clássico Os Donos do Poder (1958).
Sérgio Buarque de Holanda aponta em toda a obra como a colonização gerou profundas consequências na identidade política, cultural, econômica e social do Brasil. Também mostrou como práticas coloniais se repaginaram e permaneceram após a Independência (1822) e mesmo após a Proclamação República (1889). Sua obra também aponta para o futuro. Para ele, a superação desse passado colonial é a chave para o que ele denomina Revolução Brasileira, o caminho para uma democracia aperfeiçoada, em que haja igualdade entre as pessoas e um Estado impessoal e racional.
Homem cordial
O conceito de homem cordial é fundamental na obra de Sérgio Buarque de Holanda. Cordial, ao contrário do que se imagina, não vem de cortês, mas de coração, isto é, movido pela afetividade. Influenciado pela Teoria da Ação Social, de Max Weber, que em sua tipologia das ações humanas conceitua as ações sociais afetivas, ou seja, aquelas baseadas em sentimento, Sérgio Buarque desenvolveu o conceito de homem cordial: o típico brasileiro que age movido pelo sentimento, e não pela racionalidade.
O homem cordial desenvolve-se na estrutura familiar patriarcal do Brasil rural, em que o chefe de família determina quais serão as relações dos demais membros, num ambiente privado e numa comunicação marcada por forte carga emocional.
A cordialidade caracteriza-se pela tentativa contínua de personalizar toda e qualquer interação social. Assim, o homem cordial não é afeito ao anonimato ou a se submeter a regras que o igualem aos demais. Ele quer ser chamado pelo nome, quer ter tratamento especial e preferencial, quer se valer do seu carisma pessoal, da sua rede de contatos ou de artifícios semelhantes para alcançar seus objetivos.
Por ser guiado por suas emoções, suas decisões e ações não precisam se submeter a uma lei. No âmbito da política, as lealdades pessoais é que determinam suas alianças. Para Buarque de Holanda, esse padrão político perpetua a reprodução de hierarquias.
A violência é uma característica primordial do homem cordial. Todo e qualquer antagonismo é por ele interpretado como uma ameaça. O homem cordial é ao mesmo tempo um tipo de indivíduo e um padrão de interação social, uma personalidade e um modo de se relacionar com as outras pessoas. A definição da cordialidade do brasileiro passa pela ambiguidade e pelo uso da afetividade, e não da racionalidade, para alcançar os objetivos.
Na política, a cordialidade vai na contramão da ideia de igualdade, impessoalidade, formação de maiorias deliberativas, o que, para o autor, faz com que tenhamos dificuldade em lidar com a democracia. Assim, nossa vinculação com a política partiria de relações pessoais e da mistura da relação público-privado. O antropólogo Roberto DaMatta, na mesma linha de pensamento, posteriormente conceituou o “jeitinho brasileiro”, sintetizado na famosa frase: “Com quem você pensa que está falando?”.
Contraponto
A interpretação do Brasil realizada por Sérgio Buarque de Holanda foi responsável não só por explicá-lo, mas também por construí-lo. A imagem que hoje temos do que somos enquanto brasileiros passa pela leitura que esse autor fez do Brasil. Embora seja um clássico da Sociologia brasileira e tenha influenciado gerações de intelectuais, sua perspectiva não é unânime. O sociólogo contemporâneo Jessé Souza, por meio de seu livro A Elite do Atraso, faz uma releitura crítica do clássico Raízes do Brasil.
Notas
|1| COSTA, Sérgio. O Brasil de Sérgio Buarque de Holanda. Brasília: Revista Sociedade e Estado, v. 29, nº 3, 2014.
|2| COSTA, Sérgio. O Brasil de Sérgio Buarque de Holanda. Brasília: Revista Sociedade e Estado, v. 29, nº 3, 2014.
Crédito da imagem
[1] Companhia das Letras (Reprodução)
Por Milka de Oliveira Rezende. Professora de Sociologia
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